Abandono de espaços históricos

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Abandono de espaços históricos

Cidades - Página 19

3 de outubro de 2021

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MEMÓRIA Praça Ministro Salgado Filho foi inaugurada no ano de 1957, com projeto de Burle Marx. É tombada e tem relevância nacional

Um dos terminais mais bem avaliados do País, o Aeroporto Internacional do Recife/Guararapes é reconhecido pela organização, limpeza e conservação. Mas isso na parte nova. Basta uma olhada para o lado direito para constatar a subutilizada Praça Ministro Salgado Filho, classificada como um jardim histórico, e o abandonado antigo terminal aéreo, que, uma vez luxuoso, nunca esteve pior que hoje. A decadência de ambos e possíveis novos usos para os históricos equipamentos estão há anos no centro das discussões entre o poder público e a iniciativa privada - sem data para acabar.

Isso porque a praça, inaugurada em 1957 com projeto do paisagista Burle Marx, é tombada e tem relevância nacional, cabendo à Prefeitura do Recife a sua manutenção, e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) as decisões sobre mudanças estruturais. A ela está ligado o antigo terminal, aberto em 1958 e recentemente concedido à Aena Brasil junto ao novo Aeroporto - que segue com destino indefinido enquanto cai aos pedaços.

Se até o ano passado o prédio servia como parada de ônibus e abrigo para pessoas em situação de rua, agora nem isso. Há poucos meses, tapumes foram postos por toda sua estrutura, proibindo o acesso ao local por causa dos frequentes furtos da cobertura. Placas de "perigo, afaste-se" estampam as grades do edifício, com fragmentos ensaiando a queda.

Elias Freitas, 40 anos, usa o lago da conhecida "Praça do Aeroporto" para lavar as roupas e a si próprio. Até pouco tempo, dormia no equipamento junto a outras pessoas, e via os furtos constantemente. "Tinham uns dez homens roubando toda noite. Era muita bagunça, zoada deles tirando as telhas, que caiam no chão. Quando fecharam [o prédio], sumiram todos, e nós fomos para debaixo do viaduto [Miguel Arraes]", contou.

Durante cerca de uma hora em que o JC esteve no local, em torno de dez transeuntes passaram pela praça. Três são vendedores de lanches que ficam próximos à parada de ônibus na Avenida Marechal Mascarenhas de Morais. "A iluminação está boa porque trocaram as lâmpadas recentemente, mas a limpeza não é adequada. Hoje não tem mais movimento, porque a praça está se acabando. Às vezes, pessoas que estão na parada de ônibus são assaltadas", relatou o comerciante Luciano dos Santos, 43.

Hoje a dinâmica da localidade difere da que o autônomo Valmir Silva, 53, tem na memória de quando era adolescente. "Essa praça tinha muita área de lazer. As pessoas vinham namorar e se encontrar. Quando desativaram o aeroporto, essa parte de cá ficou jogada, virou alvo de vândalos."

A dança que se formava entre pessoas saindo e entrando no antigo terminal do Aeroporto, seja para voos, lazer, trabalho ou comércio, e, consequentemente, passando pela praça, trazia movimento ao local. Mas, segundo a arquiteta e urbanista do Laboratório de Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ana Rita Sá, por não haver moradias ao redor, no momento em que a operação do novo terminal começou, em 2004, a relação se desfez, e o jardim perdeu o sentido prático - o que deve piorar caso o prédio de fato seja demolido e dê lugar a um estacionamento aberto.

"A praça foi feita relacionada ao edifício do aeroporto. Quando ele foi fechado, a praça ficou solta em um novo traçado de sistema viário que não a incorporou como deveria. A gente não estuda o jardim como uma ilha, mas a paisagem do entorno. Se tirá-lo, a praça fica sem composição. Depois da restauração dela em 2013, começou a haver uma degradação pelo aeroporto não querer assumi-la e não saber agregar o valor que é ter um jardim histórico", disse.

A polêmica foi parar no Ministério Público de Pernambuco (MPPE) no último ano. "Achamos que o prédio deve ser recuperado, porque tem valor. É um edifício moderno que faz relação com a praça. A escada dele, por exemplo, antepara a praça", defendeu a também urbanista Lúcia Veras. O caso está em discussão.

A Aena Brasil informou ao JC que o "espaço deve ganhar novos usos", sem especificar quais. O Iphan explicou que a derrubada do prédio "não causa dano à ambiência da praça", por já ter sido descaracterizado após sucessivas reformas nas décadas de 1980 e 1990, mas que, se isso acontecer, deve ser "substituído por nova construção dentro dos parâmetros estabelecidos", mantendo relação funcional, espacial e paisagística.

Sobre a manutenção da praça, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) informou que ela está incluída na programação de recuperação. "Uma equipe está fazendo um levantamento das ações necessárias para elaborar um orçamento e executar as intervenções". A CTTU acrescentou "que o trecho da praça está em obras e que fará a manutenção de sinalização."

Artes entre as teias de aranha

Jóias da arte vanguardista pintadas nas paredes do antigo terminal do Aeroporto do Recife são mantidas em meio às teias de aranha, ao escuro e ao abandono que o equipamento se encontra. Desde 2004, quando o novo terminal foi inaugurado, os coloridos painéis "Folclore" e "Ciclo Econômico", do artista pernambucano Lula Cardoso Ayres (1910-1987), não têm mais olhares sobre eles, e são uma das pautas das discussões entre poderes público e privado que circundam o prédio - hoje administrado pela Aena Brasil, mesma empresa que gere o novo aeroporto.

Apesar de estarem no prédio concedido à empresa, as obras não pertencem a ela. São tombadas pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e, portanto, de propriedade pública, mas cabe à Aena a preservação delas enquanto lá estiverem.

Por nota, a empresa informou ter colocado uma proteção ao redor das paredes para mantê-los protegidos, impedindo que sejam visualizados, e que as "decisões referentes ao destino das obras estão sendo alinhadas com a Patrimônio Histórico e, por causa disso, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e demais autoridades competentes.

Por não poder adentrar o edifício, a reportagem do JC pediu para que a Aena enviasse fotos recentes dos murais, mas recebeu como resposta que também não tem acesso, e que não seria possível enviá-las.