Comunidade LGBTQIA+ usa mais aplicativos de relacionamento do que heterossexuais, revela pesquisa; entenda

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9/7/23

O servidor público Pedro, que tem 56 anos e é homossexual, busca um par há cerca de cinco ou seis anos em aplicativos de relacionamento para pessoas da comunidade LGBTQIA+, como o Grindr e o Hornet. Ele admite que até o momento só teve encontros casuais, porque era o que as pessoas que conheceu virtualmente buscavam, mas ainda não desistiu de ter um relacionamento sério.

Pedro (nome fictício) acha mais fácil usar os aplicativos para conhecer pessoas do que fazer isso pessoalmente, apesar de sentir falta de conversar com quem esbarrou por acaso em um shopping ou café, por exemplo. No entanto, o servidor conta que mesmo nos bares e baladas gays em São Paulo, onde vive, muitas vezes ele olha em volta e as pessoas ao redor estão nos aplicativos, que contam com serviços de geolocalização para mostrar quem está disponível por perto.

O Grindr, aplicativo mais popular entre homens LGBTQIA+, também é tendência entre seus conhecidos.

— Tenho amigos que vivem direto no aplicativo, que têm um relacionamento sério e procuram uma terceira pessoa, ou buscam relacionamentos, encontrar alguém para sair, transar. As pessoas preferem pela praticidade. Não precisa trocar número de celular, você pode bloquear o outro— diz ele, que costuma usar o serviço de dois a três dias por semana.

Um levantamento com 20 mil pessoas em nove países, feito pelo aplicativo de relacionamentos Bumble, mostrou que 53% dos solteiros da comunidade LGBTQIA+ estão presentes nas plataformas de encontro e namoro online, ante 40% dos heterossexuais.

O pesquisador de pós-graduação em comunicação da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e do MediaLab UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Paulo Faltay explica que esses sites e aplicativos se mostram como uma espécie de “espaço seguro” para pessoas da comunidade LGBTQIA+.

— O espaço público e seus discursos sempre estiveram marcados por uma ideia de heterossexualidade compulsória, que não só valoriza, mas pressupõe a experiência heterossexual e cisgênero como a única normal — afirma. — O espaço público sempre ofereceu risco para a comunidade, dada a possibilidade de violência e constrangimento. Já nos sites e aplicativos, há o anonimato e a possibilidade de você escolher o quanto quer se mostrar.

Muitas pessoas não se identificam no Grindr, por exemplo. Tem usuários que escondem o rosto e exibem apenas partes do corpo e há quem não coloque nem o nome, apenas o que busca: “sou ativo”, “procuro relacionamento sério”, ou “casal que quer mais um, sem envolvimento”.

— Existe essa tendência entre pessoas LGBTQIA+ de formação de comunidades e comunidades específicas para determinados interesses sexuais nos espaços online, o que já existia no mundo físico, como em bares, boates e festas, que eram a construção desse ambiente seguro de sociabilidade — explica Faltay. — O que os aplicativos fazem é aprofundar isso, até pela própria interface. Você pode escolher o que quer revelar, pode preencher o que quiser. Foto, nome, idade, altura, etnia, o que você procura, qual o seu status de relacionamento, posição sexual, ou algum tipo de fetiche.

O estudante de arquitetura Rafael (nome fictício), de 22 anos, do Rio, relata que quando começou a usar os aplicativos, se apresentava com um emoticon de escorpião ao lado do seu nome, por ser o seu signo. No entanto, um dia descobriu que o símbolo funcionava como uma espécie de código no mundo virtual para pessoas com ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) que buscavam “carimbar” parceiros com a doença.

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Ele conta que também existem outros códigos. “Sem capa” para sexo sem camisinha. Raio para usar cocaína e uma folha para usar maconha, entre outros.

Timidez e segurança

O estudante conta que começou a usar os aplicativos aos 16, quando ainda não tinha se assumido homossexual para a família e seus colegas. Ele diz que acha muito mais fácil se aproximar de outros homens virtualmente, e explica que buscou as plataformas para conhecer pessoas diferentes, fora do seu círculo social, com quem normalmente não teria contato.

— No processo de descoberta do gênero e da sexualidade, pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+ têm poucos lugares para encontrar pessoas similares e saber mais sobre o tema, principalmente adolescentes, e os aplicativos conseguem dar essa oportunidade — explica o fisioterapeuta pélvico do ambulatório de sexualidade humana da UFRJ Alberto Bona. — O mundo online pode deixar uma pessoa muito mais aberta para se expressar. Isso acaba facilitando esse processo de afirmação da identidade.

Mas o espaço que parece seguro também pode ser tóxico. O culto à aparência e ao corpo perfeito presente nas redes sociais e nos aplicativos de relacionamento, onde homens exibem seus corpos, certamente afeta negativamente as pessoas com baixa autoestima, avalia Bona. Além disso, antes dos encontros, é comum a troca de fotos, o que pode resultar em respostas negativas ou inesperadas.

— No aplicativo também existe violência, como a reprodução de um machismo com um caráter homofóbico, quando como um homem homossexual é mais ou menos feminino, por exemplo. O aplicativo reproduz o que a sociedade é — afirma o doutor em comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Eduardo Bianchi.

O estudante Rafael confessa que sempre esconde um estilete embaixo da cama ou na bolsa quando vai se encontrar pela primeira vez com alguém que conheceu no aplicativo.

— Já escondi estilete e faca. São paranoias, mas acontece muito nesses aplicativos de terem pessoas mal intencionadas, que buscam cometer violência contra gays — afirma.

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