Maurício Rands: Sociedades Unipessoais no Direito Empresarial Brasileiro

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03/04/2017

 

No direito brasileiro, as pessoas jurídicas de direito privado, de acordo com o sistema do Código Civil de 2002 – Lei 10.406/2002, estão definidas taxativamente em seu art. 44: associações, sociedades, fundações, organizações religiosas (Lei nº 10.825/ 2003), partidos políticos e empresas individuais de responsabilidade limitada – EIRELI (Lei nº 12.441/ 2011). As sociedades, desde o CC de 2002, são de duas espécies. De um lado, as sociedades simples exercem atividade econômica sem fins lucrativos. São as que substituíram as sociedades civis do Código Civil de 1916, embora os respectivos conceitos não coincidam inteiramente. De outro, as sociedades empresárias são as que exercem atividade econômica com finalidade de lucro.

As teorias mais tradicionais veem nas sociedades apenas o aspecto do contrato entre os sócios. Nosso CC consagra o contratualismo nos art. 981 e 982, que definem o contrato de sociedade. Recentemente, teorias mais sofisticadas sobre o fenômeno societário têm superado essa concepção contratualista estrita. Autores como o Prof. Calixto Salomão, da USP, avançam a concepção de que as sociedades empresárias são, em realidade, um contrato-organização. Vale dizer, embora derivem de um acordo de vontades de acionistas ou quotistas, o que mais importa é o surgimento de um novo sujeito de direito, uma organização. Em cujo interior existem vários interesses, às vezes conflitantes. Como é o caso das tensões entre administradores e acionistas. Ou entre acionistas majoritários e minoritários. Ou entre administração e trabalhadores. Ou entre a sociedade empresária e seus fornecedores. Porque, em verdade, a organização existe em um feixe de contratos. Cada um desses contratos contém em si o potencial para o conflito.

A teoria do contrato-organização permite reconhecer esses conflitos como inerentes ao que se concebe como interesse social do ente societário. O interesse social passa a ser a integração de interesses (ainda que externamente) e a solução interna de conflitos (v.g, via participação de trabalhadores nas decisões sociais). Trata-se de teoria que reconhece um valor organizativo puro da sociedade como estruturação de um feixe de contratos. Os conflitos de interesses passam a poder ser eliminados sem forçar a retirada do acionista insatisfeito. A ênfase no aspecto organização e não na pluralidade de sócios torna mais fácil a admissão da sociedade unipessoal.

Daí o passo seguinte foi reconhecer que a organização societária pode conter apenas um único ‘sócio’. O que seria uma contradição em termos tornou-se lugar comum na maioria dos ordenamentos jurídicos mais atualizados. A partir do pioneirismo do direito alemão inspirado pela concepção institucionalista que vê na sociedade empresária uma instituição que deve ser bem regulada para que seja preservada. Em harmonia com essa evolução do direito empresarial, o direito brasileiro foi reconhecendo as sociedades unipessoais. A subsidiária integral prevista no art. 251 da Lei 6.404/76, a sociedade limitada que ficou com apenas um sócio ante a morte, exclusão ou retirada dos demais (pelo prazo de 180 dias, ex vi do CC art. 1033, IV), a empresa pública (cujo único sócio é o ente federado), bem como a sociedade anônima que por qualquer motivo ficou com um único sócio (pelo prazo de até a próxima assembleia geral ordinária, ex vi do art. 206, d, da Lei 6.404/76).

A mais recente foi a criação da sociedade unipessoal de advogados, com personalidade jurídica própria, portanto, através da Lei 13.247, de 12 de janeiro de 2016. Dita lei modificou o art. 15 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/74), que passou a ter a seguinte redação: “Os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento geral”.

 

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