Três gerações de cientistas descobrem como controlar a enxaqueca

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29.04.2021

Dor de cabeça, poucos não têm. Todos já tivemos, um dia. Ficaram mais frequentes agora com os estresses da pandemia, e mais ainda nos pacientes com a síndrome pós-Covid, com sintomas persistentes após a cura da fase aguda da doença. A dor é maior na enxaqueca, uma forma intensa e latejante anunciada por uma “aura”: um brilho estranho na visão, um som esquisito na audição, enjoo, tonteira. Algumas estimativas avaliam que a enxaqueca atinge cerca de 20% da humanidade. Frequentemente vem associada a outras doenças, como a depressão e a epilepsia.

Não é difícil imaginar quão forte é o desgaste que a enxaqueca causa na vida e no trabalho de tantas pessoas. Cai a autoconfiança, cai o rendimento. O desafio que se coloca é o de compreender seus mecanismos para propor saídas terapêuticas e preventivas.

A ciência brasileira tem uma história bonita para contar a esse respeito. Contribui há três gerações para entender e tratar a enxaqueca e a epilepsia. Quem deu a largada foi o grande neurocientista Aristides Leão nos anos 1940, ao descobrir o fenômeno da “depressão alastrante” — uma onda de desativação do córtex cerebral que surge em um ponto e se desloca lentamente pela superfície do cérebro. Aristides trabalhou na UFRJ com outros colegas, e formou uma segunda geração que comprovou a relação da depressão alastrante com a aura da enxaqueca. Um núcleo de trabalho se fixou na UFPE em Recife e agora dá origem a uma terceira geração que aborda os mecanismos cerebrais do fenômeno, e como dominá-los.

Trabalho recente de uma jovem pesquisadora pernambucana em colaboração internacional propõe e valida um tratamento com vantagem sobre os analgésicos disponíveis — a chamada estimulação vagal não invasiva. O grupo utilizou modelos animais de depressão alastrante e avaliou os mecanismos e a capacidade de uma estimulação elétrica leve aplicada sobre a pele, no trajeto do nervo vago, em prevenir ou eliminar na origem (na aura) a intensa dor latejante da enxaqueca.

O trabalho da terceira geração de estudos sobre a depressão alastrante identificou os circuitos neurais envolvidos na gênese da aura. Além disso, comprovou que a estimulação do nervo

vago aciona esses circuitos moduladores, que controlam a atividade do córtex cerebral, regularizando a excitação anômala subjacente à aura. A leve estimulação elétrica é capaz de reduzir a intensidade e a frequência das crises. A técnica já está autorizada pelas agências reguladoras dos EUA e da União Europeia. Comparada aos medicamentos analgésicos, tem a vantagem de ser eficaz por mais tempo e não apresentar efeitos colaterais relevantes nem o risco de adicção.

Além da importância científica e médica desse trabalho longevo, o percurso do estudo da depressão alastrante por três gerações de cientistas mostra como é importante manter ao menos estável a política de financiamento da ciência. Os cortes no orçamento causam um grande estrago, como disse até mesmo o ministro Marcos Pontes. Algo que poderá levar outros 80 anos para se recompor.

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