A caminhada rumo à santidade

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12/11/2017

 

O processo de beatiticação e canonização normalmente é dividido em duas fases, a diocesana e a romana. As pesquisas para embasamento da documentação para tornar frei Damião um santo foram encaminhadas ao Vaticano em 2012. Em Pernambuco, a Arquidiocese de Olinda e Recife conduziu os trabalhos, que desde 2011 vêm sendo acompanhados pelo frei Jociel Gomes, postulador da causa de beatificação e canonização. O estudo diocesano terminou em maio de 2012. Em julho, foi entregue ao Vaticano. Em 2013, a documentação recebeu validação jurídica, pois estava de acordo com as orientações da Santa Sé.

Depois dessa etapa, o processo passará pela comprovação de milagres ocorridos ainda quando o religioso estava vivo, etapa considerada “romana”. Foram enviadas ao Vaticano histórias de pessoas com doenças graves que conseguiram a cura. Os casos citados à cúpula da Igreja Católica estão sob sigilo e só serão revelados após a comprovação. A documentação e as pessoas beneficiadas com graças serão examinadas por uma junta médica brasileira e italiana. Somente após a ciência declarar inexplicável a cura das enfermidades, o frade capuchinho será considerado beato. Para que o capuchinho se torne santo, será preciso ainda a comprovação de um novo milagre, ocorrido já após a beatificação.

Dentro do processo, já foi apresentado um documento Positio, de defesa da causa. Escrito em duas partes, o texto traz uma biografia do frade e descreve suas virtudes, sua fé, esperança e caridade, com base em testemunhos. Para elaborar o material, a Arquidiocese de Olinda e Recife contou, como exige o Vaticano, com a análise de uma comissão histórica. Esse grupo foi coordenado pela historiadora Sylvana Brandão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e composto por outros três historiadores que pesquisaram os 66 anos vividos pelo frade no Brasil.

Paralelamente a esse processo, também é realizado um estudo com uma comissão de teólogos, que, sob sigilo, avalia escritos deixados por frei Damião. São textos de sermões, alguns nem realizados, orações e mensagens. Enquanto o processo não for concluído pelo Vaticano, esse material não pode ser divulgado. “O Positio já foi aprovado. Agora, será impresso e entregue à comissão de teólogos do Vaticano, que deverá se reunir em 6 de fevereiro do próximo ano para dar um parecer. Depois disso passará por outra comissão, a dos bispos e cardeais. Esperamos que até o fim de 2019 tenhamos uma resposta”, explica o frei Jociel Gomes.

De posse dos documentos, o cardeal prefeito da Congregação da Causa dos Santos, Angelo Amato, deverá apresentá-los ao papa Francisco, a quem caberá declarar frei Damião venerável. Desse ponto em diante, começam estudos para comprovar novos milagres. A expectativa é de que até 2019 se tenha um veredito final e ele possa ser declarado beato. “A palavra que frei Damião dirigia era um bálsamo, um alívio para a população sofrida”, diz frei Jociel. E mesmo depois de morto, isso continua acontecendo. “Eu pego várias cartas que vem endereçadas a ele ainda hoje. Para as pessoas, frei Damião não morreu, está aqui no meio de nós, e isso é incrível”.

MILAGRES

A CURA

A trabalhadora doméstica Amara Maria Santana de Oliveira, 71 anos, moradora do Pina e devota do frade, conta que em maio de 2012 foi curada de um tumor maligno no punho esquerdo. “Eu cheguei a marcar a cirurgia, mas na véspera vim ao convento e estendi meu braço para a imagem de frei Damião. Pedi muito a ele que me curasse. A operação estava marcada para o dia seguinte, uma segunda-feira, e eu só apareci no hospital na terça. Quando os médicos me viram, perguntaram se não tinha ido por estar com medo. Expliquei que não fui porque havia me curado com a ajuda de frei Damião. Os médicos não entenderam o que havia acontecido comigo. Até hoje, nunca precisei fazer nem fisioterapia. O tumor sumiu e meu punho está sem dor”, testemunha a devota.

A LEVITAÇÃO

Quem conviveu com frei Damião de Bozzano relata com detalhes os seus dons. Mas o que chamava mais a atenção era o fato do capuchinho costumar levitar em suas peregrinações pelo interior do Nordeste, principalmente durante as madrugadas. “Desde jovem, ele sofria com problemas de circulação, por isso aprendeu uma técnica de levitação para relaxamento. Em certos momentos em que sentia dores, concentrava-se, rezava e levitava. Quando as crianças viam, diziam: olhem, frei Damião não está pisando no chão”, relata frei Jociel Gomes, postulador da causa de beatificação e canonização. Segundo ele, o religioso dizia que se sentia melhor das pernas quando conseguia levitar.

O FILHO

O frade é apontado como profeta e autor de curas. Um caso ocorrido na cidade de Bananeiras, na Paraíba, quando ele cumpria uma missão, traz o relato de uma mulher cujo marido sofreu um acidente. Ele não reconhecia mais as pessoas e usava cadeira de rodas. A fiel levou o esposo para o frade abençoá-lo, mas não conseguiu se aproximar do altar. Damião pediu que as pessoas se afastassem para que o casal chegasse perto. “Frei Damião bateu três vezes na cabeça dela. Disse que o esposo voltaria a andar e que ela daria à luz uma criança. Mas a mulher alegou que não poderia ter filhos”, contou Jociel. Ele ouviu a história da devota, há dez anos, quando a criança já completara dois anos e o marido já havia voltado a caminhar.

A CHUVA

Relatos de fenômenos naturais também ocorreram durante as missões do frade. A maioria dos lugares visitados sofria com a seca, mas quando frei Damião chegava era comum chover bastante em seguida. “Uma vez um jornalista italiano foi acompanhar uma ida ao Sertão e ficou impressionado com a mudança do tempo repentina. Frei Damião anunciou: ‘Vocês que são do sítio vão embora porque vai chover imediatamente’. O jornalista disse que pensou estar lidando com algum doido porque no céu não havia nuvem”, recordou. Ao chegar à capital, o repórter fez questão de checar com meteorologistas a previsão do tempo para aquela região e ficou de fato surpreso quando os especialistas falaram que não havia chuva prevista.

O PARTO

Outro testemunho de fé é a história de um parto complicado na zona rural de Pernambuco. Frei Damião viajava com frei Fernando Rossi, já falecido, quando pararam para socorrer uma pessoa. “Frei Fernando contou que havia um homem desesperado à beira da pista dizendo que sua mulher tinha dificuldades para parir. Quando os frades chegaram perto, escutaram choro de criança. A mulher já estava com o bebê no colo”, detalha frei Jociel. A mulher teria dito que havia sido ajudada por uma senhora com vestes azuis, que fez o parto e saiu. “Frei Damião disse ao homem: seu problema foi resolvido. Quem salvou sua mulher foi Maria, mãe de Jesus”. Até hoje, ninguém viu a mulher, pois na localidade não havia vizinhos.

Trauma de guerra e paz nas missões

Santo para muitos, frei Damião era um homem de carne e osso. Comia e dormia pouco, mas tinha suas preferências gastronômicas. Sempre que podia tomava refrigerante na hora do almoço e nas reuniões do convento. O preferido era o guaraná Antarctica. Não suportava jerimum. O feijão tinha que vir sem legumes. Como qualquer homem, também tinha traumas. Morria de medo de fogos de artíficio, justamente por lembrar dos tempos duros vividos na Primeira Guerra Mundial. O período junino, para ele, era um martírio. Ficava em pânico com o barulho das bombas. Essas e outras curiosidades farão parte do documentário cinematográfico sobre a vida do capuchinho. O trabalho trará detalhes que resgatam o seu passado, fatos corriqueiros no convento e a convivência com outros religiosos.

“O filme será uma mensagem para fazer o bem. Não queremos só apresentar um mito, mas mostrar seu lado humano, fraterno, que levou ele a fazer tudo que fez em benefício da humanidade. Ele abdicou de sua vida para ajudar o próximo. É justamente dessa solidariedade e desse amor que o mundo está precisando e o filme quer passar essa reflexão”, define a cineasta pernambucana Debby Brennand.

Um dos trechos mais marcantes relata a vinda do religioso para o Brasil na década de 1930, quando a elite da Igreja Católica desejava permanecer em Roma. Damião ocupava um cargo na Basílica de São João de Latrão, hoje catedral da Diocese de Roma e a Sé Episcopal Oficial do Bispo na Itália. Mesmo num dos postos mais elevados, Damião resolveu sair em missões pelo Brasil. Viajou três meses num navio até chegar a Pernambuco, onde se dedicou a pregar aos mais pobres. No estado, celebrou sua primeira missa em Gravatá. “A atitude dele foi verdadeira e consciente da sua opção de frade franciscano. Agiu pensando na vocação e carisma da ordem a serviço do reino de Deus”, ressalta o frade Franklin Alves Diniz, provincial dos Capuchinhos no Nordeste.

O documentário mostrará a convivência do religioso com a enfermeira Anita Meira, que o acompanhou por quase 30 anos. Uma vez, Anita estava com o capuchinho numa missão no Sertão, quando Luiz Gonzaga foi visitá-lo. “O Rei do Baião foi mostrar uma composição em sua homenagem e pedir autorização para gravá-la. Damião escutou e autorizou o registro”, relata frei Jociel, que disse ter ouvido a história contada pela própria Anita, falecida em 2015.

O filme de 70 minutos contou com recursos da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Já são mais de dez meses de trabalho, que geraram várias versões de roteiros. “A história é boa. Frei Damião é um ícone da nossa cultura. Tínhamos que apresentá-lo para uma geração inteira que não o conhecia”, diz o produtor-executivo Gerardo Lopes, da Fábrica Estúdios, responsável pela película, que terá gravações inclusive no Sertão de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, além da Itália.

O documentário resgata ainda a participação do jovem Damião como soldado, aos 18 anos, na Primeira Guerra. Damião ficou acampado na província de Zara, um dos lugares mais violentos da Itália. A temperatura quase congelou suas pernas. Por causa disso, contraiu erisipela, doença infecciosa aguda causada pela bactéria do estreptococos, caracterizada por uma inflamação, provocando feridas vermelhas na pele. A enfermidade deixou sequelas até a sua morte.

 

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