Funk carioca ganha espaço fora do Brasil em parcerias que vão de Drake à grife francesa Chanel

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10.11.2019

RIO — Grande fenômeno da era do streaming, o rapper canadense Drake deu às suas páginas nas plataformas digitais um jeito — e um ritmo — bem brasileiros na última quarta-feira. Ele lançou, por seu selo OVO Sound, um remix do funk 150 BPM “Ela é do tipo”, de Kevin o Chris, em que basicamente canta o primeiro verso da faixa e faz duetos no refrão, mas mantém o protagonismo do MC carioca.

— A Anitta tem uma playlist para mostrar os funks para os gringos. O Drake se amarrou na minha e começamos uma conversa. Ele gostou tanto de “Ela é do tipo” que manteve a base original da música. Foi irado ouvir o Drake cantando em português “Vai rebola pro pai” — comemora o funkeiro de 21 anos, que mostrou a novidade na gravação de seu primeiro DVD, quinta-feira, no Rio.

Conhecido não só por hits que acumulam bilhões de reproduções mas também por estudar e apresentar tendências, Drake mostra que está de olho nos timbres e na popularidade do funk. E ele não é o único. O próprio Kevin o Chris já tinha feito um barulho e tanto ao roubar a cena no show do americano Post Malone, outro rapper de sucesso desta década, no festival Lollapalooza, no primeiro semestre.

Na semana passada, a grife francesa Chanel apresentou a campanha global de um dos seus perfumes de maior sucesso tendo como trilha... um funk bem brasileiro. E a estrela pop Rihanna tem tocado (e elogiado) nos desfiles de sua grife de lingerie Savage x Fenty o funk “Malokera”, da carioca Ludmilla, que conta ainda com o funkeiro MC Lan e dois americanos: o produtor Skrillex e o rapper Ty Dolla $ign.

— Estamos em um dos melhores momentos em termos de visibilidade do funk, tanto nacional quanto internacionalmente. O preconceito ainda existe, mas estamos cada vez mais atingindo lugares e pessoas — comemora Ludmilla, que também já gravou com Snoop Dogg (“Onda diferente”) e, recentemente, esteve em Nova York para gravar um funk com a estrela Cardi B, primeira mulher a ganhar o Grammy de melhor álbum de rap.

Mais popular na ‘gringa’
A internacionalização do ritmo nascido há 30 anos, no Rio, com o disco “Funk Brasil”, do DJ Marlboro, já é provada em dados. Segundo dados do Spotify, plataforma de streaming mais popular do mercado, o funk é o gênero brasileiro mais ouvido em países estrangeiros, superando com folga a música eletrônica e o sertanejo, o recordista no mercado interno.

Para GG Albuquerque, jornalista, mestrando da UFPE e pesquisador das relações do funk com a internet, a intensificação da ponte entre o batidão brasileiro com a música pop americana é fruto de elementos como o salto criativo que o gênero deu na última década, com procedimentos de produção mais refinados, e também de “uma certa mímese do funk ao se encaixar em certas linhas de mercado e estéticas americanas, de forma consciente”:

— E o centro sempre precisa da periferia para se renovar criativa e esteticamente. Ele se alimenta dessas explosões de criatividade que nasce nas bordas do mainstream. Tanto em nível local, como quando o funk se alimentou do 150 BPM, que surgiu no underground, como em nível global, quando a indústria pop mundial passou a pegar influências do dancehall jamaicano e do reggaeton. Agora, usam o funk nesse sentido.

O modelo do reggaeton, ritmo popular hegemônico na maioria dos países latinos que transformou-se em fenômeno global, é constantemente citado como norte por aqueles que impulsionam o funk para esse salto global. O grande nome nesse sentido é, claro, a carioca Anitta, que trabalha como uma espécie de embaixadora, usando suas conexões internacionais e a visibilidade que ganhou nos últimos anos para apresentar o gênero ao mundo.

Na festa que deu em sua casa após o Rock in Rio, por exemplo, ela convenceu o cantor e produtor Will.I.Am, do Black Eyed Pead, a não ir embora exatamente para ouvir sua seleção de funks. Horas depois, ele saiu de lá convencido a gravar uma nova parceria com Anitta usando aquela que chamou de “música do futuro”.

— São mais de quatro anos que viajo apresentando o funk para todo artista, produtor e compositor que eu conheço (risos) . O brasileiro tem mania de não valorizar o que é seu, e percebi que o funk só teria o devido valor quando os gringos dessem atenção. Mas é um trabalho de formiguinha. Quanto mais gente fazendo, mais forte fica a presença do funk lá fora, como aconteceu com o reggaeton. O (cantor colombiano) J Balvin foi o grande precursor, mas também abriu portas para outros — lembra Anitta, dona de um extenso portfólio de parcerias internacionais.

Produtor do hit “Onda diferente”, de Ludmilla, Anitta e Snoop Dogg, o carioca Papatinho também tem circulado muito fora do Brasil e observado o aumento do interesse do mercado internacional pelo ritmo brasileiro:

— A procura pelos timbres de percussão do funk por artistas gringos é cada vez maior. Eles gostam da ideia de ter um som que toque no Brasil, essa fantasia. Eu boto um tambor de funk numa batida de trap e os caras já querem gravar clipe no Brasil (risos) . A virada é questão de tempo.

 

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