Paulo Freire: o homem que alfabetizou em 45 dias

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19.09.2021

Taxado pelo governo Bolsonaro - de forma genérica e não embasada - como o responsável pelos erros na educação brasileira, Paulo Freire foi um pedagogo e filósofo brasileiro, nomeado em 2012 patrono da educação no Brasil. Idealizador de uma metodologia para alfabetização que inspira o processo pedagógico de diversos países.

Na Alemanha, o Instituto Paulo Freire e a Sociedade Paulo Freire mantêm projetos educacionais que tem seu alicerce nos ideais do pedagogo brasileiro em que afirma que educação é um ato político, humanizador e de mudança social. No entanto, o principal objetivo de Freire era facilitar a aprendizagem de jovens e adultos, o que foi compreendido mais à frente como ato político-partidário, sendo objeto de crítica entre figuras políticas brasileiras.

Mas para entender essa forma de alfabetizar que completou 58 anos, é preciso ir até Angicos, no Rio Grande do Norte. Foi lá que Paulo Freire colocou em prática uma forma de alfabetização de adultos baseado nos contextos e saberes presentes na comunidade, de uma forma que o educador respeita as experiências de vida dos aprendizes.

Dessa forma, em 1963 o pedagogo aplicou seu método pela primeira vez em 300 pessoas de Angicos. Essas pessoas eram trabalhadores da cana-de-açúcar sem nenhum tipo de contato com escolas tradicionais que foram alfabetizadas em extraordinários 45 dias.

Com o resultado surpreendente, o nome Paulo Freire correu o mundo e serviu de inspiração para o uso da sua forma de alfabetizar em diversos grupos, tendo o pedagogo como nome de centros de educação nos Estados Unidos, Canadá, Áustria, Alemanha, Holanda, África do Sul, Portugal, Suíça, Finlândia, Espanha e, claro, no Brasil.

Porém, em conversa com profissionais da educação em Pernambuco, tanto de atuação em colégios particulares quanto públicos, afirmam que, apesar das grandes obras e ensinamentos de Paulo Freire passados no ambiente acadêmico, no Brasil a metodologia de ensino ainda é engessada e tradicional no ambiente escolar.

Em conversa com Artur Morais, professor titular do Centro de Educação da UFPE e pesquisador do CNPq, que investiga temas ligados ao campo da alfabetização e da formação de alfabetizadores, ele conta que o ‘Método Paulo Freire’ é mais que uma simples metodologia de alfabetização.

O pesquisador da UFPE detalha o porquê as obras de Paulo Freire são relevantes em um contexto de educação de uma população marcada pela desigualdade social e o papel do educador em assumir a defesa de um país mais justo que, consequentemente, trará benefício na alfabetização.

Qual sua visão sobre o método de ensino Paulo Freire?

Já no final da década de 1970, um pouco antes de poder voltar ao Brasil, o próprio Paulo Freire já afirmava que o que ele tinha criado era uma epistemologia e não só “um método para alfabetizar adultos”. Na realidade, a genialidade de Paulo Freire está em cedo ter descoberto e nos ter ensinado que não existe educação neutra, que todas as propostas e práticas educativas são inerentemente ideológicas. Ou seja, toda forma de educar “tem lado”, mesmo que seus autores não queiram assumir isso. E ele mostrou, ainda antes do golpe de 1964, que podemos e precisamos lutar por uma educação que assuma a defesa de um país mais justo. Isso se aplica não só à educação de jovens e adultos, mas a todos os níveis da escolarização, do berçário ao doutorado.

Você acredita que essa metodologia traz melhores resultados para a alfabetização de jovens e adultos?

Paulo Freire, patrono nacional da educação brasileira, continua mais que atual. Num país com um histórico de tanta desigualdade, as políticas públicas educacionais precisam sempre assumir o legado que Freire nos deixou e praticar uma pedagogia da esperança. Uma pedagogia que produz cidadãos autônomos, conscientes e que lutam por direitos. A pedagogia freiriana nos ensina não só a partir do universo cultural dos oprimidos e fortalecê-los no embate contra os mecanismos de dominação, mas, também, a respeitar a pluralidade cultural, a diversidade e as diferenças que não implicam opressão.

Você acredita que esse método de ensino vem sendo aplicado no Brasil?

Apesar dos ataques de grupos conservadores, que nos últimos anos têm tentado enxovalhar a obra e o reconhecimento universal que Paulo Freire sempre teve e continuará tendo, vemos que muitos educadores e instituições que atuam na educação, tanto escolar como não-formal, continuam se inspirando nos ensinamentos de Paulo Freire. Isso é evidente nos grupos e coletivos dedicados à educação popular e à educação de jovens e adultos. Quando, por exemplo, discutimos, no Centro de Educação da UFPE, nosso projeto de formação de pedagogos e outros professores da educação básica, temos como um dos princípios fundamentais aquilo que Freire nos desafiou a assumir: nosso papel, enquanto instituição pública, de formar educadores autônomos e competentes, que contribuem para a construção de uma escola inclusiva que batalha pela redução da miséria e pela ampliação de direitos.

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