Cultura da felicidade causa avanço da depressão

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11/11/2017

 

A cultura da felicidade a todo custo tem minado o gerenciamento das emoções e conduzido homens e mulheres a um dos mais graves e incapacitantes problemas de saúde pública: a depressão. O transtorno teve, nos últimos dez anos, um salto de quase 20% no planeta, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). São mais de 320 milhões de pessoas com a doença no planeta, sendo cerca de 50 milhões nas Américas e 11,5 milhões no Brasil. Números que podem continuar em expansão e multiplicar situações dramáticas, caso políticas públicas incisivas não forem tomadas, afirmam especialistas. Os gargalos estão na oferta de terapias de empoderamento, no desenvolvimento de fármacos e na superação de estigmas sociais.

“Estamos numa cultura onde é quase proibido a pessoa entristecer”, alerta o psicólogo Severino Souza. Ele aponta que essa é uma conduta duplamente perigosa. Primeiro, porque o paciente com o transtorno pode acabar encobrindo um estado depressivo, ao querer demonstrar a todo custo que “está bem”. Segundo, porque pode minar o psicológico de quem ainda não tem a doença, mas que se frustra ao buscar uma felicidade plena que não existe. “A pessoa pode estar se utilizando desses artifícios para encobrir um estado depressivo e não querer preocupar amigos e parentes. Só que, quando o estado se agrava, não há mais como esconder, porque há um isolamento. Essa cultura também leva à doença, porque cobra do sujeito um estado permanente de felicidade, que existencialmente é impossível”, explicou.

A cobrança social do "parecer bem” busca varrer para debaixo do tapete o confronto com a realidade cotidiana, onde a dor, a perda, a frustração, são sentimentos reais e normais. O resultado de fechar os olhos a isso gera, de acordo com Souza, a inabilidade para lidar com situações difíceis e deixa a porta entreaberta para a chegada da depressão como doença. Um dos pontos chaves é descobrir, apoiada por psicólogos ou psiquiatras, se a tristeza é sintoma da enfermidade ou reflexo pontual de algum fato da vida. O outro é tomar consciência das formas de superar o estado, que inclui o autocontrole da mente.

A reprogramação do pensamento
Apesar do vasto leque de opções terapêuticas em torno do transtorno, a terapia cognitiva tem ganhado notoriedade devido aos resultados. Desenvolvida primordialmente para a depressão, ela parte do pressuposto que não são as coisas em si que afetam o sujeito, mas, sim, o que sujeito pensa sobre as coisas é o que o afeta. “Boa parte dos sintomas depressivos que os pacientes têm são decorrentes da forma de pensar. Da forma como ele interpreta a si mesmo, da forma como ele interpreta o mundo e as circunstâncias”, disse o psiquiatra e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Amaury Cantilino. Superar a depressão é o que a terapia cognitiva tem como fim. “A ideia é utilizar algumas técnicas para flexibilizar a forma de pensar e fazer com que o paciente consiga produzir pensamentos e interpretações alternativas. O paciente aprende estas técnicas de reestruturação do pensamento e aplica nas diversas situações de vida”, prossegue.

Seguindo a linha de reestruturação do pensamento contra a depressão, a terapia mindfulness é o atual coringa de alguns processos. Nela, a mente é treinada para uma atenção maior do agora, para o momento presente. “É muito frequente nas pessoas com o transtorno ficar ruminando mágoas antigas, ficar remoendo culpas. Quando você está mais atento às coisas que estão acontecendo há menos espaço para pensamentos que ficam te consumindo em relação ao passado”, reforçou o médico. Aqui, também um desafio surge: falta direcionamento no SUS sobre a aplicação da terapia cognitiva.

A farmacologia
Como transtorno do humor, a depressão tem vários fatores desencadeantes, assim como várias formas de se expressar. Contudo, a forma clássica gira em torno de um desinvestimento na existência, tanto do trabalho, das relações sociais e até com o cuidado consigo mesmo. Diante da pluralidade de espectros, um desafio é a escolha dos remédios que podem ajudar o paciente a reagir melhor. Comentou se, nos anos 1970 e 1980, que, devido à enxurrada de efeitos colaterais, a regra era eleger os casos mais graves para tratar. A partir da década de 1990, a evolução dos remédios permitiu abranger o trato dos pacientes leves e moderados. “É por isso, que hoje temos mais pessoas buscando tratamento, mas, no entanto, isso não significa que as medicações atuais são mais eficazes que as dos anos 1970. O que se busca agora, e já com algum sucesso, são os antidepressivos com ações em determinados grupos de sintomas de depressão”, disse o professor da UFPE.

A personalização
Cantilino explicou que a personalização do tratamento inclui relacionar os espectros do transtorno e quais as substâncias que melhor interagem para coibir aquela manifestação. Por exemplo, qual é o antidepressivo que funciona melhor quando o paciente se queixa mais de falta de energia ou dificuldade de concentração, sentimento de culpa, ansiedade, dificuldade cognitiva? Para ajudar na escolha, já existe até um exame genético, chamado enzima citocromo P450, que busca no DNA os genes relacionados à metabolização dessas drogas. Esses resultados orientam melhor uma escolha farmacológica, que nos últimos anos era feita quase às cegas. A novidade diagnóstica, no entanto, ainda esbarra no custo: R$ 4 mil. E o valor não é coberto por planos de saúde ainda - muito menos pelo SUS.

No quesito remédios, as drogas usadas hoje atuam nos neurotransmissores serotonina e noradrenalina - associados ao estado afetivo das pessoas -, mas cientistas já começaram experimentos animadores com os receptores de glutamato, que têm respostas muito mais rápidas. Outra opção terapêutica que já é realidade é a neuromodulação, que através de estimulação magnética transcraniana, acorda áreas do cérebro que têm pouca atividade em pacientes depressivos.

 

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