Inclusão não é cota: a luta das pessoas com deficiência para ingressarem no mercado de trabalho

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26.09.2021

Daniele Lins, técnica administrativa, se formou na área que amo, mas passou anos em busca de um lugar ao sol do mercado de trabalho. Conseguiu apenas uma oportunidade informal até encontrar uma vaga que ocupa hoje, em um centro universitário com sede no Recife.

“Depois de diversas taxas de envio de currículo em sites e empresas, fui a uma feira de emprego para pessoas com deficiência. Chegando lá, várias companhias. Deixei alguns currículos. Na Unit-PE, fui chamada para fazer uma entrevista e passei. Realizei uma prova e estou com 2,9 meses de empresa ”, conta a jovem de apenas 25 anos, ressaltando que as oportunidades são mínimas e, de quebra, não um salário baixíssimo.

A realidade enfrentada e explicitada por Daniele é semelhante à de muitos brasileiros que, assim como ela, são pessoas com deficiência. Segundo a última Relação Anual de Informações Sociais (Rais), cujos dados mais recentes são edição de 2020, o país conta com cerca de 371.913 profissionais PcDs a trabalhar formalmente. Isso representa menos 1% da força de trabalho formal no Brasil, um número abaixo da proporção de pessoas com deficiência quando observada a sociedade, como um todo: 8,4%.

Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 8,4% da população brasileira acima de 2 anos - o que representa 17,3 milhões de pessoas - tem algum tipo de deficiência. A pesquisa mostra também que a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho ainda é um obstáculo. Apenas 28,3% delas em idade de trabalhar (14 anos ou mais de idade) se posicionam na força de trabalho brasileira. Entre as pessoas sem deficiência, o índice sobe para 66,3%.

Pandemia derruba contratações

Desde 2010, o que se observava no Brasil era um aumento contínuo no contratação de profissionais PcDs, segundo a Rais, apesar de ser um número aquém do esperado. Isso, porém, piorou com uma pandemia. De acordo com Guilherme Braga, CEO da Egalitê, startup especializada na seleção e recrutamento de PcDs, conta que em 2020 houve uma queda de cerca de 80% no número de vagas ofertadas para esse público.

“As empresas estavam enfrentando a crise causada pela pandemia e escolhida de lado contratação de PcDs, que geralmente e infelizmente deixam de ser prioridade para as companhias em momentos como esse”, pontua o executivo, projetando que a oferta de vagas para o segmento aumente minimamente até o fim do ano e comec para se recuperar em 2022.

Patrick Gouy, CEO e cofundador da plataforma Recrut.Ai, concorda que as empresas em crise vão atacar os problemas que precisam ser resolvidos com urgência, a fim de sobreviver. “Obviamente, o grau de maturidade da empresa tem um fator importante, mas não é apenas isso. Há um componente cultural. Temos visto diversas ações para inclusão de gênero e raça no processo seletivo e estas ações têm prioridade na chancela de “diversidade”, mas PcD também é diversidade ”, afirma.

Cotas não são respeitadas por 47% das empresas

Um dos principais instrumentos de garantia dos direitos das pessoas com deficiência, a Lei de Cotas (8231/91) completo, no fim de julho de 2021, 30 anos de vigência. Apesar de avanços na inclusão de PcDs no mercado de trabalho, ainda não estão preenchidos 47% das vagas que por lei definidas ser destroçadas a pessoas com deficiência nas empresas. A lei reserva de 2% a 5% de vagas nas corporações com mais de 100 funcionários. Além disso, manobras legislativas tentam, nos últimos anos, reduzir o alcance e tirar a força da lei.

“Funciona assim: empresas que têm até 200 funcionários precisam de 2% de funcionários PcDs; companhias com até 500 funcionários, 3%; até 1.000, sobe para 4%; a partir de 1.001, precisa ter 5% ”, explica a advogada e professora universitária Fernanda Resende.

“Se a empresa não cumprir, pode levar uma multa. É muito comum o Ministério Público do Trabalho mover uma ação civil pública ou firmar um termo de ajustamento de conduta demandando que a empresa cumpra a cota, por exemplo ”, afirma Ariston Flávio, advogado trabalhista, professor e doutor em Direito pela UFPE.

Vagas para a base da pirâmide

A professora de direito trabalhista Ana Flávia Dantas explica que a oferta de vagas, historicamente, é para cargos operacionais. “Infelizmente, as associações não olham para a contratação de PcDs de forma estratégica, como geralmente fazem na hora de admitir pessoas sem deficiência. A Lei de Cotas acaba sendo uma obrigação e não uma oportunidade de construir um ambiente mais diverso ”, afirma.

“Na minha opinião, o capacitismo é o maior fator de não ocupação dos cargos de chefia para pessoas com deficiência. A sociedade brasileira ainda tem uma visão muito ligada à funcionalidade formal, ou seja, a diversidade não contempla grande parte do empresariado, pelo fato de crer que deficiência é sintoma de ineficiência ”, diz Francisco Rodrigues, assistente social com baixa visão.

A remuneração de PcDs profissionais também vem caindo mais do que a média. Segundo os dados da divulgação em 2020, a remuneração média de profissionais PcDs caiu 3,6% em comparação com a edição 2019. A média da população geral, a queda foi de 1,31% no mesmo período.

“Eu vejo uma divisão de oferta de vagas quando você é PcD. O mercado, ano passado, teve altos e baixos para todos, mas nós, PcDs, teve dificuldades de achar vagas para os candidatos que integrassem nossa experiência a um salário justo. É triste um profissional que tem o conhecimento ser mal remunerado ”, lamenta.

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