'Pesquise como uma mulher', convoca a ministra Luciana Santos em conferência na UFMG

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21/03/23

A UFMG e Minas Gerais agora têm no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) uma aliada. Essa foi a mensagem que Luciana Santos, titular do MCTI, passou na conferência de abertura do ano letivo da UFMG, ministrada nesta segunda-feira, 20, no campus Pampulha. Ao passar a palavra para a ministra fazer a sua comunicação, Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da UFMG, celebrou a inflexão feita pelo país de volta ao pragmatismo iluminista: “Este é um momento muito especial para nós: o momento em que a ciência volta a ser prioridade em nosso país”, disse, sendo ovacionada pela plateia em seguida.

Paridade para refletir a diversidade
Primeira mulher a assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em toda a história, Luciana destacou que seu mandato será particularmente dedicado à valorização da mulher nas ciências brasileiras. “Nós precisamos valorizar o papel das meninas e mulheres na ciência. ‘Pesquise como uma mulher’, porque nós estamos aqui para ajudar nesse caminho”, afirmou, o que valeu nova manifestação de entusiasmo dos estudantes que lotaram os dois auditórios em que a aula foi transmitida – o da Reitoria, presencialmente, e o do Centro de Atividades Didáticas 1 (CAD 1), via telão.

Luciana deu alguns exemplos dessa diretriz – em particular, o lançamento de um edital de fomento destinado especificamente a pesquisadoras. O objetivo da novidade é incrementar o percentual de mulheres entre o montante de pesquisadores brasileiros seniores – hoje elas são maioria (60%) nas bolsas de iniciação científica, mas minoria (35%) nas bolsas de produtividade, que só são alcançadas no topo da carreira. Na avaliação da ministra, para garantir a excelência da produção científica do país, é necessário que esses percentuais reflitam proporcionalmente a real diversidade da população brasileira.

Luciana detalhou a proposta. “Fizemos um edital robusto, no valor de R$ 100 milhões, pelo CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], para estimular a participação de mulheres nas áreas das exatas, da engenharia e da computação. Esses são espaços ainda muito masculinos, e nós queremos estimular a participação feminina”, disse. As chamadas do edital também visam combater a evasão feminina dos cursos de graduação nessas áreas. Em sua aula, a ministra informou que a previsão é que sejam aplicados R$ 20 milhões ainda neste ano, R$ 40 milhões em 2024 e R$ 40 milhões em 2025.

Outro exemplo dado por Luciana da diretriz de fomento da presença feminina na seara científica é o equilíbrio da nova composição das diretorias executivas da principal agência de fomento à ciência do governo federal. “O nosso CNPq, hoje, tem uma diretoria paritária. São duas mulheres e dois homens, justamente na linha de promover e dar visibilidade ao papel das mulheres na ciência”, demarcou.

Para a ministra, urge que espaços de poder como esse reflitam cada vez mais as diferentes diversidades da população brasileira – não apenas a de gênero, mas também as fenotípicas e raciais, se o que o país quer é se desenvolver e estar pronto para as demandas do futuro. “O enfrentamento à desigualdade não vai acontecer naturalmente. Ele precisa de atitude, precisa de debate de ideias para a elevação do nível de consciência da desigualdade. É necessário política pública para se enfrentar as desigualdades”, afirmou.

O retorno de Dilma
Entre os vários anúncios que fez em sua exposição, Luciana Santos confirmou que a ex-presidente Dilma Rousseff assumirá a direção do Novo Banco do Desenvolvimento (NDB), o chamado “banco dos Brics” – a notícia vinha sendo ventilada pela imprensa nos últimos dias. O Brasil é o responsável pela presidência do banco na gestão 2020-2025, e o cargo ficou vago no último dia 10, com a saída de Marcos Troyjo, que assumiu a presidência da instituição em julho de 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro.

O Brics é um agrupamento de nações, formado por Rússia, Índia, China, Brasil e África do Sul, com vistas ao fomento de melhor articulação financeira delas no mercado internacional e entre si. A posse de Dilma está prevista para ocorrer na viagem que o governo brasileiro fará à China na última semana de março. “A ex-presidente Dilma estará conosco nessa viagem e lá ficará para ser [nomeada] a presidente do banco do Brics”, disse a ministra.

Investimento para crescer
Na aula de Luciana, foi destaque, ainda, a recomposição do orçamento da área de CT&I, via projeto de lei, com a liberação integral dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal instrumento público de financiamento da ciência. O uso dos recursos estava restrito em razão de uma medida provisória editada durante o último governo. Há cerca de um mês, ela venceu por decurso de prazo, e não foi renovada pelo governo atual. “O presidente Lula vai apresentar um projeto de lei para garantir que o fundo seja completamente recuperado. Serão R$ 9,6 bilhões para o nosso fundo – R$ 4,2 bilhões a mais do que estava previsto”, disse. “Isso já está construído junto ao núcleo do governo.”

A ministra também informou que nos próximos dias será anunciado um decreto presidencial para que se retome o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), área em que, conforme informou em seguida a reitora da UFMG, a Universidade tem forte atuação. “Apesar de toda a crise econômica, há liquidez no mundo. Então nós precisamos ter a capacidade de fazer escolhas e apostas sobre onde e como vamos nos inserir nessa cadeia global”, disse Luciana Santos.

Luciana também fez saber que, na visita à China do fim do mês, está prevista a assinatura de um acordo de cooperação para a produção de uma nova e inovadora tecnologia para o monitoramento da Amazônia via satélite. “Nós vamos desenvolver sensores remotos, o que vai possibilitar a produção de imagens independentemente das nuvens”, disse, lembrando o principal gargalo para o aumento da precisão no monitoramento do desmatamento na Amazônia. “Não será transferência de tecnologia, será desenvolvimento comum. Não será tecnologia importada; ela será desenvolvida conjuntamente”, enfatizou.

Renúncia e reparação
Ao mencionar o CNPq, Luciana aproveitou para saudar, a distância, o cientista Ricardo Galvão, que assumiu a presidência do órgão em meados de janeiro. No último governo, Galvão foi exonerado da diretoria do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) após contestar publicamente declarações falaciosas de Jair Bolsonaro, que acusava de falsos os dados científicos do instituto sobre o aumento do desmatamento na Amazônia.

Segundo Luciana, por meio da indicação de Galvão para o cargo, buscou-se, exemplarmente, valorizar todos os homens e mulheres brasileiros – em particular, os cientistas e as cientistas – que tiveram coragem de reagir às “atitudes atrozes” do presidente da gestão passada, sobretudo durante a pandemia. “A presença de Ricardo Galvão como presidente do CNPq, para além da competência que tem, é também para fazer jus e um contraponto a essa tentativa [de destruição de reputação cometida] contra ele”, disse.

Luciana também fez saber que, após sugestão de seu ministério, Lula tomou a decisão de condecorar novamente os cientistas que tiveram as suas medalhas de Ordem do Mérito Científico canceladas pelo governo Bolsonaro, após publicarem trabalhos que desagradaram ao governo – por exemplo, demonstrando a ineficácia do uso da cloroquina no combate à covid-19. “E também vamos condecorar todos aqueles que, a partir dessa medida, não aceitaram mais a condecoração”, disse a ministra.

Luciana se referia à renúncia que mais de 20 cientistas brasileiros fizeram, em 2021, à medalha de Ordem ao Mérito Científico. A renúncia ocorreu como um agravo do grupo de cientistas ao fato de Jair Bolsonaro ter revogado, por razões ideológicas, a homenagem antes recebida pelo médico e pesquisador Marcus Vinícius Guimarães Lacerda e pela diretora da Fiocruz Amazônia, Adele Schwartz Benzaken. “E isso [as condecorações e recondecorações] a gente vai fazer em alto estilo, no Palácio do Planalto, que deve ser o lugar das brasileiras e dos brasileiros que defendem o país”, disse.

Ao saudar a ministra ao final de sua fala, a reitora da UFMG, Sandra Regina Goulart Almeida, disse que a UFMG está à disposição da ciência e da tecnologia como um projeto de Estado, noção que foi afirmada por Luciana Santos mais de uma vez durante a sua comunicação. Sandra lembrou: “Nós somos um patrimônio do governo brasileiro: 95% da ciência no Brasil é feita nas nossas universidades públicas, principalmente nas federais. E nós já mostramos durante a pandemia que somos imprescindíveis para o nosso país. Estamos, portanto, à disposição da senhora e do governo para o que for necessário”, garantiu.

Quem é Luciana Santos
Natural de Recife, Luciana Barbosa de Oliveira Santos é engenheira eletricista formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Primeira mulher a assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, ela também fora a primeira mulher a ocupar o cargo de vice-governadora de Pernambuco, eleita em 2018.

Luciana começou sua trajetória política na militância do movimento estudantil, em 1984, tendo ocupado, nos anos seguintes, cargos de direção no Diretório Acadêmico (DA) do seu curso, na Diretoria Central de Estudantes (DCE) da UFPE e na União Nacional dos Estudantes (UNE). Com efeito, no fim da sua aula, a ministra teve um encontro com representantes do DCE da UFMG, que lhe presentearam com uma camisa da entidade.

Formada no movimento estudantil, Luciana foi em seguida presidente do Instituto de Pesos e Medidas de Pernambuco (1995-1996), deputada estadual (1997-2000), prefeita de Olinda por dois mandatos consecutivos (2001-2004 e 2005-2008), secretária de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco (2009-2010) e deputada federal por dois mandatos consecutivos (2011-2014 e 2015-2018).

Ao longo dessa carreira, a ministra foi líder do PCdoB na Assembleia Legislativa de Pernambuco e, tanto no Parlamento estadual quanto no Congresso Nacional, integrou e liderou diferentes comissões. Ao mesmo tempo, como informa a sua biografia no site do MCTI, na maior parte dos oito anos de mandato como deputada federal, Luciana foi a única mulher da bancada de Pernambuco no Congresso.

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