Qual a cor da educação brasileira?

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09/06/2017

 

No meio acadêmico, o negro brasileiro é numericamente sobrepujado. Mesmo que forme mais da metade da população. Sobretudo as mulheres negras, que somam o fator de preconceito relativo ao gênero, são menos presentes nas universidades. Nos corpos docentes, são difíceis de encontrar. O panorama, quando analisado de perto, revela um racismo que atravanca o protagonismo do negro enquanto sujeito político coletivo.

A presença na universidade em desacordo com a quantidade populacional está intimamente ligada ao racismo - em especial os mais “sutis” - e à dificuldade de acesso. Antes do ingresso, a questão já é problematizada.

Pesquisadores da Fundação Joaquim Nabuco, por exemplo, estão avaliando os livros utilizados no Ensino Médio das escolas públicas de todo o País e percebem o uso repetitivo das imagens que remete o negro ao estereótipo da escravidão. “Mesmo antes da conclusão do estudo, observamos uma reprodução clássica da história do negro nos livros do Programa Nacional do Livro Didático 2012”, comentou a doutora em História pela Sorbonne, Cibele Barbosa.

“No segundo semestre deste ano, lançaremos um livro com um acervo de fotos que mostram o negro em diferentes setores da sociedade, normalmente invisibilizados.” As fotografias mostram, inclusive, homens negros diplomados ainda no século 19.

A perspectiva apresentada nos livros de História afeta, primordialmente, a autoestima dos alunos afrodescendentes, que não se veem representados como atores dignos da formação nacional. “No século 17, todos andavam descalços. Mas Bernardo Vieira de Melo aparece nas ilustrações usando botas brancas e impecavelmente vestido. E os heróis negros com um pano de saco amarrado na cintura. O aluno vê sempre como inferior numa história distorcida e se coloca naquele lugar”, examinou o historiador e ativista do movimento negro Zezito Araújo.

A interpretação de Zezito é mais impactante quando percebida na prática. Como na formação escolar de Weslley de Oliveira, 21, em que o esquecimento de um naco da História no material didático foi associado ao racismo. Ainda lhe submerge a lembrança de um comentário feito em sala de aula. “Fui associado aos escravos e me disseram que eu não tinha alma, como se dizia deles. Eu realmente achava que era inferior naquele ambiente. Eu perguntava ‘porque tem que ser assim?’”, relatou.

“A gente se sente intimidado porque sempre nos veem como se fôssemos incapazes de acompanhar o assunto. A gente percebe nos olhares. E aí, temos que nos esforçar o dobro ou triplo para sermos vistos, nos sobressairmos, para sermos encarados como iguais. Estamos sempre puxando força de onde nem sempre tem.”

Atualmente, Weslley cursa o último período do curso de comunicação na Universidade Católica de Pernambuco. Da sala formada por mais de 50 colegas, só 8% tem a pele escura. Os outros negros, que deveriam estar lá, com ele, ficaram pelo caminho.

Ele atribui a ausência ao processo histórico e à perspectiva de eugenia, ainda por ser quebrada no País. “Eu me sinto gratificado em estar onde poucos negros podem. Sinto ainda como estivesse abrindo as portas para os próximos”, revelou.

É um privilégio porque só quando cheguei à universidade é que estudei os negros que fizeram a diferença. E um mundo se abriu para mim. Aqui, nunca sofri o racismo tão frequente na época do colégio.”

Onde elas podem estar?

Olhando o corpo docente do Departamento de Educação da UFRN, composto por mais de 100 pessoas, vê-se apenas duas mulheres negras. Ambas são do Rio de Janeiro. A pedagoga Alessandra Nascimento analisou a trajetória das duas e encontrou barreiras que impedem o ingresso e são compartilhadas pela totalidade delas. Às questões relatadas por Weslley, o machismo se associa.

“O gênero e a raça propiciam uma realidade dura para elas. E a maioria dessa população vai ser pobre. O caminho é sempre dificultado. Não se chega fácil na escola e, lá, ela não vai ser reconhecida por essa organização. Ela não é acreditada e não acredita nela mesma”, comentou a socioeducadora.

Professora de Psicologia da Faculdade Estácio, Maria de Jesus Moura conhece os obstáculos. “Em estados como o Rio de Janeiro e a Bahia, já há uma postura diferente dessas mulheres. Você vê como elas andam nas ruas. Trajam vestes africanas, exibem cabelos crespos. Esse empoderamento cria força para quando as barreiras se fecham. Quando se é preterido pela cor, por exemplo, ela já sabe que não há algo errado com ela”, comentou.

Segundo a professora, é preciso não ser tímido e aparecer com a própria competência quando se é negro, caso se queira ser levado em consideração. Não basta ser bom: tem que ser o melhor. “Ao mesmo tempo lhe diminuem, fazem bullying e isso muitas vezes tem o poder de lhe tornar uma pessoa isolada, introspectiva. O sistema está, então, formado para lhe paralisar.” No caso específico de Jesus Moura, o pilar bem estruturado da família, que sempre lhe apoiava, e a classe social, ajudou-lhe a enfrentar os obstáculos. “É assim que o racismo dita o lugar de cada pessoa. Ele diz onde é lugar de negro e onde não é.”

Hoje, é a única assumidamente negra do corpo do Departamento de Psicologia. Não é surpresa a pouca presença. Em todas as universidades, na maioria dos departamentos, principalmente fora da área das Ciências Humanas, o número de mulheres afrodescendente é zero. “Em geral, a maioria de nós para no Ensino Médio.

Mas, com a facilitação do acesso com cotas e políticas públicas, um número maior que antes chega na universidade. Só que, para ensinar, é exigida pós-graduação. E aí, por outras necessidades, elas não seguem”, examinou. “Piora ainda porque, quem consegue se doutorar, por exemplo, é preterido. É preciso realmente sobressair para ser reconhecido.”

Ingresso

De acordo com o professor de Sociologia da UFPE Francisco Jatobá, as cotas foram aplicadas no País como sinônimo de ação de afirmação. Mas não pode ser só isso. “Desde a lei de cotas aplicada às universidades federais, em 2012, tenho visto uma outra configuração nas salas de aula. É preciso dar apoio para que os cotistas continuem a estudar e terminem a graduação. As bolsas na Universidade Federal sofreram um amplo corte.”

Em Pernambuco, a UPE adota a cota social com a raça como terceiro critério de desempate (o segundo é objetivo em relação à prova). “Minha tese de doutorado analisou que os cursos de alto prestígio oferecidos no Recife como Medicina,

Odontologia e Administração, tinham menos cotistas que os do Interior, as licenciaturas. E, em geral, a maioria dos cotistas são negros. Mas nos cursos de alto prestígio, o número de negros entre cotistas é menor.”

 

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