Governo de PE é acusado de interferência política em Conselho sobre Drogas

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07/06/2018


Criado para auxiliar e fiscalizar o governo do Estado no que se refere à criação e aplicação de políticas públicas, o Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas (Cepad) enfrenta a que vem sendo considerada a sua maior crise desde que foi instalado, em 2004. Reformulado este ano para abrigar um número paritário de 11 representantes do governo e 11 da sociedade civil, os 22 conselheiros tomam posse, nesta quinta-feira (07), às 14h, num cenário de indefinição em relação aos rumos da entidade. Alguns membros que serão empossados, ligados ao governo do Estado, têm relatado que estão sofrendo pressão para votar na candidata Rawilsean Calado, diretora-presidente da comunidade terapêutica Saravida, ligada à vereadora do Recife Michele Collins, para a presidência da instituição.

“Estamos sendo pressionados pelo governo -- por funcionários da Casa Civil e da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude -- para votarmos na representante da comunidade Saravida. O Cepad sempre foi independente e eu, até hoje, atuei com autonomia. Há pouco mais de uma semana, começamos a sofrer interferências. Alguns servidores com cargos comissionados foram ameaçados até de perder o emprego”, relata uma das integrantes do Conselho, indicada pelo governo do Estado, que preferiu não se identificar.

Gerente de Conselhos e Mediação de Conflitos da Secretaria de Desenvolvimento social, Josenildo Sinésio nega que haja qualquer ingerência do governo em relação ao voto dos conselheiros, embora reconheça que há uma preferência da gestão estadual pelo nome da conselheira indicada pela vereadora Michele Collins. “É importante esclarecer que o assento no Conselho não é pessoal, mas institucional. O conselheiro está representando o governo do Estado. A nossa orientação e preferência foi colocada, mas sem nenhuma ameaça. O voto inclusive é secreto”, reforça o gerente. “O governo vai trabalhar com qualquer uma das candidatas que for eleita para a presidência, ambas têm legitimidade e qualicação para ocupar o cargo. Em ano eleitoral, qualquer movimentação pode acirrar os ânimos”, defende Josenildo.

Segundo a fonte ouvida pela reportagem, Rawilsean é uma pessoa que tem muita ligação com o trabalho das comunidades terapêuticas, mas pouca experiência a respeito do conjunto de práticas e de políticas públicas que regem o setor. “Ela não tem a autoridade esperada para liderar o Conselho”, acredita. Além disso, outro ponto levantado pela funcionária estadual é a fiscalização das verbas repassadas pelo governo para entidades que atuam na prevenção e no tratamento dos usuários. Entre essas organizações, estão justamente as comunidades terapêuticas, que seriam inspecionadas por um representante delas mesmas. “A fiscalização é realizada pelo conselho como um todo. A presidente não vai se fiscalizar sozinha”, rebate Josenildo Sinésio.

Formada em administração de empresas, Rawilsean está há dois anos à frente da Saravida. Embora reconheça as diferenças entre as visões das comunidades terapêuticas e de outras entidades que atuam na questão das drogas, ela afirma que, na presidência do Cepad, estará à disposição de todos os membros. “Não é no individualismo, mas na união que podemos ajudar aos usuários de drogas”, destaca. Sobre a fiscalização das verbas, Rawilsean reforça o discurso de Josenildo e diz que não executará a tarefa sozinha. “As visitas são feitas com outros conselheiros. Podemos auxiliar instituições em questões estruturais e metodológicas, observando não apenas o emprego dos recursos, mas também o fortalecimento das políticas públicas”, afirma.

Risco à pluralidade

Entregar a presidência do Cepad para uma representante das comunidades terapêuticas apresentaria dois problemas fundamentais, segundo os críticos da proposta. Além da fiscalização do dinheiro público repassado a entidades parceiras que integram a rede de assistência, também se questiona se o conselho terá autonomia para aplicar políticas públicas baseadas numa visão mais plural do que deva ser o tratamento de pessoas que fazem uso prejudicial de álcool e drogas.

Para o psicanalista e psiquiatra Evaldo Melo, ex-secretário de Saúde do Recife, ex-presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria e da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e Outras Drogas, o maior risco para o Cepad, neste momento, é a exclusão de um debate plural sobre o encaminhamento das políticas públicas para o setor, tornando a instituição refém de uma visão pouco democrática.

“Nenhum programa se sustenta, do ponto de vista técnico, se só prevê como tratamento ‘orar e trabalhar’ (foco das comunidades terapêuticas). Não se trata de ser a favor ou contra a comunidade terapêutica, que no passado surgiram no vácuo das políticas públicas, mas contra um pensamento hegemônico numa entidade que deve ser múltipla e diversa, que deve abrir espaço para a convivência de pontos de vista complementares na atenção aos usuários de drogas”, pontua o psiquiatra.

Instituto Raid

Fundador do Instituto Raid, referência em Pernambuco no tratamento da dependência química, Evaldo atua nesta área há 47 anos. O médico, que já ministrou cursos para profissionais de comunidades terapêuticas, comenta que várias destas instituições aliam técnicas da área de saúde a métodos religiosos, pautando-se por condutas éticas. Entretanto, ela lembra também que alguns destes centros se utilizam de recursos que não são recomendados pelas normas de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS). “Há comunidades que já foram fechadas por aplicarem maus tratos como forma de castigar os pacientes. São os novos manicômios, que praticam tortura física e psicológica”, destaca.

Além da candidatura da representante da Saravida, também está colocada a da psicóloga Priscila Gadelha, membro do Conselho Regional de Psicologia e redutora de danos. Para ela, uma das questões fundamentais da atuação do Cepad é pensar no conjunto de órgãos da rede de assistência dos usuários de álcool e drogas. “Cabe ao conselho atuar para que todas as entidades envolvidas no atendimento aos usuários cumpram seu papel, com garantias de assistência social, saúde, segurança pública, etc. Muitos desses pacientes não precisam de internação, mas de cidadania e de acesso à rede de atenção. Vários dos pacientes são rejeitados pelos serviços públicos de saúde, o número de atendimentos dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foi reduzido, os consultórios de rua foram encerrados em Jaboatão, em Olinda e sofreram cortes na quantidade de equipes no Recife. Essas questões precisam ser tratadas pelo Cepad”, enumera.

Para Priscila, o problema das comunidades terapêuticas, que atuam no viés da conversão religiosa, é levar a discussão para “apenas um único lado”. “Precisamos de um debate muito mais amplo. Nosso papel é também garantir que sejam cumpridas as políticas públicas já previstas pelo SUS. Precisamos atuar para que se tornem uma realidade”, defende.

Entre algumas entidades que integram o Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas, estão a Secretaria Estadual de Saúde, de Educação, Defesa Social, a Universidade de Pernambuco (UPE), todas ligadas ao governo. Também têm assento a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Conselho de Serviço Social, Conselho de Enfermagem, além de três comunidades terapêuticas e duas associações de usuários de drogas.

 

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