topo pankara

Festas, Rituais e Mitologia

lideranca pankara com a farda do ritual

O aspecto ritual é uma das questões-chave na manutenção da identidade indígena na Serra do Arapuá e os fios através dos quais tecem uma rede de relações internas. A partir dos rituais, é possível apreender o sistema simbólico que rege a cosmologia dos Pankará.

A “ciência”, o “trabalho” ou a “brincadeira” do índio, como chamam, é uma das formas de expressão da cosmologia do grupo, manifestada em três tipos: Terreiro, Gentio e Reinado. É importante salientar que esta divisão é apenas analítica, o grupo não a percebe desta forma, mas como um todo integrado e interdependente representado pelo toré, no qual o simbólico e o concreto se confundem.

O Terreiro corresponde a um local de ritual marcado por um cruzeiro, em cuja base são colocados artefatos sagrados como imagens de santos, peças encontradas nos sítios arqueológicos e a jurema. Podem estar localizados bem próximos às casas, como no Enjeitado e Lagoa, ou mais próximo às matas, como na Cacaria. foto do terreiro na aldeia Lagoa

 O Gentio são pequenos abrigos, geralmente em taipa, construídos próximos das residências, com um cruzeiro semelhante ao do terreiro posicionado ao centro. É o local da “ciência oculta” com uma participação restrita da comunidade, sendo proibida a presença de não-índios. O Gentio é, ao mesmo tempo, o lugar e o encanto, como explica e canta Senhora - Pankará:

 “A gente pôs Gentio porque quando ele chegou, que ele baixou, aí ele deu o nome de Gentio, aí ficou o Gentio. E tem a linha do Gentio:
Gentio chegou na aldeia, o que foi que ele veio buscar. Ele veio trazer ciência pra os índios trabalhar. O reina reina roa, o reina, reinará

 Na Serra do Arapuá, apenas no Enjeitado tem Gentio. Este é também um espaço onde se realizam curas, principalmente de doenças mentais. O processo de cura é acompanhado pelo uso do defumador e remédios naturais que chamam de “garrafada das montanhas” e também medicação alopática. A receita é definida pelo “mestre”. Pode durar dias e até meses; contam que a cura mais demorada durou um período de nove meses. O paciente fica hospedado nas casas da comunidade e são pessoas de lugares variados da região do sertão do São Francisco.

Os Reinados são pedras em locais de difícil acesso e também são destinados a “ciência oculta”. São freqüentados durante o dia e é proibida a presença de crianças, por afirmarem ser um “trabalho muito forte” além da dificuldade de acesso.

Esses rituais são atos religiosos nos quais os índios louvam e se comunicam com os antepassados que estão sob a forma de “encantados” e “mestres”. A comunicação se dá através da possessão mediúnica, evocando-os através do canto (linha ou toante), da música sonorizada pelo maracá, da dança (circular), e da ingestão da bebida que consideram sagrada a jurema (Mimosa hostilis benth).

Por serem ritos sagrados, envolvem toda uma mística que, no caso do Terreiro e do Gentio, compreende a escolha do local, a posição do cruzeiro, até o preparo da jurema. Já os Reinados sempre existiram e a localização destes aos índios é anunciada através de sonhos ou durante os “ocultos”. Todo esse movimento é definido pelos mestres e encantos, os verdadeiros “chefes” do ritual.

 O ritual do toré tem uma estrutura básica: abertura, louvação, distribuição da jurema, chamamento das divindades, recebimento das “instruções” e o fechamento. Tem dias determinados que são a quarta-feira e o sábado, e é composto por uma hierarquia que em escala decrescente de superioridade começa no campo espiritual. A principal autoridade é um encanto ou um mestre que nomeia o lugar-ritual, seguido da liderança religiosa que é o responsável pela manutenção, mobilização e condução dos trabalhos. Depois vem o caboclo mestre e a cabocla mestra e mais dois contramestres, mantendo a divisão de gênero; este quarteto é responsável pela “linha de frente” e durante a dança do toré vai ao centro representar o sinal do cruzeiro e, por último, os demais membros da comunidade.
A condução e o tempo do ritual varia de acordo com o líder e o tipo de trabalho (Gentio, Terreiro, Reinado), mas, seja qual for, o mais significativo é que o toré opera como um agente articulador interno e promove o fluxo entre as aldeias. Essa relação religiosa é que determina uma rede social na Serra do Arapuá e fomenta a manutenção da identidade dos Pankará.

Referência Bibliográfica

ANDRADE, Lara. “Nem emergentes, nem ressurgentes, nós somos povos resistentes”:território e organização sócio-política entre os Pankará. Monografia, bacharelado em Ciências Sociais, UFPE, 2010.

FERRAZ, Carlos Antonio de Souza. História Municipal de Floresta – os vales, o povo, a evolução sociocultural e econômica. Prefeitura Municipal de Floresta: FIDEM, 1999.

GRUNEWALD, Rodrigo de Azeredo. ‘Regime de Índio’ e faccionalismo: os Atikum da Serra Umã. Rio de Janeiro, 1993. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Museu Nacional, UFRJ .

LIMA, Manoel. Breve Relatório Etnográfico e Arqueológico Pankará. Programa de Pós Graduação em Arqueologia/UFPE, 2008.

MENDONÇA, C. F. L. Povo Pankará: os percursos da etnicidade no sertão de Pernambuco. In: ATHIAS, r. (org.) Povos Indígenas de Pernambuco: identidade, diversidade e conflito. Recife, Editora da UFPE, 2007, VOL. 1.

ORGANIZAÇÃO INTERNA DE EDUCAÇÃO ESCOLAR PANKARÁ. Escola Pankará: memórias do passado, saberes do presente: história, luta, ciência e resistência. Projeto Político Pedagógico, 2007.

ROSA. Hildo Leal. A Serra Negra: refúgio dos últimos “bárbaros” do sertão de Pernambuco. Recife, 1998. Monografia do bacharelado em História. Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFPE.

marcas