Derramamento de óleo no Nordeste completa 4 anos sem punição nem reparação

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13/09/2023

O início do maior desastre ambiental que atingiu a costa brasileira completa quatro anos nesta quarta-feira (30) sem punição dos responsáveis, restituição ao governo brasileiro nem reparação das comunidades atingidas.

As primeiras manchas de óleo começaram a chegar às praias brasileiras em 30 de agosto de 2019. Desde então, foram recolhidas 5.300 toneladas de óleo em 1.013 localidades dos nove estados do Nordeste, Espírito Santo e Rio de Janeiro, em um trabalho que envolveu um batalhão de voluntários.

Homem segura peixe perto de mancha de óleo na areia da praia
Óleo na praia do Viral, em Aracaju, em outubro de 2019; pescadores da região foram afetados - Raul Spinassé - 10.out.2019/Folhapress
O espalhamento do óleo em um trecho de cerca de 2.000 km do litoral brasileiro atingiu pescadores, marisqueiras, além de empresas e funcionários do segmento turístico, que amargaram prejuízos por cerca de um ano.

"Foi um grande crime ambiental e até hoje não tivemos reparo nenhum. O pessoal da pesca artesanal ficou um bom tempo passando necessidade. Ficamos sem pescar porque ninguém queria consumir", afirma a pescadora Joana Rodrigues Mousinho, 67, integrante da campanha Mar de Luta.

Moradora de Itapissuma, litoral norte de Pernambuco, Joana acompanhou de perto o impacto do derramamento de óleo, que atingiu praias, rios e estuários que são berçário de espécies de plantas e animais. Ela lembra que foram os próprios pescadores os primeiros a limpar as praias mesmo sem acesso a equipamento de proteção.

Isso porque o plano de contingência foi acionado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) somente 43 dias após o início da chegada das manchas à costa. A partir daí, a retirada do óleo começou a ser feita de forma coordenada por Forças Armadas e Petrobras, além de órgãos federais, estaduais e municipais.

Manchas de óleo na areia com pescadores segurando redes ao fundo
Óleo na praia do Viral, em Aracaju, em outubro de 2019; pescadores locais foram prejudicados em desastre ambiental - Raul Spinassé - 10.out.2019/Folhapress
Mesmo com o recolhimento, os moradores permaneceram convivendo com os efeitos do óleo nas praias. O volume de pescado encontrado diminuiu, assim como de mariscos como sururus e ostras. "O que a gente pesca não dá para sobreviver direito", diz Mousinho.

Nesta terça-feira (29), um grupo de vítimas do derramamento de óleo, reunido na campanha Mar de Luta, fez um protesto em Brasília para cobrar justiça e celeridade nas indenizações. Os manifestantes foram recebidos por representantes da Secretaria-Geral da Presidência e ouviram promessas de apoio.

Levantamento do Comitê SOS Mar, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), aponta que ao menos 350 mil trabalhadores ligados à atividade pesqueira foram atingidos pelo desastre ambiental.

Houve redução da densidade populacional das espécies e aumento de doenças em corais nas regiões atingidas pelo óleo, aponta pesquisa conduzida pelo biólogo Francisco Kelmo, diretor do Instituto de Biologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

A perda da biodiversidade chegou a quase 80% em quatro regiões pesquisadas. O número de espécies vivas em um espaço de 35 m2, que era de 88 antes da chegada do óleo, caiu para 17 em julho de 2020.

A densidade populacional das espécies também baixou de forma vertiginosa. Eram 446 indivíduos vivos a cada 35 m2 de praia, antes do óleo, número que caiu para 74 em julho de 2020. O branqueamento dos corais, que revela que eles estão doentes, chegou a 86% após o derramamento do óleo.

Quatro anos depois, a regeneração da população de invertebrados foi de 45% nas praias estudadas. O patamar é considerado discreto por Kelmo. A expectativa, diz o pesquisador, é que serão necessários ao menos dez anos para a retomada do cenário anterior ao desastre.

"Algumas espécies ainda não retornaram a essas praias, por isso a perda de biodiversidade. Temos ainda uma readaptação das teias alimentares que tem causado um certo empobrecimento no local, inclusive afugentando peixes de porte maior utilizados na culinária e na renda dos pescadores", diz.

As investigações da Polícia Federal apontaram o navio petroleiro NM Bouboulina, de bandeira grega, como o responsável pelo lançamento do óleo.

A empresa, o comandante e o chefe de máquinas do navio foram indiciados por crimes de poluição, descumprimento de obrigação ambiental e dano a unidades de conservação brasileiras. Ao todo, 14 unidades de conservação foram atingidas.

Voluntário mostra caranguejo sujo de óleo em 2019
Voluntário mostra caranguejo sujo de óleo em praia de Cabo de Santo Agostinho (PE) em 2019 - Diego Nigro - 20.out.19/Reuters
Um laudo produzido por peritos da Polícia Federal estimou em R$ 525,3 milhões os danos causados pelo vazamento. O valor ainda deve ser atualizado quando for cobrado dos responsáveis e não representa a integralidade da estimativa

O inquérito foi remetido para o Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte, que desde então tem a tarefa de aprofundar as apurações sobre o caso e ainda não apresentou denúncia à Justiça. Procurada, a Procuradoria disse que a investigação corre em sigilo.

Depois de quatro anos, o óleo segue chegando ao litoral brasileiro em pequenas quantidades com a movimentação das marés e correntes marítimas, causando prejuízos para as comunidades tradicionais que vivem do mar.

Em junho de 2020, o óleo foi achado em praias de Pernambuco e Alagoas. Em agosto de 2021, em Fernando de Noronha. Já em agosto do ano passado, foram encontrados fragmentos em praias da Paraíba e de Pernambuco. Em outubro, novos fragmentos surgiram no litoral sul da Bahia.

Marcelo Laterman, porta-voz de oceanos do Greenpeace Brasil, afirma que o episódio serve de alerta para os impactos que o petróleo pode causar na natureza, na população e na economia.

"Manter a memória deste crime e seus impactos brutais é fundamental para que o país não volte a repetir os mesmos erros que atentam à sobrevivência dessas pessoas", afirmou.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atualmente discute a autorização para prospecção e exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, região considerada sensível do ponto de vista ambiental.

A medida provocou uma divisão no governo, opondo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o titular das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Em maio deste ano, o Ibama negou um pedido feito pela Petrobras para perfurar um poço com o objetivo de pesquisar petróleo na região.

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