Prejudicado na pandemia, processo de alfabetização vai além de reconhecer letras e formar palavras |
08/11/2022 O ensino remoto, adotado durante uma parte da pandemia, foi uma alternativa à interrupção das aulas presenciais devido à Covid. Entretanto, o formato pela internet trouxe grandes desafios às famílias, especialmente as que tinham crianças pequenas sendo alfabetizadas. Por causa disso, segundo especialistas, esse processo foi prejudicado amplamente (veja vídeo acima). Em Pernambuco, as aulas foram suspensas no dia 18 de março de 2020. Para os estudantes de redes municipais, as escolas só foram autorizadas a retomar em abril de 2021. Mesmo assim, cada cidade montou o próprio cronograma de retomada. Em algumas delas, como em Paulista, no Grande Recife, isso só começou a ocorrer em março de 2022, após determinação judicial.
A professora Fernanda Oliveira, por exemplo, trabalha na rede municipal de Olinda. Ela ensina crianças em processo de alfabetização e contou que a defasagem foi devastadora. Nem todos os alunos tinham acesso à internet, e a maioria dos que tinham precisava disputar os aparelhos com irmãos, também em idade escolar.
A realidade de Fernanda não é a vivenciada por Marcela Wanderley, também professora, mas da rede privada. Isso não significa, no entanto, que o período não tenha sido desafiador e que frustrações não tenham ocorrido durante o período de aulas online. "A alfabetização é um processo global. Desde muito antes de chegar ao ensino fundamental, tanto na escola quanto em casa, quando a gente oferece os estímulos para as crianças, elas já estão dentro desse processo, através de adquirir as habilidades que a gente chama de habilidades preditoras para essa alfabetização. Na pandemia, esse trabalho foi compartilhado com as famílias", disse Marcela. A psicóloga Tathiana Almeida sentiu isso na pele quando teve que começar a ajudar o filho nas aulas online. Ela brinca dizendo que, antes, com a alfabetização das filhas maiores, pensava que esse processo ocorresse de forma quase automática, ou "por osmose". Com a pandemia, essa visão mudou.
Para a professora Catarina Gonçalves, doutora em educação e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (), não há como negar o prejuízo à aprendizagem das crianças na pandemia. Por isso, ela aponta que é preciso reconhecer o período pandêmico dentro do currículo escolar, para, assim, tentar suprir as necessidades dos alunos. "Nesse momento, o que a gente precisa é investir fortemente em reorganização curricular, porque a gente não pode seguir em frente como se esses dois anos [da pandemia] não tivessem acontecido. Tem uma série de pesquisas mostrando, por exemplo, que, do ponto de vista da aquisição de vocabulário, as crianças tiveram defasagens enormes", explicou Catarina. O que é alfabetização? As professoras comentaram que existe uma pressão das famílias para que as crianças aprendam a ler e escrever, mas que, por outro lado, não há uma compreensão do que é se alfabetizar. Catarina Gonçalves afirmou que a alfabetização precisa ser vista como um processo em que a pessoa se torna capaz de refletir e de pensar sobre essa língua, e não como uma simples transmissão. "Isso envolve, também, o contexto de apropriar-se desse sistema de escrita alfabético, mas hoje a gente insere, junto, o contexto de letramento. É preciso, também, não só saber ler e escrever, mas ler e escrever em situações específicas, fazer uso de forma autônoma e crescer através dessa apropriação que Paulo Freire já nos ensinou há bastante tempo, que a leitura do mundo precede a leitura da palavra", contou Catarina.
"Durante a pandemia, pessoas sem nenhuma formação precisaram assumir, emergencialmente, uma atividade para a qual não foram formadas. A gente precisa desconstruir essa ideia de que é o volume de tarefas que as crianças fazem. A gente tem que se preocupar com a qualidade da reflexão que elas estão fazendo, com os jogos que elas estão brincando, porque o que vai ajudar a criança nesse processo de alfabetização são as experiências qualitativas que elas têm de pensar sobre a língua", disse Catarina. Recomposição "Nesses primeiros anos pós-pandemia, a gente precisa de identificação desses problemas, dessas dificuldades de aprendizagem, e de afinamento com essas famílias. Porque as famílias nunca estiveram tão perto das dificuldades de aprendizagem dos seus filhos", declarou Pollyanna.
"A escola tem que ser entendida como uma comunidade, então a criança tem que ser ouvida. Nos seus prazeres, no que gostam, no que gostam de brincar, mesmo pequenos. E é isso que tem que construir essas competências, essas habilidades. Isso tem que ser levado para a sala de aula, e os pais têm que participar disso, de toda essa construção, dessa adaptação curricular. Não é uma adaptação, de fato, formal, mas é uma adaptação para que a aprendizagem, de fato, ocorra, para que essa alfabetização de fato ocorra", explicou Pollyanna. |