Dia das Crianças: como saber quando liberar as telas?

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11/10/22

O acesso de crianças menores de 10 anos de idade a telas de tablets e celulares é considerado polêmico por quem circula pelo universo infantil. Se por um lado, há a necessidade de entreter e ensinar - principalmente em uma sociedade pós-pandêmica, que precisou aprender a conviver ainda mais com a presença de aparelhos eletrônicos em casa - por outro, há o medo de atrapalhar o desenvolvimento dos pequenos com uso indiscriminado desses objetos.

Para falar sobre o assunto, o blog de Tecnologia e Games conversou com Raissa Falcão, doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da graduação em Psicologia da Faculdade Esuda. Ela atua como psicóloga clínica infanto-juvenil e ajudou a esclarecer a questão sobre o uso de telas na primeira infância.

"O que a gente recomenda no geral é evitar o máximo de exposição de tela até os dois anos. Porque até aí, estamos lidando com um período muito sensível do desenvolvimento. As crianças estão em plena atividade de maturação cerebral, e este é o período que a gente, supõe/deseja/espera, que a criança desenvolva, principalmente, a fala", explica a especialista.

A indicação de Raissa segue as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que publicou, em 2021, um guia alertando pais para o uso de dispositivos como tablets e celulares por crianças de até 5 anos [em inglês]. Segundo a OMS, crianças com menos de 1 ano de vida não devem ser expostas às telas por nenhum período. Entre dois e cinco anos, os pequenos devem consumir, no máximo, uma hora por dia de conteúdo em dispositivos móveis ou na TV. “Menos é melhor”, dizem as orientações da organização.

Porém, a psicóloga vai além, pois alerta que não é só a quantidade de tempo que os pequenos passam em frente a TVs, tablets e celulares que precisa ser observado, mas também a qualidade desse momento. "A gente não pode ficar demonizando a tecnologia. Tudo o que a criança vivência, consome e observa precisa de uma mediação. Ela só vai se desenvolver se tiver um adulto nomeando, dando sentido para ela o que ela tá vivendo, o que ela está sentindo. O perigo maior é não ter essa troca com outro ser humano", afirma. "A partir de dois anos, não é que é proibido. A linguagem das telas é universal, os adultos vivem um momento de muita intoxicação digital, não são só as crianças. Então, não tem como a gente escapar disso. Tirar a criança dessa linguagem também é, de alguma forma, prejudicá-la".

“Estamos vivendo uma era de intoxicação digital”
Uma pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), chamada de TIC KIDS ONLINE BRASIL 2019 (Pesquisa sobre o Uso da Internet por Crianças e Adolescentes no Brasil), mostrou que, naquele ano, 89% da população entre 9 e 17 anos tinha acesso à Internet. O percentual é equivalente a cerca de 24 milhões de crianças e adolescentes, dos quais, 95% tinham no celular o maior ponto de acesso à rede nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e 75% nas regiões Norte e Nordeste.

O estudo levantou o alerta da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que elaborou o documento #MenosTelas#MaisSaúde, com orientações por faixa etária que estabeleciam limites e até mesmo a necessidade de mediação e supervisão de um adulto responsável, durante o de uso de telas feito pelos pequenos.

A psicóloga defende que o adulto precisa participar ativamente do momento de lazer infantil e conversar sobre os conteúdos que estão sendo assistidos, inclusive, quando não quer que a criança continue vendo para tentar entender o que chama a atenção do pequeno ao conteúdo e tentar evitar também frustrações ao retirar o dispositivo.

"Quando você está junto é possível identificar o que são conteúdos violentos, preconceituosos ou que você julga inapropriados e vai educando seu filho. Traduzindo o que ele está vendo. Tentar nomear as experiências afetivas para as crianças porque elas ainda não têm habilidades para fazer isso sozinhas", explica e ressalta que essa é a melhor forma de mensurar o impacto das telas na rotina infantil.

“Eu observo muito esse problema. A criança está aperreando e o adulto vai e dá uma avalanche de estímulos para ela, que é realmente algo hipnotizante. Algo que se assemelha, do ponto de vista neurológico, há um estado de hipnose. E quanto menor a criança, mais perigoso é porque você oferecer outra coisa não vai ser tão atrativo quanto aquilo. Será como se ela ficasse buscando aquela intensidade que ela recebeu”, diz Raíssa.

"Você precisa ir anunciando para ela [a criança] 'olha filho, daqui a 20 minutinhos vai acabar teu tempo', é dá um pouco mais de previsão. A gente evita uma desregulação emocional dando mais previsão para a criança", explica.

Recomendações para a primeira infância
De acordo com Raissa Falcão, para crianças que entre os dois e seis anos de vida da criança, os pais ou responsáveis devem manter o uso de telas em até uma hora, mas alerta que - não necessariamente - o período de uso possa aumentar, após essa idade. "Isso vai depender muito do desenvolvimento dessa criança. O problema não é nem a quantidade de tempo que ela passa assistindo alguma coisa, mas isso ficar sem uma curadoria de adultos, enquanto ela consome o conteúdo digital".

Também é preciso avisar ao pequeno quando o tempo de tela irá ser encerrado. "Você precisa ir anunciando para ela [a criança] 'olha filho, daqui a 20 minutinhos vai acabar teu tempo', é dá um pouco mais de previsão. A gente evita uma desregulação emocional dando mais previsão para a criança", explica. Outra recomendação é evitar que a criança tenha um smartphone ou tablet próprio. “Se ela tem um dispositivo próprio vai ficar muito mais difícil você está supervisionando ou fazendo uma curadoria. Não tem uma idade certa para isso, mas na primeira infância é muito difícil [ela ter esse discernimento]”.

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