Juiz federal diz que Reforma da Previdência é excludente

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21/10/2017

Depois de aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em maio, a Reforma da Previdência aguarda uma trégua política para ser votada no plenário. Na semana passada, o projeto do governo federal que pretende colaborar com o ajuste nas contas públicas foi tema de discussão no I Congresso Interdisclinar de Direito - Congrid, organizado pelos alunos do curso de Direito da Universidade Salgado Filho. O juiz federal e professor de Direito da UFPE Flávio de Lima, palestrante no evento, conversou com a Folha sobre o que considera ser uma iniciativa falha e desequilibrada, baseada nos padrões de países desenvolvidos, que têm expectativa e qualidade de vida superiores às do Brasil. Para Lima, "falta diálogo com a sociedade".

Por que a Reforma da Previdência encontra mais resistência popular do que a Reforma Trabalhista encontrou?

Dentro de uma noção de Estado Social, a Previdência tem um apelo muito forte. Em 70% dos municípios do interior, por exemplo, no Brasil de uma forma geral, os valores pagos em benefícios previdenciários e assistenciais superam o valor pago a título de Fundo de Participação dos Municípios. Se você reduzir muito a possibilidade dessas pessoas obterem o benefício previdenciário, vai trazer um impacto econômico enorme.

Ao mesmo tempo, é uma estrutura que não se sustenta. Como reformar a Previdência, então, para evitar que ela "quebre"?

Eu acredito, sim, que a Previdência tem tido uma carga de despesas incompatível com as receitas. Mas você não pode colocar a culpa toda no sistema previdenciário, quando os recursos recolhidos para Previdência, Assistência e Saúde vão todos para um cofre único, que chamamos de Seguridade Social. O que me parece incontestável é que essa conta não está esclarecida. Outro ponto é que não pode haver reforma apenas do lado de quem recebe benefício. Tem que acontecer também do lado da fiscalização, para evitar sonegação. Falta equilíbrio. De tempos em tempos, o governo sinaliza para as empresas “olha, por que você está recolhendo [os impostos da] Previdência se, de vez em quando, vem um Refis e libera suas multas e juros? É melhor não recolher”. Esse tipo de sinalização é ruim. Infelizmente, sabemos que outras questões estão envolvidas, e que, de certa forma, a reforma é usada como moeda de troca para conseguir benefícios políticos.

Esse desequilíbrio é a principal falha do projeto?

Temos vários problemas. A mudança da aposentadoria dos trabalhadores rurais, por exemplo, estabelecendo que eles terão que contribuir mensalmente - para o trabalhador rural não é fácil conseguir 5% do salário mínimo para contribuir. Além do que, tudo bem, a reforma resguarda o trabalhador rural, mas os trabalhadores que erguem prédios, que trabalham com força física na cidade, continuam precisando de 25 anos de trabalho. Outro ponto é a modificação da aposentadoria especial. Imagine alguém que trabalha no subsolo, que aspira ares contaminados.

Será que essa pessoa vai conseguir trabalhar até no mínimo 55 anos?

Hoje, em determinadas situações, ela pode se aposentar com 15 anos de contribuição, sem idade mínima. Eu tenho dúvidas se isso foi examinado com o cuidado devido. A verdade é que utilizamos um padrão de reforma de países desenvolvidos, inconcebível. A idade mínima de 65 anos para o homem brasileiro é elevada, considerando nossa expectativa de vida. Membros do governo dizem que devemos considerar a sobrevida [que estima quantos anos a pessoa viverá a partir de qualquer idade, e que, no Brasil, é bem próxima à dos países europeus. Eu discordo.

Falta comunicação do Estado com a população impactada pelas mudanças?

Falta diálogo com a sociedade, tempo de maturação para que as pessoas pudessem apresentar suas impugnações legítimas, mas eu penso que não é apenas comunicação. Faltou mesmo um aprofundamento dos estudos. Como é que não se faz uma avaliação do impacto da reforma na economia dos municípios? Você não pode apresentar redução de despesas que vai impactar fortemente a população sem justificativa nem repercussão.

Quantas pessoas não se aposentarão se a reforma for implantada?

A reforma deveria ser um aperfeiçoamento do sistema, mas não é. É uma reforma excludente. Um levantamento, nos últimos anos, mostrou que, dos aposentados por idade, menos da metade conseguiu chegar a 25 anos de contribuição. No cenário ideal, o projeto não passaria esse ano, para se tornar objeto de discussão com os candidatos à Presidência da República, em 2018.

Sob a ótica do empresário, diz-se que é difícil empreender no Brasil. Um dos fatores para isso é a baixa produtividade do trabalho. A reforma da Previdência pode ser pensada como ferramenta para aumentar a produtividade?

Em momento algum a Reforma toca na produtividade. A produtividade tem a ver com melhor qualificação do trabalhador, com melhorias na educação de forma geral, no sistema de transporte, moradia e saúde. A Reforma não tem nada disso. O ensino fundamental tem que melhorar, no Brasil. É lá que o menino e a menina aprendem a ler e fazer contas. Se faz essas duas coisas bem, ganha a possibilidade de se desenvolver de forma autônoma.

 

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