O medo na volta após a cura

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12/07/2020

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O medo na volta após a cura

CORONAVÍRUS Profissionais de saúde curados da doença retomam atividades, mas dizem sentir-se inseguros e às vezes apresentar sintomas

A técnica de enfermagem Cássia Joana Bezerra, 31 anos, é uma das profissionais da linha de frente no combate à covid-19 em Pernambuco. Atua no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), conhecido como Maternidade da Encruzilhada, e na UPA Dom Helder Camara, no Vasco da Gama, ambos na Zona Norte do Recife, e foi escalada no remanejamento de trabalhadores em outras UPAs, para triagem de pacientes.

Na metade do abril, precisou ser afastada após apresentar dor de cabeça. O Recife encarava uma crescente de casos do novo coronavírus. O resultado positivo do teste chegou dez dias depois, forçando-a a ficar mais duas semanas em casa. Foram 19 dias em isolamento domiciliar.

Cássia faz parte dos 14.103 profissionais de saúde que testaram positivo para a covid-19 entre 12 de março a 30 de junho de 2020 em Pernambuco, e estão recuperados. O número, divulgado pelo Estado, corresponde a 90,7% dos 15.547 trabalhadores diagnosticados com a doença no período.

A estatística, no entanto, não mostra o medo e as sequelas que acompanham a volta à linha de frente. “Voltei dia 4 de maio e até hoje sinto cansaço, dores de cabeça e nas costas.” Mesmo com a persistência dos sintomas, permaneceu na ativa. “Passou o tempo de contaminação, a gente tem que voltar, independentemente de estar sentindo alguma coisa.”

Segundo a técnica de enfermagem, não houve assistência de saúde nem durante a doença. “Só fui para a emergência e fiz o teste RT-PCR para coronavírus.” O período de afastamento não é vivido sem pressão. A falta de profissionais para cobrir as ausências dos que adoecem demanda retorno rápido. “Das sete pessoas do meu plantão, todas deram positivas.

Os profissionais de saúde também sentem falta de apoio para quem contraiu o vírus. Ausência de acompanhamento médico, amparo psicológico e tratamento fisioterapêutico são algumas queixas. “Um colega faleceu. A gente ficou abalado, mas tinha que continuar, e não teve nenhum apoio psicológico.”

A vivência da técnica de enfermagem Sandra Regina da Silva, 42, foi similar. Originalmente da enfermaria de infectologia, ela foi deslocada para a UTI da covid-19 do Hospital das Clínicas quando a crise se instaurou no Estado. No primeiro plantão, começou a apresentar sintomas e ficou afastada de 21 de abril a 4 de maio. O diagnóstico foi confirmado no 13º dia de isolamento.

“Fiquei receosa de transmitir para alguém. Você é obrigada a voltar 14 dias depois. As pessoas me discriminavam por tertido covid-19, não queriam ficar perto. Eu me sentia horrível”, contou.

A sensação de medo entre os trabalhadores persiste até hoje. “Todo mundo preocupado em se desparamentar. O paramentar é fácil, os materiais estão limpos. Mas a desparamentação é o momento de estresse. Sandra acredita que a pandemia vai deixar problemas psicológicos em muitos colegas da área de saúde.

Na sexta posição entre profissionais de saúde diagnosticados com a doença (619 pessoas ou 4%), os agentes comunitários de saúde também enfrentam o desafio de se expor novamente ao vírus após a cura.

Priscila Naara, 27, adoeceu em abril. Teve congestionamento nasal, tosse e fadiga e ficou afastada duas semanas da UPA Dom Helder Camara. De volta ao trabalho, deu três plantões e sintomas reapareceram. “Comecei a sentir o corpo quente. Precisei me afastar mais 10 dias”, relatou. “Eu e outros colegas que tivemos. Nossos casos foram leves, não ficamos entubados, mas é uma doença que deixa você debilitado.”

Levantamento do Centro de Doenças Infecciosas do Hospital Princess Margaret, em Hong Kong, mostra que 25% dos curados tiveram perda da função pulmonar de 20 a 30%. Segundo a fisioterapeuta Anakettlem Santana, a falta de fisioterapia pode deixar efeitos. Comprometimento dos sistemas respiratório e cardíaco é o mais comum. “Se for paciente mais grave, ele vai ter dificuldade para respirar, pode desenvolver crise asmática. Por isso, é importante o acompanhamento”, destacou.

“Eu fiquei muito receosa de poder transmitir a doença para alguém. Você é obrigada a voltar 14 dias depois de apresentar os sintomas. As pessoas me discriminavam por ter tido covid-19. Até na hora de bater o ponto, os colegas de trabalho não queriam ficar perto. Eu me senti horrível. Me perguntavam: ‘Mas tu já voltou?’. Eu tenho que voltar”, contou a técnica de enfermagem Sandra Regina da Silva, 42 anos, que ficou afastada por 14 dias.