O projeto de Nova York para centros de uso de drogas injetáveis

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13/06/2018


Os Estados Unidos têm enfrentado nos últimos anos um grande aumento do número de casos de morte por overdose de drogas. Esse é um dos fatores para a expectativa de vida ter caído em 2015 pela primeira vez em 23 anos no país.

No centro dessa crise estão os opiáceos, drogas que, na natureza, têm sua origem no ópio, uma substância que vem, por sua vez, de uma planta chamada papoula. Os opiáceos se ligam a receptores naturais do cérebro, reduzem tensão, ansiedade e dor e geram sensação de prazer.

Entre os mais conhecidos estão morfina e heroína, além de remédios para controle da dor como oxicodona. Há indícios de que o consumo de opiáceos aumentou nos Estados Unidos junto com as prescrições legais desses medicamentos.

E de que muitos usuários desses remédios passam depois ao consumo de heroína e opiáceos sintéticos, como o fentanil, que se tornou o novo pivô da crise de overdose. Ele é várias vezes mais potente que a heroína, mais barato, e também é injetável, o que favorece a infecção pelo vírus do HIV quando a agulha é compartilhada.

Nos Estados Unidos, overdoses matam mais, anualmente, do que suicídios ou acidentes de carro.

Em uma tentativa de lidar com a crise, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, eleito pelo Partido Democrata, anunciou no início de maio de 2018 que pretende implementar áreas controladas para injeção de drogas. Um estudo encomendado em 2016 pela Câmara Municipal serve de base para a iniciativa.

1.441 Mortes por overdose foram contabilizadas na cidade de Nova York em 2017, frente 1.374 em 2016, segundo o estudo

Segundo autoridades, na cidade, o número é maior do que as mortes por assassinato, suicídio e acidentes de carro combinadas. Uma reportagem publicada em maio de 2018 pelo jornal The New York Post aponta que o Departamento de Parques da cidade coleta 5.000 seringas com agulhas usadas por semana apenas no bairro do Bronx.

Centros controlados para injeção de drogas já existem em cidades da Europa e do Canadá, onde o primeiro do tipo foi implementado em 2003 - já houve mais de 3,6 milhões de injeções de drogas no local e nenhuma morte.
Nenhum espaço do tipo foi, no entanto, implementado nos Estados Unidos, apesar de haver um esforço nesse sentido em cidades como Seattle, San Francisco e Filadélfia.

“Após uma rigorosa avaliação de medidas similares ao redor do mundo, e após cuidadosa ponderação sobre o ponto de vista de especialistas em segurança e saúde pública, acreditamos que centros de prevenção de overdose salvarão vidas e levarão mais nova-iorquinos ao tratamento de que eles precisam para superar esse vício mortífero” Bill de Blasio Prefeito de Nova York, em nota publicada no Twitter

Como funcionariam as áreas para injeção de drogas

A política em estudos faz parte de um tipo de estratégia sobre o problema das drogas chamado de “redução de danos”.

Essa estratégia parte do diagnóstico de que políticas que têm como base a exigência de que usuários parem completamente de usar drogas acabam por, na prática, excluir muitos deles, mantendo-os vulneráveis.

A criação de locais controlados para consumo foca em diminuir os riscos associados a ele, além de criar um canal para acessar os usuários. As políticas que pregam abstinência como uma meta necessária e essencial são alinhadas à ideia de “guerra às drogas”.

O estudo encomendado pela prefeitura de Nova York cita uma pesquisa da Faculdade de Medicina Weill Cornell, segundo a qual locais controlados para uso de drogas injetáveis poderiam impedir 130 mortes por ano e poupar US$ 7 milhões em custos de saúde.

Segundo informações publicadas no jornal americano The New York Times, o plano é de abrir quatro unidades após entre 6 ou 12 meses, ou seja, até maio de 2019. Elas operariam como programas-piloto e se chamariam “Centros para Prevenção de Overdoses”.

Eles seriam financiados e geridos por organizações não governamentais autorizadas pela prefeitura. Dois ficariam na ilha de Manhattan, um no bairro do Bronx e outro no Brooklyn.

Equipes seriam treinadas para administrar medicamentos como Naloxona contra overdoses. E assistentes sociais poderiam oferecer aconselhamento a usuários de drogas, em uma tentativa de encaminhá-los para programas focados em vício.

É possível que os Centros para Prevenção de Overdoses sejam localizados em centros de serviços sociais que já operam locais para obtenção de seringas e agulhas a baixo custo. Esses centros já estão em atividade, e buscam impedir que usuários de drogas injetáveis compartilhem agulhas, já que isso pode levar à transmissão de doenças.

Os obstáculos legais e políticos

A implementação dos quatro centros de atendimento pode enfrentar obstáculos. Há uma lei federal que torna ilegal a posse, aluguel ou operação de um local para uso de drogas ilegais, como é o caso da heroína e do fentanil.

Em fevereiro de 2018, o governo do presidente Donald Trump deixou claro que encara locais controlados para injeção de drogas como ilegais. O governo americano pode, portanto, vir a realizar questionamentos junto ao judiciário para barrar o programa.

No momento, a cidade está buscando autorização do governo do estado de Nova York para implementar o projeto. Em carta enviada para o governador Howard Zucker, a secretária para Saúde e Serviços Humanos Herminia Palacio pediu autorização para que os quatro centros de atendimento fossem implementados.

Ela sugeriu contornar a lei federal tratando as quatro unidades como locais de pesquisa - elas seriam instaladas de forma experimental e poderiam coletar dados sobre seus efeitos. Na carta, Palacio afirma: “você está autorizado a licenciar pesquisas que podem incluir a possessão de substâncias controladas”.

Segundo o jornal The New York Times, a mesma estratégia foi usada para autorizar os locais de obtenção de agulhas limpas para a injeção de drogas.
De acordo com informações do New York Post, o senador estadual Gustavo Rivera e a deputada Linda Rosenthal, ambos eleitos pelos democratas, apresentaram um projeto de lei estadual para criação dos centros controlados para injeção de drogas.

É provável, no entanto, que o projeto sofra oposição de legisladores republicanos, que são mais conservadores em relação a políticas de drogas.
A medida estudada por Nova York se insere em um conjunto de práticas alinhadas com a ideia de redução de danos. Elas buscam reduzir os efeitos nocivos das drogas e o uso abusivo, sem necessariamente prescrever a abstinência.

A redução de danos no Brasil

O uso de opiáceos e de drogas injetáveis não é tão comum no Brasil como é nos Estados Unidos. O uso abusivo de drogas como álcool e crack, que é fumado, é mais frequente.

Em anos recentes, algumas iniciativas têm experimentado medidas em sentidos opostos: de redução de danos e de guerra às drogas.

Políticas de drogas em São Paulo

Em 2012, a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado implementaram uma política com enfoque na repressão policial na cracolândia, espaço no centro da cidade onde os entorpecentes são consumidos à luz do dia, no meio da rua.

Policiais foram orientados a reprimir a venda e não tolerar mais o uso do crack em público. Essa política foi apelidada de “dor e sofrimento”, devido à fala do então coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo:

“A falta da droga e a dificuldade de fixação vão fazer com que as pessoas busquem o tratamento. Como é que você consegue levar o usuário a se tratar? Não é pela razão, é pelo sofrimento. Quem busca ajuda não suporta mais aquela situação. Dor e sofrimento fazem a pessoa pedir ajuda”

Sob a gestão de Fernando Haddad (PT) em 2014, porém, a prefeitura mudou a orientação para algo mais próximo da ideia de redução de danos, com o “Programa de Braços Abertos”, em que o dependente recebia hospedagem e remuneração por trabalhos como varrição.

Ele era incentivado a diminuir o consumo de drogas, mas isso não era uma exigência para que continuasse recebendo benefícios.

Uma pesquisa realizada em 2015 pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e o Leipsi (Laboratório de Estudos Interdisciplinares Sobre Psicoativos), e publicada pela PBPD (Plataforma Brasileira de Política de Drogas) entrevistou 80 dos 398 beneficiários do programa. Desses, 67% afirmaram ter reduzido o consumo de crack, e 51% diminuíram o uso de cocaína aspirada.

Além disso, 54% afirmaram ter reduzido o consumo de tabaco, 44% de álcool, e 31% de maconha. E 95% afirmaram que o programa teve um impacto positivo ou muito positivo em suas vidas. A PBPD tem mantido posição favorável a políticas alinhadas à redução de danos.

O Braços Abertos foi extinto pela gestão de João Doria (PSDB), que assumiu em 2016.

Desde o início ele afirmou que tinha planos de implementar uma outra iniciativa, chamada “Redenção”, que tem um foco maior em internação visando a abstinência de drogas.

Doria deixou o cargo de prefeito em abril de 2018, que foi assumido pelo vice, Bruno Covas (PSDB). Em maio, o novo prefeito enviou à Câmara Municipal o projeto para criação do programa, que prevê novas 200 vagas para tratamento de usuários.

Políticas de drogas em Pernambuco

Em 2011, o governo de Pernambuco criou o Programa Atitude - Atenção Integral aos Usuários de Drogas e Seus Familiares.

Ele não é aplicado apenas em um, mas em cinco municípios: Recife, Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Caruaru e Floresta.

O programa oferece refeições, local para dormir e atividades socioeducativas. Ele também dá acesso voluntário a Centros de Acolhimento Intensivo, onde usuários de droga podem permanecer 24 horas por dia por até seis meses.
Aqueles que deixam esses centros podem pleitear moradia subsidiada e acompanhamento de equipes de atendimento com visitas periódicas.

Segundo pesquisa realizada pelo Neps-UFPE (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Política Pública de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco) em 2015 com 191 participantes do Atitude, o programa contribuiu para a diminuição do consumo de crack entre os atendidos.

A proporção dos que consumiam mais de 15 pedras por vez caiu de 57% para 24,8%. O número dos que consumiam apenas 5 pedras subiu de 10% para 39,4%. Além disso, 91,1% disseram que sua saúde melhorou.

 

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