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Território

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Habitam a região da Serra do Arapuá de forma permanente há pelo menos um século e apesar de só terem sido reconhecidos oficialmente em 2003, já reivindicavam o reconhecimento e a demarcação de suas terras aos órgãos oficiais desde a década de 1940, ao mesmo passo que os seus visinhos, o povo Atikum (GRUNEWALD, 1993). Documentos do SPI, encontrados no museu do índio, no Rio de Janeiro, apresentam sucessivas cartas trocadas entre os índios, a Inspetoria Regional, e o Conselho Diretor do Serviço de Proteção ao Índio.

Porém, enquanto o SPI implanta um posto indígena na Serra Umã beneficiando os Atikum, que param de pagar os impostos a fazenda municipal de Floresta, os índios da Serra do Arapuá não tiveram suas reivindicações atendidas. A conquista de um Posto Indígena na Serra Umã foi garantida com a participação dos índios da Serra do Arapuá,

  A princípio essa política de alianças entre os Umã e os índios do Arapuá favoreceu os dois grupos: aos Atikum foi garantido o direito sobre 18.000 ha, a criação do Posto Indígena em 1949 e outros benefícios, como o açude, escola,casa de farinha, etc (GRÜNEWALD 1993,p. 49), quanto aos índios na Serra do Arapuá afirmam que passaram a receber assistência de Zé Brasileiro, o chefe do Posto Indígena, pois “sabia ele que nóis tinha o direito em Serra Umã” (Pedro Limeira). Através da história oral, é possível apreender que durante algum tempo os dois grupos mantiveram uma relação marcada pelas visitas do toré, com registros de “noites de fuga” quando viajavam de uma serra a outra “escondidos dos brancos” para dançarem juntos o toré, e a assistência do SPI que alinhavava a unidade entre os dois grupos. (MENDONÇA 2003, pp 46-47)

A reivindicação dos índios da Serra do Arapuá era bem semelhante a dos Atikum, que tinham como um de seus principais problemas a permanência no território ocupado por eles e os tributos que tinham que pagar a fazenda municipal de Floresta, além do auxílio a saúde e instrumentos para o plantio (GRUNEWALD, 1993). Como fica claro em carta do então Chefe de Inspetoria Regional 4 (IR 4) ao Conselho Diretor do SPI:

Esta suposição, vem do fato do Inspetor Sampaio, me ter declarado quando do seu regresso dos trabalhos da fundação do Posto Estácio Coimbra na Serra Umã, que existiam remanescentes indígenas esparsos pelas Serras de Arapuá e Cacaria, situadas nas adjacências da Serra Umã, cujos remanescentes foram lhe solicitar sua interferência no sentido de lhes ser assegurado o direito de permanecerem nas terras que ocupavam sem nenhuma obrigação com a fazenda municipal de Floresta que rege as terras onde estão situadas as aludidas Serras. (Museu do Índio, microfilme 152, fotograma 001071 > TELEGRAMA do Chefe da I.R. 4 ao Conselho Diretor do SPI, de 21/09/1949)

As respostas do órgão indigenista oficial aos índios sobre suas solicitações eram de duas ordens: 1) já foi estabelecido um posto na Serra Umã, o SPI não tem mais recursos para montar outro posto e os índios que querem ser atendidos devem se deslocar para lá, e 2) as terras da Serra do Arapuá tem proprietários com documentos de terra, já houve muitos problemas com o estabelecimento do posto na Serra Umã, não queriam mais litígio.

Em 1949 o índio Luiz Antônio dos Santos (Luiz Limeira), pai de um dos atuais pajés do povo Pankará, Pedro Limeira, manda uma carta ao então encarregado do Posto Indígena da Serra Umã, José Brasileiro, solicitando que tome as providências necessárias para garantir seus direitos a terra. Por sua vez, José Brasileiro escreve a Francisco Sampaio que lhe dá a seguinte resposta via ofício,

Tomado conhecimento do assunto, aprovo os termos da nossa resposta e,declaro-vos que não podemos interferir na jurisdição das Serras da “Cacaria”, “Grande”, “Arapuá” e do “Catolé”, em face de serem administradas pelos municípios de Floresta e Manissobal[1], de terem também nas suas áreas moradores civilizados que procuraram defender os seus direitos(Museu do Índio, microfilme 184, fotograma 581, de 05/12/1949).

  Como pode ser observado, essa é a mesma linha de argumentação sobre interferir nos litígios que estavam ocorrendo entre os índios da região (que não estavam na Serra Umã) e os fazendeiros e posseiros locais. Este posicionamento do SPI ocasionou dois movimentos diferentes, um de deslocamento dos índios para a Serra Umã, como é o caso de várias pessoas da família Amanso que tinham parentes morando lá, e o segundo, de permanência no território e a contínua reivindicação da regularização da situação fundiária, como é o caso dos Limeira, Cacheado e Rosa, e também de parte dos Amanso que foram morar na Serra Umã e continuaram dando apoio a reivindicação dos índios da Serra do Arapuá.

Entre os anos de 1951 e 1952, o pesquisador americano Hohental Jr[2], fez um levantamento etnográfico em estados cortados pelo Rio São Francisco na região do médio e baixo – Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Tudo indica que na estadia de Hohental Jr. entre os índios de Rodelas, ele ficou sabedor da existência de índios habitando a Serra do Arapuá. Como consta em seu relatório de viagem contendo observações relativas aos grupos indígenas sob a jurisdição da IR4, a José da Gama Malcher, Diretor do SPI, em 14/07/1952:

Deixando Rodelas, atravessei o Rio São Francisco por canôa e noutro lado arranjei um Cavallo para a jornada de 12 legoas a Serra da Cacaria, onde moram remanescentes duma tribu chamada Pacará, ou Pacarais (Plural). Pela cortesia do Agente, Sr. Manoel Novais, um índio Tushá foi mandado ao Pé a este grupo chamar individuos para Rodelas que ou pudesse interrogar-los. Essa conversacão me convenceu que devia ir a Serra da Cacaria sem falta[...] (Museu do Índio, microfilme 379, fotograma 814-817)

 Durante sua estadia ele teve contato com o contexto de conflito no qual os índios da Serra estavam expostos, tanto é que este é o principal foco dado por ele em relatório de viagem entregue ao SPI

Existiam como 225 homens, mulheres e crianças (31 famílias biológicas) da tribu Pacará, cujos membros vivem esparramados em duas serras, da Cacaría e do Arapuá. Não há posto indígena e os índios são muito perseguidos pelos Neo-brasileiros do Riacho do Navio (‘navieiros”) e da cidade de Floresta, antigo centro do Cangaceirismo[...]Instigado por essa gente malvada, ultrajes e violências foram cometidas contra os índios. (Museu do Índio, microfilme 379,fotograma 814-817)

Em seu relatório Hohental explicita ainda o contexto de perseguição tomando como exemplo o caso do líder religioso Luiz Limeira[3][Foto - Luiz Limeira]

  O índio Pacará que sofreu mais que todos os outros foi Luiz Antônio dos Santos e família. Este homem, com que estive hospedado, trabalha um terreno de extensão ignorada [...] A família Leite já obrigou Luiz Antônio abandonar dois sítios com casas, bens, arvores frutíferas, e até confiscarem a colheita. No ano passado (1951) a família Leite mandou a polícia de Floresta para jogar Luiz Antônio e família fora do sítio [...] Qual foi a razão para essa ultraje? Os Leite dizem que são donos de todos estes sítios agora ocupados por índios na Serra da Cacaria, porém, segundo fui informado, eles verdadeiramente não tem títulos legais de posse às terras,mas, gozando proteção política em Floresta, podem assim bancar mandachuvas. Se alguém tem direito a um sítio, na falta de títulos de posse, deve ser o homem que ocupa, derruba, e queima o mato; e que lavra.

[...]A razão que os Neo-brasileiros perseguem tanto Luiz Antonio é porque este é um dos líderes mais importantes dos índios Pacará e que resiste mais as tentativas dos Neo-brasileiros de escravizar os caboclos. Também, Luiz Antonio tem papel importante na vida religiosa e cerimonial da tribu, e os Neobrasileiros desejam acima de tudo que estes caboclos assim esqueçam todas as suas tradições e costumes, que os caboclos assim esqueçam que são índios, pois os latifundiários tem grande medo que o governo federal, através do SPI, talvez vá estabelecer um posto lá, ou pelo menos garantir aos índios seus direitos as terras ocupadas por eles. (Museu do Índio, microfilme 379, fotograma 814-817)

O nome semelhante atribuído aos índios que habitam a Serra do Arapuá, após 2003, Pankará, é segundo, a cacique Dorinha Limeira, atribuído a um sonho que ela teve, pois não conhecia sequer esses documentos. Quando do momento que é marco da auto-declaração pública do Pankará, no ‘I Encontro Nacional de Povos em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial’, promovido pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário), em maio de 2003, no município de Olinda, eles precisavam de um nome para apresentar-se, foi quando Dorinha, que estava acompanhada de seu pai Pedro Limeira e Manoelzinho Cacheado (hoje ambos são pajés), disse que estava com um nome na cabeça, que havia sonhado com ele, o nome era Pankará. Na mesma hora seu Pedro e seu Manoelzinho concordaram, “é isso mesmo, a gente é os caboclo Pacará,Pacarati”, na hora de registrar a grafia ficou Pankará, e assim se consolidou.

Independente disso, a menção a existência de um etnônimo feita por Hohental é um dos elementos que nos mostra o quão avançado estava o processo de territorialização vivido pelos índios da Serra do Arapuá na primeira metade do século XX.

 



[1] Atual município de Mirandiba.[2]Departamento de Antropologia de Berkeley, Universidade da Califórnia[3] Pai do pajé Pedro Limeira e avô da cacique Dorinha.

 

Referência Bibliográfica

ANDRADE, Lara. “Nem emergentes, nem ressurgentes, nós somos povos resistentes”:território e organização sócio-política entre os Pankará. Monografia, bacharelado em Ciências Sociais, UFPE, 2010.

FERRAZ, Carlos Antonio de Souza. História Municipal de Floresta – os vales, o povo, a evolução sociocultural e econômica. Prefeitura Municipal de Floresta: FIDEM, 1999.

GRUNEWALD, Rodrigo de Azeredo. ‘Regime de Índio’ e faccionalismo: os Atikum da Serra Umã. Rio de Janeiro, 1993. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Museu Nacional, UFRJ .

LIMA, Manoel. Breve Relatório Etnográfico e Arqueológico Pankará. Programa de Pós Graduação em Arqueologia/UFPE, 2008.

MENDONÇA, C. F. L. Povo Pankará: os percursos da etnicidade no sertão de Pernambuco. In: ATHIAS, r. (org.) Povos Indígenas de Pernambuco: identidade, diversidade e conflito. Recife, Editora da UFPE, 2007, VOL. 1.

ORGANIZAÇÃO INTERNA DE EDUCAÇÃO ESCOLAR PANKARÁ. Escola Pankará: memórias do passado, saberes do presente: história, luta, ciência e resistência. Projeto Político Pedagógico, 2007.

ROSA. Hildo Leal. A Serra Negra: refúgio dos últimos “bárbaros” do sertão de Pernambuco. Recife, 1998. Monografia do bacharelado em História. Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFPE.

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