Paulo Freire: um educador para fora dos muros da universidade

PDF Imprimir E-mail

19.09.2021


A preocupação social nas teorias freireanas já é amplamente conhecida, porém o que nem todos sabem é o legado material de uma forte convicção do educador: a de que as universidades deveriam produzir não apenas para si mesmas, mas em prol da sociedade. Esse ideal fez com que ele se tornasse um dos responsáveis por colocar em prática, ainda na década de 1960, a criação de um órgão que administrasse as atividades de extensão acadêmica, e que também ajudaria a consolidar veículos de comunicação democráticos como a TVU (TV Universitária) e a rádio Universitária.

Ainda que o conceito de extensão já existisse de longa data, essas ações eram em geral realizadas esporadicamente e até mesmo alheias às instituições universitárias. Foi então através da interação entre a comunidade acadêmica, encabeçada por Paulo Freire, e o Movimento de Cultura Popular que se materializou o Serviço de Extensão Cultural (SEC) na Universidade do Recife, como era conhecida na época a UFPE. A iniciativa de fundar um órgão responsável pela política contínua da extensão foi pioneira não só localmente, como nacionalmente, antes que se tornasse de praxe nas universidades. Logo o Serviço se transformou no Departamento de Extensões Culturais, do qual Freire se tornou diretor em 1961, e evoluiu posteriormente, na década de 1970, para a condição de Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proexc), ativa até os dias de hoje.

Para se ter uma ideia desse pioneirismo, foi apenas após a redemocratização, no Art. 207 da Constituição de 1988, que se estabeleceu nacionalmente o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o chamado Tripé Universitário. Algo que Paulo Freire já havia defendido e implantado desde a década de 60.

Segundo o atual pró-reitor da Proexc, Oussama Naouar, o enfoque dado pelas ideias de Paulo Freire à realidade do educando tornou a extensão não uma via de mão única, mas uma troca com a sociedade civil. “Não se trata só de uma perspectiva 'jesuítica' na qual a universidade pública levaria o conhecimento para as populações vulneráveis. Trata-se também de trabalhar a partir das relações sociais nas quais os educandos se encontram. É sobre reconfigurar uma forma de genealogia do conhecimento que dá espaço aos saberes populares, mas que também traz o conhecimento crítico”, explica.

Na mesma década de sua fundação, o órgão já deu a luz a dois dos seus projetos mais ambiciosos. Entre 1962 e 1964, Paulo Freire trabalhou para dar início à rádio Universitária AM 820 KHz, que ganharia um braço para a banda de faixas FM em 1979. Denominada na sua fundação de Rádio Universidade, ela trazia uma grade que englobava tanto programas de música popular, música clássica e jornalismo, quanto de ensino à distância de idiomas e preparatório para o vestibular da época. Porém, com o golpe militar de 1964, parte da programação foi acusada de subversão e teve que ser excluída da grade, especialmente os programas relacionados a movimentos sociais e alfabetização. Como homenagem a seu idealizador, a Universitária AM foi renomeada em 2018 como Rádio Universitária Paulo Freire e se tornou uma rádio-escola anexa à reitoria da UFPE dedicada aos estudantes.

Já no ano de 1968, o Departamento de Extensão alcançou um novo pioneirismo com a fundação da TV Universitária, a primeira emissora de TV educativa do Brasil. O canal 11 foi inaugurado no dia 22 de novembro daquele ano e logo se consolidou como a precursora do sistema brasileiro de comunicação pública. A criação desses veículos por Paulo Freire não foi à toa, mas partiu de uma observação da TV como um dos veículos que mais crescia no país, segundo relatórios da UNESCO. Ao contrário da visão alienante dessa mídia, Paulo Freire idealizou a TVU como forma de integrar a população distante da academia e sem acesso ao material escrito por ela, visto que o analfabetismo atingia cerca de 50% da população na época. “O núcleo de TV e a Rádio sempre tiveram um componente de comunicação social muito forte, então de dimensão necessariamente extensionista. A comunicação era percebida como um forte vetor de interação com a sociedade civil”, conta Oussama.

Atualmente com mais de meio século de história, as instituições criadas por Paulo Freire continuam no trabalho de partilhar o conhecimento acadêmico e prestar contribuição social de forma prática. Em 2020, foram 177 projetos de extensão aprovados pela Proexc, divididos nas áreas de saúde, tecnologia, cultura, meio ambiente, entre outras. Recentemente, a Pró-reitoria teve protagonismo nas pesquisas sobre soluções para os danos causados pelas manchas de óleo nas praias do Nordeste, com o programa SOS Mar, assim como esteve à frente no combate à pandemia da Covid-19, com produção de 40 mil litros de álcool e EPIs. Para o pró-reitor, esses são apenas alguns exemplos que provam a importância de uma universidade e da extensão alinhadas às ideias de Paulo Freire. “Estamos tentando encarnar os valores e o espírito freireano, mas também reinventando todo dia nossa maneira de agir perante os desafios”, finaliza.

Link da matéria