Terrivelmente católicos? Artigo de Ana Carolina Marsicano e Tabata Pastore Tesser |
30.04.2024 "Para além da expressão católica no âmbito legislativo, observamos recentemente dois casos do envolvimento de setores do catolicismo em práticas antidemocráticas. Um desses casos é o papel clerical do padre José Eduardo de Oliveira e Silva, sacerdote da Diocese de Osasco (SP), que esteve envolvido nos atos golpistas de 8 de janeiro. Ideólogo antiaborto, foi alvo da Operação Tempus Veritatis ao ser considerado pelo Supremo Tribunal Federal parte doutrinal do esquema jurídico e informacional do golpe", escrevem Ana Carolina Marsicano e Tabata Pastore Tesser. Ana Carolina Marsicano é doutoranda em sociologia (UFPE), integra o Laboratório de Estudos de Religião e Política (Laberp/Fundaj/UFPE) e o Grupo de Trabalho “Catolicismo e Conservadorismo” do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Tabata Pastore Tesser é doutoranda em sociologia (USP), integra o Grupo de Estudos de Gênero, Religião e Poder (Grepo/Unicamp) e o Grupo de Trabalho “Catolicismo e Conservadorismo” do Iser. O artigo foi publicado por Folha de S. Paulo, 28-04-2024. Eis o artigo. Para além da expressão católica no âmbito legislativo, observamos recentemente dois casos do envolvimento de setores do catolicismo em práticas antidemocráticas. Um desses casos é o papel clerical do padre José Eduardo de Oliveira e Silva, sacerdote da Diocese de Osasco (SP), que esteve envolvido nos atos golpistas de 8 de janeiro. Ideólogo antiaborto, foi alvo da Operação Tempus Veritatis ao ser considerado pelo Supremo Tribunal Federal parte doutrinal do esquema jurídico e informacional do golpe. Outro polemista envolvido em caso recente foi o padre goiano Luiz Carlos Lodi, fundador e líder do centro antiaborto Pró-Vida de Anápolis (GO). O padre Lodi foi processado por danos morais e ato ilícito por impedir, mediante um habeas corpus, que uma mulher realizasse a interrupção de uma gestação legal em 2005, dada a condição do feto inviabilizar a vida extrauterina. Em março deste ano, o Tribunal de Justiça de Goiás precisou bloquear os bens da associação Pró-Vida, uma vez que o religioso não arcou com os custos legais da indenização. A relação entre católicos conservadores, sua inserção jurídica e a promoção de uma agenda antidireitos é um dos aspectos apontados pela pesquisa "Cartografia dos Catolicismos Jurídicos Antigênero", produzido pelo Iser. O relatório mapeou a presença no país de uniões de juristas católicos como parte de uma estrutura associativa criada pelo Vaticano em 1986 e inspirada nos tribunais apostólicos de Roma. Com participação ativa de leigos católicos e a partir de uma filosofia jusnaturalista, incidem para restringir o direito ao aborto no país. Mas não só isso. Atuam também em discussões sobre tributação, relações trabalhistas, liberdade religiosa e agronegócio para pôr em prática um ordenamento jurídico terrivelmente católico. |