Bolsonaro inelegível? Quem é o advogado pernambucano que assina a ação que pode resultar na perda dos direitos políticos do ex-presidente

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11/06/2023

Conforme revelou o blog de Jamildo, neste sábado, nos próximos dias, o professor de Direito Walber de Moura Agra, 50 anos, deve passar para a história como o advogado radicado em Pernambuco, terra natal de Lula, que assinou o pedido de perda de direitos políticos do ex-presidente Bolsonaro, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A tarefa jurídico-partidária, como advogado do PDT Nacional, no próximo dia 22 de junho, jamais passou pela cabeça do matuto de Campina Grande que veio ao Recife para estudar e aos 24 anos acabou se tornando professor na histórica Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), uma das duas mais antigas do Brasil, juntamente com a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Amor ao Recife e Campina Grande

"Cheguei aqui (ao Recife) sem nada, com uma mão na frente e outra atrás e hoje tenho até um sítio em Paudalho, com 86 palmeiras imperiais circundando o açude. Elas representam esplendor, superação e grandeza. Sou baixinho e enfezado. Não me chamem de paraibano, sou de Campina Grande", avisa o pai de Kamilla Agra, 29, filha única de Campina Grande e dele, fazendo lembrar a eterna rivalidade entre bascos e catalães, na Espanha.

"Já Pernambuco é a vivência na qual ainda existe espaço de meritocracia. Eu cheguei aqui assim, eu sou a prova disto. O sonho pernambucano é uma constante em mim", diz. "Recife me deu de vestir, me deu meu sonho, de me tornar grande como as palmeiras de Campina Grande". Na primeira noite na capital pernambucana, sem ter onde morar, dormiu em um hotel barato na Boa Vista.

Vinte e sete anos depois vive em um luxuoso e amplo apartamento na Zona Norte do Recife, onde despontam coleções de peças de arte ao redor do mundo, vinhos caros e um quadro gigantesco feito sob encomenda pela renomada artista plástica Teresa Costa Rêgo (1929-2020). Católico, o ex-coroinha surge na tela fitando, sem corar, três belas jovens nuas. O corpo da mulher é um dos seus temas constantes da pintora, mas um detalhe chama atenção. A artista assina a peça como a própria moça ao centro, única de costas na tela. "É um coroamento meu", diz o empedernido solteiro Agra.

Quando está na capital pernambucana, a sua maior diversão é passear com o cão maltês Turulu. O nome de batismo mesmo é Ertogrul, uma singela homenagem ao fundador do que viria a ser a Turquia). Nos passeios, invariavelmente vai até à Livaria Jaqueira com o amigo fiel para uma tarde de cafeína e leitura. "É um dos maiores prazeres da minha vida".
Pela internet, a paixão mais recente é estudar a guerra na Ucrânia, que acompanha por meio de três sites de notícias internacionais e quatro canais no Youtube. "Estou fissurado na guerra da Ucrânia", pontua.

A produção acadêmica é espantosa, com 15 livros de sua lavra e mais 30 como organizador, muitos citados por todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O livro escrito a quatro mãos com o ex-ministro e ex-presidente do STF Carlos Velloso, sobre Direito Eleitoral, vai para a décima edição. Na maior corte do Judiciário brasileiro, Agra trabalhou um período com a ministra Carmem Lúcia e foi assessor do ministro Ricardo Lewandowski, para quem prepara um artigo em homenagem, depois de sua aposentadoria.

É o segundo pernambucano livre docente na Universidade de São Paulo (USP), aposta que quase lhe tira do juízo perfeito, mas abriu as portas do maior mercado jurídico do País, com pareceres multimilionários. "Passei seis meses sonhando que ia ser reprovado". Além dele, apenas outro professor da Faculdade de Direito do Recife (FDR) conseguiu o mesmo feito. Filho de professores, tem um irmão professor na UFPE e uma irmã professora em uma faculdade de medicina particular no Recife. No Senegal, onde foi passar um mês, virou professor convidado. Também já fiscalizou eleições na Eslovênia e estudou em uma série de países.

Nada estranho para um jovem que tinha raízes bem entrelaçadas em duas famílias, Agra e Moura, com tradições jurídicas por três gerações em Campina Grande. Por parte dos Moura, é primo do ex-governador da Paraíba Ronaldo Cunha Lima (1936-2012).

Neste semestre, seu projeto de vida é dirigir as atenções para a área de Direito e Psicanálise, expandindo a experiência já acumulada em Dreito Constitucional e Direito Eleitoral. "Vou começar a ouvir mais. Meu tesão é fazer pesquisa na universidade", explica o advogado, membro de 14 revistas de Direito Eleitoral pelo País.

Nas eleições, com a ajuda de uma equipe de 25 causídicos, chega a advogar em dez estados da federação, tendo entre seus clientes políticos como o curitibano Rafael Greca, o mineiro Alexandre Kalil, o paraibano Cassio Cunha Lima, o paulista Gabriel Chalita e a mineira Dilma. No plano local, foi coordenador jurídico das campanhas do ex-ministro Armando Monteiro Neto e da ex-deputada federal Marília Arraes, hoje no Solidariedade. "Trabalhei lado a lado com Raquel Lyra (também procuradora do Estado de Pernambuco) e nunca sofri retaliação na Procuradoria do Estado. Sabe o que? Não fujo das quatro linhas. Se em economia sou heterodoxo (nacional desenvolvimentista), no direito sou ortodoxo", afirma, explica que tem ojeriza a fake news.

Não por acaso, na imprensa, o ilustre professor de direito admira o trabalho da jornalista e colunista Thais Oyama. "Ela é foda"

Túlio Gadelha foi a ponte para o PDT Nacional

Brizolista na juventude, o advogado que planejava ser engenheiro elétrico calhou de ser professor do jovem estudante de Direito Túlio Gadelha no Recife. Túlio despontou para a política ainda no PDT, mas hoje é deputado federal pelo partido Rede Sustentabilidade.

"Eu já tinha nome nacionalmente e Túlio me disse "ajuda o partido". Ele me levou até (Carlos) Lupi. Eram dez advogados atuando. Eu advoguei de graça até ser contratado. Fomos tão bem sucedidos, na pandemia, que o PDT foi leading case contra Bolsonaro no Brasil". Hoje a confiança dos caciques é tamanha que Walber Agra virou advogado pessoal de Ciro Gomes e Carlos Lupi, tendo o privilégio de assinar eletronicamente por eles qualquer peça judicial, sem nem consultá-los.

"Como entre as ações havia peças contra Lula e Bolsonaro, o PL dizia que o PDT era linha auxiliar do PT e o PT dizia que o PDT era linha auxiliar de Bolsonaro", lembra. Entre as ações mais ruidosas, estava uma que pedia a obrigatoriedade das vacinas, tema caro a Bolsonaro e seus seguidores mais fieis, além de outra que defendia as prerrogativas dos Estados contra União, que o bolsonarismo usou para atacar o STF, ao decidir pelo respeito à federação. Na conta das ações judiciais, entrava ainda uma ação no STF sobre a regulamentação das Forças Armadas, no tempo da famigerada fake news em torno de uma leitura enviesada do artigo 142.

Nesta labuta jurídica, chegou a criar o neologismo "desordem informacional" contra o sistema democrático, antes mesmo do aparecimento da chamada minuta do golpe.

Ameaças de morte recebidas pelo celular

Com a exposição que o TSE lhe trouxe, o presidente nacional do PDT chegou a cogitar pedir a Lula proteção da Polícia Federal, mas ele recusou. Agra conta que as ameaças chegam pelo WhatsApp. "Tenho medo? claro, sou humano, mas é meu mister, faz parte dos riscos da profissão, eu sigo à risca o imperativo categórico kantiano da democracia (dever moral). Não sou um Torquemada nem um Savanarola, mas vou cumprir a minha missão como cidadão. Contra a barbárie, deixo de lado o sentimento egóico e penso na coisa pública".

Um pequeno parênteses: Tomás de Torquemada foi um frade dominicano espanhol, nomeado como inquisidor pelo papa Inocêncio VIII e um dos mais temíveis representantes da Inquisição. Girolamo Savonarola foi um padre dominicano e pregador na Florença renascentista que ficou conhecido pela destruição de objetos de arte e artigos de origem secular e seus apelos de reforma da igreja católica.

"O que vou ganhar com isto? Já sou conhecido no meio jurídico e o aplauso da patuleia não me interessa. Não estou fazendo isto pelo indivíduo Walber Agra, mas pensando no coletivo". Neste percurso, Agra conta ter enfrentado até pressões financeiras. Um empresário cujo nome não revela chegou a oferecer R$ 5 milhões para que ele não atuasse mais no caso de Bolsonaro.

Neste momento, no entanto, a principal preocupação do advogado é com a defesa oral que fará de suas alegações contra Bolsonaro no púlpito do TSE, enfrentando o advogado Tarcísio Vieira, ex-ministro do TSE, advogado da campanha de Bolsonaro que defendeu legitimidade de ataques do presidente contra urnas e a Justiça.

"Confio no meu veneno, fermentado na escola de oradores como Ronaldo Cunha Lima e Vital do Rego (político, escritor, professor e advogado brasileiro que foi deputado federal pela Paraíba por 3 mandatos. Morreu no Recife em 2010). Sei o que é oratória, vou ser combativo e o que posso adiantar é que vai ter trechos de Ensaios sobre a Cegueira (José Saramago) misturados com a música Vai Passar (de Chico Buarque)".

"Estou ciente do meu papel histórico, não vou fazer m..... Vou honrar a cidadania brasileira. Qual a lição que fica? Dá para fazer um trabalho honesto. A certeza do dever moral é um fazer que ninguém me tira, seja como advogado ou cidadão, mesmo que o sentido de sociedade esteja um pouco antiquado no dias atuais".

Sonho de vida

Para manter a forma, com o corpo e a mente saudáveis, Walber Agra corre na esteira quatro vezes por semana. Faz fácil dez quilômetros por dia. "Meu sonho hoje é envelhecer acompanhado, tendo tempo para estudar e espantar a mediocridade". Enquanto isto, vai apreciando com volúpia seus bons vinhos italianos e franceses, prazer que adquiriu ao morar em Firenze e Bordeaux para mestrado e pós-doutorado. No próximo dia 22 de junho, se tudo correr como imagina, promete abrir uma exceção. Vai abrir uma champanhe. Longe do Recife ou Campina Grande.

 

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