Pernambucana da primeira turma de computação da UFPE lidera setor no Google

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18.03.2024

Se desbravar o universo da tecnologia já é um desafio para as mulheres atualmente, a realidade era ainda mais difícil há 40 anos. Para a recifense Patrícia Florissi, que hoje atua como diretora técnica no OCTO do Google Cloud, entrar na área e conquistar espaço era uma questão de sobrevivência.

A trajetória de Patrícia no setor começou a ser trilhada por escolha da mãe. Filha única, Patrícia precisou realizar um teste vocacional aos nove anos por recomendação materna.

“Eu queria ser engenheira civil e a minha mãe achava que eu era um gênio da matemática. Mas, quando fiz o teste de vocação, o resultado deu que eu era mediana. A minha mãe ficou desesperada. Porém, o teste também apontou que eu era fora da curva em lógica. Foi aí que ela começou a perguntar o que uma pessoa que é boa em lógica faz”, relatou Florissi.

Após sete anos com o questionamento em mente, o irmão de uma amiga de Patrícia disse a resposta que mudou a vida da pernambucana: computação. Naquele ano, a Universidade Federal de Pernambuco começou a oferecer o curso de ciências da computação, graduação escolhida por Patrícia no vestibular.

O interesse pela área só surgiu por conta da recomendação. Isso porque, em 1974, a tecnologia ainda não estava inserida no cotidiano da população. Foi apenas dentro da universidade que Patrícia teve acesso a um computador pessoal - um dos primeiros do Brasil-.

“Eu nunca tinha visto um [computador] na minha vida. A gente precisava programar no papel. Só depois que passamos ter acesso à central de dados da UFPE. Nós sequer conseguíamos ver o programa. Eu tive o privilégio de ter acompanhado essa evolução”, destacou Patrícia.

Naquele período, o contato com a tecnologia era mais escasso e exigia uma série de cuidados. “Eu sou privilegiada porque estudei na primeira turma de Silvio Meira quando ele voltou do PhD. Eu vi Silvio transformar aquela universidade quando ele trouxe computadores da Itautec. Só que eles quebravam o tempo todo, então a gente levava pra consertar e na volta eu trazia segurando no colo porque se encostasse nas pernas e a gente passasse por um buraco, ele ia quebrar de novo”, relatou.

Após anos de estudo, a recifense imigrou para os Estados Unidos, país onde desenvolveu a maior parte da sua carreira. Foi lá onde ela aprendeu um dos ensinamentos que destaca como essencial em sua trajetória.

“Quando comecei a trabalhar aqui nos Estados Unidos, eu fui pra uma reunião e um dia antes perguntei ao meu chefe o que eu podia fazer pra me preparar. Ele me pediu para levar o que eu tenho entre as minhas orelhas. Foi uma forma interessante de dizer para usar o cérebro”, relembrou.

O relato fez parte de uma importante descoberta para a profissional. “Eu estava pensando que meu chefe sabia tudo. Mas, quando chegou lá ele perguntou. Foi aí que eu aprendi que perguntar não é admitir falha”, contou Patrícia.

A trajetória foi repleta de desafios que acabaram contribuindo para o desenvolvimento profissional de Patrícia. Já com PhD, a cientista conquistou um cargo em uma startup americana.

“A primeira coisa que eles me mandaram fazer foi testar um software. Eu estava lá para sobreviver, não para escolher trabalho. Eu testei aquele software exaustivamente. Depois de algumas semanas, meu chefe me pediu para dar um curso sobre ele. Isso abriu diversas oportunidades para mim. Eu comecei a ter contato com os clientes e a viajar para dar esse curso em outros lugares dos Estados Unidos e até mesmo fora daqui”, comentou Florissi.

Para Patrícia, esse enfrentamento dos desafios impostos foi fundamental. “Eu diria que uma das maiores coisas que eu fiz a vida toda foi dar meu melhor em toda e qualquer missão que me pediram”, destacou.

A chegada na diretoria técnica no OCTO do Google Cloud aconteceu enquanto Patrícia buscava por um novo desafio profissional. "Vi a vaga, apliquei e fiz todo o processo de entrevista, etc. Meu trabalho é tentar entender as necessidades de clientes estratégicos, saber o que as companhias almejam e conseguir soluções que podem ou não já existir. Fazemos alguns experimentos conjuntos e aprendemos muito com eles, mesmo que alguns nunca vejam a luz do dia", afirmou.

Os desafios da rotina no cargo, que incluem o contato direto com grandes clientes, são o que o movem Patrícia diariamente. "Estamos sempre tentando entender como achar uma solução. Muitas vezes queremos chegar em um lugar que não tem caminho certo. Você tem que desbravar sabendo que muitos vão dar errado e você vai ter que voltar e tentar de novo".

A profissional avalia ainda que foi o desempenho nos estudos que garantiu um bom posicionamento profissional e até mesmo pessoal. “Eu gosto de estudar. Pra mim, isso nunca foi uma obrigação. Quem eu sou hoje é um reflexo direto de todas as horas que estudei”, afirmou a profissional.

Para o futuro, o desejo de Florissi é que as crianças possam ter a mesma oportunidade. “O meu primeiro desejo é de que toda criança tenha acesso à educação. E que isso comece quando ela é pequena porque depois é muito difícil de criar o gosto por aprender”, observou.

Entre as características que podem ajudar no desenvolvimento profissional, Florissi destaca a capacidade de resolução das adversidades. “O não você já tem. Então você chega e se pergunta o que posso fazer para ter o sim. Quando você quer uma coisa, o mundo conspira ao seu favor. O mais importante para as pessoas que estão começando agora é cultivar o desafio. É isso que eu desejo para cada menina, cada futura mulher, a possibilidade de explorar o mundo da tecnologia”, concluiu Florissi.

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