Gasolina mais barata?

PDF Imprimir E-mail

Gasolina mais barata? 

Economia - Página 16

15 de outubro de 2021

economia_15.10.2021.png

IMBRÓGLIO Na prática, a proposta torna o ICMS invariável frente às variações do preço do combustível ou de mudanças do câmbio

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nessa quarta-feira (13), o texto base do projeto de lei complementar que institui um novo cálculo para a cobrança de ICMS pelos estados e o Distrito Federal sobre combustíveis. A matéria ainda será analisada pelo Senado para só assim ser levado à apreciação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que precisa sancioná-la par que ela comece a valer.

O texto, relatado pelo deputado Dr. Jaziel (PL-CE), por 392 votos a 71, busca frear as altas nos preços desta categoria de produtos em um contexto de preocupação da classe política com os impactos da inflação, que acumula alta de 10,25% em 12 meses no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A proposta prevê que seja feita uma média dos preços dos combustíveis nos últimos dois anos. E cada Estado aplicaria a sua alíquota sobre esse preço médio. Conforme o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), a mudança poderia reduzir o preço da gasolina em 8%, o do etanol em até 7%, e o do diesel, em 3,7%.

Em contrapartida, o professor de direito da UFPE e advogado tributarista Eric Castro e Silva afirma que a medida reduziria a arrecadação dos Estados. "Como o ICMS, atualmente, é um percentual sobre o preço do combustível, quando, por exemplo, a Petrobras aumenta o preço da gasolina, também aumenta a arrecadação dos Estados", diz Castro e Silva.

"Se isso vier a ser mudado para a média bienal, ou seja, dos últimos dois anos, sem dúvidas, vai trazer prejuízo para os Estados, sim", emenda ele.

Além disso, segundo o especialista, o preço na bomba continuaria sujeito à flutuação do mercado internacional. "O preço da gasolina e dos outros combustíveis é incontrolável, porque ele depende de dois fatores: o preço do petróleo internacional, sobre o qual o Brasil não tem nenhum controle, e o câmbio, que é livre hoje, visto que o governo tem se negado a intervir para controlá-lo ", pontua o professor. "Segurar artificialmente os preços, como propõe o substitutivo aprovado, será inócua frente a essas duas variáveis", completa Eric.

Para o economista e professor da Unit-PE Edgard Leonardo Lima, a medida é insuficiente. "Eu sempre defendi que o ICMS fosse revisto. Esse imposto pesa muito no bolso do consumidor, não só nos combustíveis, mas essa proposta da Câmara é insuficiente. Talvez, sirva para agora, mas nos trará um problema futuro", diz ele. "Dilma, em 2014, provou que controlar preços artificialmente só faz mal ao país", sublinha.

ICMS VILÃO?

Apontado por Bolsonaro como vilão da gasolina, ICMS estadual não é responsável pelo aumento, diz secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha. Atualmente, os Estados calculam o ICMS com base em um valor de referência, o chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF). Esse preço é calculado quinzenalmente, a partir de uma média dos valores cobrados nos postos.

Sobre o PMPF são aplicadas as alíquotas de cada combustível. Em Pernambuco, a alíquota é de 29% para a gasolina e de 16% para o diesel. O índice de ICMS sobre os combustíveis no Estado é o mesmo desde 2016.

QUEDA PROVISÓRIA

Com ajuda de especialistas, a reportagem calculou quanto seria a diferença em Pernambuco. Considerando os PMPFs da gasolina comum coletados em 2019 e 2020, o preço médio no período seria de R$ 4,6011, com o ICMS pesando R$ 1,33 por litro. Em setembro de 2021, o preço de referência adotado para fins de tributação era de R$ 5,8800, ao custo de R$ 1,71 de ICMS por litro. Nesta comparação de cálculo, o consumidor poderia pagar R$ 0,38 a menos de imposto por litro caso o projeto se torne lei.

"Tudo o que for feito para baixar a gasolina é muito bom, mas essas medidas do projeto da Câmara são momentâneas, tendo em vista fatores como o dólar e o preço do barril no mercado internacional", afirma o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e de Lubrificantes de Pernambuco (Sindicombustíveis-PE), Alfredo Pinheiro Ramos.

Na mesma linha, Edgard Leonardo Lima argumenta que, futuramente, os preços podem apresentar tendência de alta, mesmo que o preço do petróleo apresente queda internacionalmente.

"O que acontece é que estamos buscando agora que os preços tenham como base para seu cálculo valores mais baixos e prazo mais longo para tentar baixar agora o preço na bomba. Na medida em que a gente, eventualmente, em 2022 ou 2023 consiga estabilizar o valor do petróleo internacionalmente, que oscila por vários fatores, e o câmbio do dólar, poderíamos ter um preço mais barato na bomba, mas como o cálculo é bienal, vamos acabar nos amarrando a uma metodologia que trará a alta histórica para contaminar nossos preços", explica Edgard.

Além disso, o economista afirma que a medida pode ser questionada em breve nos tribunais. "Não sou jurista, mas o que observo é que estamos abrindo um precedente complicado. Estamos usando lei federal para legislar sobre algo que é de competência dos Estados. Isso, certamente, deve causar uma judicialização no futuro", conclui.

Governadores planejam reação junto ao STF

Insatisfeitos com a aprovação pela Câmara dos Deputados de projeto que altera a forma de cobrança do ICMS, governadores planejam reação em duas frentes. A primeira seria aumentar a pressão sobre senadores para enterrar a mudança. A segunda estratégia é ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a iniciativa.

Governador do Piauí e presidente do Consórcio Nordeste, Wellington Dias (PT) afirmou à rede de televisão CNN que procuradores dos Estados já começaram a estudar o melhor caminho para questionar no STF o projeto, cuja aprovação foi capitaneada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Segundo ele, uma primeira avaliação indicou caminho para questionar a constitucionalidade da alteração legislativa.

Em nota de repúdio divulgada ontem (14), a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) disse que a medida é desleal, inócua e não vai resolver a questão dos aumentos de preços dos combustíveis. "É medida paliativa e falsa solução para o elevado preço dos combustíveis, resultado da política de preços da Petrobras", diz a nota.

Segundo a Fenafisco, o texto interfere diretamente nas finanças de Estados e municípios e causará impactos para a população. Isso porque, de acordo com a federação, a aprovação da medida resultará em prejuízo de R$ 24 bilhões aos Estados e R$ 6 bilhões aos municípios.

"A Câmara dos Deputados adotou uma medida com alto custo social, interferindo na arrecadação dos entes, já combalidos desde antes da pandemia. A redução previamente anunciada de 8% no preço da gasolina é tímida e efêmera. Ressalte-se que não há aumento do ICMS há mais de dois anos e meio, enquanto os preços da gasolina, diesel e gás de cozinha aumentaram cerca de 40% desde 2019", critica a Fenafisco.

A Fenafisco, continua a nota, "ao tempo em que se posiciona veementemente contra a alteração do ICMS e reforça o seu apoio à independência de Estados e municípios, também lastima a ausência de coragem e espírito público por parte da Câmara dos Deputados para propor a redução dos lucros dos acionistas privados da Petrobras".

Senado terá "boa vontade"

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), condicionou a "boa vontade" com a mudança na cobrança do ICMS a uma avaliação efetiva do impacto no preço de combustíveis. Governadores tentam barrar a proposta aprovada na Câmara alegando queda de arrecadação. O projeto dependerá agora de votação no Senado e deve passar por uma comissão antes do plenário.

"É algo que interfere ali no dia a dia e na previsibilidade do orçamento dos Estados. Então, vamos considerar essas informações, vamos permitir esse diálogo inclusive com os governadores de Estado e do Distrito Federal para que possamos ter a melhor conclusão possível", disse Pacheco em entrevista coletiva no Senado.

Os Estados passaram a desenhar estratégias para barrar a mudança na cobrança do ICMS no Senado e também alterar a reforma do Imposto de Renda.

Os governos estaduais estimam perdas de arrecadação que passam de R$ 30 bilhões por ano com as duas propostas aprovadas recentemente na Câmara.

Só com a mudança no ICMS, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) estima em R$ 24,1 bilhões a perda para os cofres estaduais, com queda em todos os Estados.

"Agora o Senado tem o tempo dele. Eu não posso prever tempo até porque isso é um exercício de outros senadores também", disse o presidente do Senado.