A nova geração conservadora

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07/05/2017


"Criou-se a ideia de que educação é um direito de toda criança. Engano." Para defender o ponto de vista de que a educação universal era um pensamento absurdo, um aluno do professor de redação Alex Inácio escreveu este posicionamento em um de seus textos. A frase colocou o professor em um dos momentos mais desaadores da carreira. Com sete anos de sala de aula ensinando técnicas da escrita para mais de mil alunos em três municípios diferentes (Recife, Olinda e Caruaru), o educador foi frontalmente questionado pelo aluno, que duvidou da capacidade de correção e o acusou de ter tido uma posição ideológica.

O caso descrito não é isolado e tem acendido um sinal de alerta na rotina de professores que lidam com jovens do Ensino Médio. Na análise de quem precisa enfrentar a sala de aula e transmitir conteúdos mais atuais, principalmente ligados à política, direitos sociais e humanos, nota-se um misto de intolerância e extremismo quando a discussão é em torno de temas sociais, pela associação que alguns alunos fazem com as políticas de esquerda.

"Lembro que disse ao aluno que sua opinião era uma agressão aos Direitos Humanos, o que poderia levar à nota zero. Ele discordou alegando que era a posição dele, e que a ideia construída era de que a criança tem o dever de procurar se educar", contou Alex. O tema da redação era Educação no Brasil.

Para o professor de redação, o temor não é pela discordância, mas pelo radicalismo. "O Enem quer a reexão sobre novos conitos que vão surgindo, mas muitos se recusam a fazer por acharem que os temas são tendenciosos ou esquerdistas", explica.

A "BOLHA SOCIAL"

O professor de História Luiz Neto avalia que a "bolha" criada pelas redes sociais ajuda a estimular o extremo. Os alunos, segundo ele, consomem muitos dados, mas não há filtros ou tratamento nas informações, o que gera pontos de vista muitas vezes equivocados.

O jovem de 15 a 19 anos vive hoje a primeira frustração política da vida, frisa o educador para avaliar o radicalismo em certos temas. "A nossa história conservadora diz mais sobre a gente doque pensamos. Aquele menino de classe média hoje que é contra os direitos humanos e defende o fim do politicamente
correto, não viveu o regime da ditadura militar. Viveu um estado de constante liberdade", argumenta o professor de História, que leciona em escolas particulares e cursos de isolada no Recife.

Ano passado, lembra, houve um mal-estar na sala de aula porque durante uma aula de Redação e História ele sugeriu debater o tema "Novo conceito de família do século 21". Na argumentação, disse ele, coloquei que o conceito não é mais contratual e sim pela questão afetiva, o que cabe outros tipos de união. "Na hora, os alunos ligaram diretamente a ideia de que eu estava estimulando o casamento homoafetivo", conta.

A geração que cresceu na era das redes sociais também tem perdido a capacidade de se solidarizar com o meio social, avalia o professor de História Ivan Lima, que leciona na Escola do Recife. "Houve um processo de inclusão social rápido, mas que não foi forte. Então, incluiu mas não se preparou para receber a informação", analisa. Segundo Ivan, o fato de terem acesso fácil às redes ajuda no encontro das informações, mas falta a leitura de conjuntura, importante para entender os cenários.

Partindo de uma análise menos imediata e mais analítica, Luiz Neto avalia que o tensionamento faz parte do percurso da história. "Ela não é feita de consenso, mas de oposição, por isso é normal que existam as dualidades", afirma. "A onda de conservadorismo é processo histórico identificado no mundo, não é só um fenômeno brasileiro", observa.

NAS REDES E NAS RUAS

Num passado recente, se "declarar de direita" no Brasil era cercado de estigmas e de uma forte patrulha ideológica. Mas, após ter se apequenado durante os 13 anos dos governos mais à esquerda, o grupo político viu no tamanho das manifestações em favor do impeachment, no antipetismo, na indignação com os escândalos de corrupção a chance de se soerguer. Por isso, jovens que se identifcam com a direita mais conservadora e tradicionalista "saíram do armário" e têm travado batalhas nas ruas e nas redes sociais.

Dados da última pesquisa Datafolha apontam que a intenção de votos para nomes como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) alcança os 20% entre jovens de 16 a 24 anos. No Recife, de acordo com o Instituto de Pesquisa Uninassau, feito entre os dias 17 e 18 de abril, o deputado federal tem 6% das intenções entre eleitores da mesma idade, ficando atrás apenas do ex-presidente Lula (31%).

Estudante de Letras da UFPE, Raul Nascimento Holderf, 19 anos, se considera um jovem de direita e conservador. Evangélico, ele é ativo nas redes sociais e mantém dois perfis no Twitter, um para falar de política (@conexaopolitica) e outro com cunho mais evangelizador (@conexaocristao). "Quando acontece alguma votação, a mídia ou STF começam a cair em cima de Bolsonaro, a gente faz um tuitaço. Já conseguimos chegar às 23 hashtags mais comentadas do Brasil", explica.

Raul teve contato com as ideias do parlamentar em 2011, quando fez um trabalho para o colégio e precisava estudar políticos do Sudeste. Os discursos virulentos e, muitas vezes violentos do deputado federal especialmente no âmbito da segurança despertaram a curiosidade. Do ano passado para cá, a casa do universitário já foi assaltada cinco vezes, a última delas no dia 31 de dezembro, quando ele viu a irmã e o cunhado serem seguidos pelos assaltantes. "Ele é militar, conhece como funciona o sistema e a segurança tem sido o ponto principal dele nos discursos", diz. Bolsonaro defende pontos como castração química para estupradores e redução da maioridade penal.

Na capa do perfil no Twitter, Raul traz uma foto com a tríade - Bolsonaro, Trump e Marine Le Pen - e diz que sua ideologia política é de direita e conservadora. Mas, adverte, que, por ser cristão, evita entrar em brigas. "Sempre procuro respeitar todo mundo, evito levar o debate para o baixo nível" disse.

Questionado se acredita e defende os pontos da declaração universal dos Direitos Humanos, Raul afirma que o tema é "essencial" e emenda que "o questionamento que temos que fazer é: ?Direitos Humanos para quem? Não é ele (Bolsonaro) que está errado, é a forma que ele se expressa que dá a entender que está errado", argumenta o jovem. O caso entre Bolsonaro e a deputada federal Maria do Rosário é visto como "deturpação da mídia". Em 7 de março, o STF manteve a ação contra o parlamentar por incitação ao estupro ao ofender a deputada. A tag #BolsonaroReidoMundo circulou por três dias.

PESQUISA

Em abril, entre os dias 17 e 18, o Instituto Uninassau foi às ruas para ouvir recifenses sobre as posturas ideológicas e tendências eleitorais. Após entrevistar 623 pessoas, a partir dos 16 anos, as pessoas que se consideram sem ideologia política representam 55,5% dos ouvidos. O número cresce na faixa etária entre 16 e 24 anos (59,1%). Outros 14% se dizem alinhados à esquerda e 11,8% à direita.

Sobre as opções eleitorais, dois nomes aparecem: Lula e Bolsonaro. O ex-presidente lidera com 34% e o deputado federal vem na sequência com 7% das intenções. Entre os jovens, Lula ganharia com 31%, Bolsonaro tem 6% e fica na frente de Marina Silva (4%) e Geraldo Alckmin (2%).

Para o cientista político Adriano Oliveira, que coordenou o levantamento, Bolsonaro aparece em segundo, mesmo entre os jovens, não por um posicionamento extremista e sim pela negação à política. "Ele pensa: eu vou com Bolsonaro porque estou cheio do que está posto", avalia. No entanto, Adriano pontua que o "Bolsonarismo" só tem alguma chance de vingar, no caso de duas condições se combinarem: o enfraquecimento do Lulismo e a ausência do Dorismo ou de um candidato do PSDB na disputa presidencial.

 

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