O que fazer com a Via Mangue?

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10/06/2017 

 

Há dois consensos técnicos sobre a Via Mangue e a saturação precoce que o corredor com 1,5 ano de plena operação já começa a sofrer por falhas de continuidade das obras. Primeiro: não precisamos mais de ampliações do sistema viário caras, demoradas, voltadas para o automóvel e de fácil uso político. A solução tem que passar pela qualificação do transporte coletivo para estimular as pessoas a deixar o carro em casa. Segundo: será um erro executar as chamadas obras complementares do novo corredor viário da Zona Sul do Recife, que compreendem a continuação do Túnel do Pina sob a Avenida Antônio de Góes e o consequente alargamento da Ponte do Pina. Será uma intervenção de alto custo, demorada e impactante. Não precisamos dela.

Essas são as conclusões de três especialistas em diferentes áreas da mobilidade ouvidos pelo Blog De Olho no Trânsito para responder à seguinte pergunta: o que fazer com a Via Mangue? Aos professores e consultores foi pedido que indicassem soluções para o estrangulamento que o corredor começa a sofrer, verificado com maior intensidade desde o início do ano. Investir ou não na criação de novas rotas para a Via Mangue? Deixar o corredor do jeito que está para não atrair ainda mais automóveis para o seu sistema? Priorizar de fato, não de discurso, o espaço do transporte público nas vias? Foram alguns dos questionamentos feitos.

Para Maurício Andrade, professor de engenharia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-consultor de mobilidade, qualquer tentativa de jogar mais tráfego de veículos nas Pontes do Pina e Paulo Guerra será um equívoco. “Toda a circulação de entrada e saída da Zona Sul da capital está sustentada por essas duas pontes. Ou seja, por nove faixas (quatro na Ponte do Pina e cinco na Paulo Guerra), que repercutem na Avenida Agamenon Magalhães, a nossa Primeira Perimetral. Quando prolongarmos o acesso, com a ampliação do túnel e o alargamento da ponte, estaremos estimulando ainda mais o tráfego que irá chegar, de toda forma, à Agamenon Magalhães. Além do custo e do impacto de uma intervenção dessas (lembrem o que foi a construção da Via Mangue), ainda enfrentaríamos um problema, por exemplo, com desapropriações para alargar a Ponte do Pina, que tem o Cabanga Iate Clube na sua rota”, alerta o professor.

Maurício Andrade defende que, no caso de decidir por novas obras viárias, é preciso utilizar a Segunda Perimetral do Recife. Como sugestão, uma ponte ligando a Zona Sul à Segunda Perimetral, via Estrada dos Remédios. A mesma ponte já foi cogitada nos projetos viários que antecederam a Via Mangue – Via Costeira Sul e Linha Verde. “Seria uma ponte sobre o Rio Jiquiá (ao lado da Bacia do Pina), que começaria na Via Mangue, na altura da Rua Tomé Gibson, no Pina. Ela permitiria desafogar as Pontes do Pina e Paulo Guerra, e a Primeira Perimetral. Absorveria todo o tráfego de ligação entre a Zona Sul e os bairros das Zonas Norte e Oeste, como Afogados, Prado, área da Avenida Caxangá, Madalena, Torre e Parnamirim, por exemplo”, diz. A intervenção, entretanto, teria custo alto (entre R$ 300 milhões e R$ 350 milhões). “Seria algo semelhante ao Viaduto Capitão Temudo em extensão: dois quilômetros. Com a diferente de que teria apenas 14 metros, ou seja, duas faixas por sentido”, sugere Maurício Andrade.

Stênio Cuentro, presidente regional da Associação Brasileira dos Engenheiros Civis (Abenc), consultor e ex-diretor de trânsito do Detran-PE (antes da municipalização da gestão do trânsito da capital), defende soluções de engenharia de tráfego para oxigenar a Via Mangue, sem obras físicas. Para o engenheiro, é preciso realizar operações de trânsito diárias para agilizar a circulação, colocando equipes da CTTU para fazer o tráfego andar. Lembrando que na gestão de Stênio Cuentro era realizada a inversão do trânsito da Avenida Antônio de Góes, no Pina, operação diária e meticulosa. O engenheiro defende a retirada dos semáforos instalados na entrada e saída do Túnel do Pina (instalados pela Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife – CTTU) e a criação de um giro livre à esquerda na Avenida Antônio de Góes para quem sai da Via Mangue.

“Sugiro que os veículos façam um giro livre à esquerda na pista sul da Antônio de Góes, sem qualquer obstáculo para eles. Assim, sairiam de três faixas e seguiriam por outras três faixas. Esses veículos não poderiam pegar a pista norte, apenas a sul. No trecho entre a Avenida Boa Viagem e o Túnel do Pina, a pista sul seria exclusiva para os ônibus, sem receber veículos particulares. O tráfego misto que sai das Avenidas Boa Viagem e Conselheiro Aguiar seria direcionado a utilizar apenas a pista norte”, explica Cuentro. O acesso à Agamenon Magalhães e ao Cais José Estelita teria que ser negociado mais à frente.

Essa operação, na sugestão do engenheiro, seria feita apenas no horário de pico da manhã. “Trânsito é algo vivo e dinâmico, que precisa estar sendo controlado e orientado”, pontua. Mas, antes de qualquer mudança, seria necessário reduzir a velocidade limite da Via Mangue de 60 km/h para 40 km/h, equilibrando a chegada de veículos no Túnel do Pina e, consequentemente, a vazão desse tráfego. “Isso é imprescindível. Também é necessário realizar simulações em softwares para ver como o tráfego se comporta. O que não podemos é continuar pensando em obras viárias de alto custo”, defende.

Pedro Guedes, consultor em mobilidade ligado ao transporte ativo (sem motor), defende que é chegado o momento de esquecer a Via Mangue. Desistir de promover qualquer mudança que possa melhorar a circulação porque ela sempre será cara e trabalhosa, atraindo ainda mais veículos para o corredor, que não tem um sistema viário que suporte a acomodação do tráfego de outras vias da cidade, como as Avenidas Mascarenhas de Moraes e Recife, por exemplo. “É chegada a hora de massificar o espaço do ônibus na cidade. Criar rotas com faixas exclusivas, garantindo velocidade comercial ao ônibus e consequentemente viagens rápidas, semelhantes às que são feitas pelo usuário do carro que passa todos os dias na Via Mangue. É a forma de fazer o condutor deixar o carro em casa e experimentar o transporte público. Mas ele tem que ser atraente”, diz Pedro Guedes.

Para o consultor, a Via Mangue é um grande estímulo a sair de casa de carro. “Optar por obras viárias como solução só adiará os engarrafamentos. Se o Túnel do Pina for prolongado e a Ponte do Pina alargada, estaremos apenas transferindo as retenções para Afogados, por exemplo. Faixas Azuis custam barato: R$ 20 mil o quilômetro sem fiscalização e R$ 40 mil com radares. Precisamos levar a classe média para o transporte público para que ela reclame e provoque melhorias. A gente esqueceu que precisa de bom transporte, boas escolas, boa saúde pública”, defende Pedro Guedes. As chamadas obras de complementação da Via Mangue são estimadas entre R$ 200 milhões e R$ 250 milhões.

HISTÓRICO

As retenções da Via Mangue estão se prolongando por aproximadamente dois quilômetros dos cinco que compõem o corredor, principalmente no pico da manhã, sentido subúrbio-Centro. Na direção oposta, os congestionamentos acontecem à noite, mas ainda em menor proporção porque a via tem três opções de saída. A Via Mangue está em operação plena há um ano e cinco meses. Custou R$ 500 milhões, levou 20 anos sendo pensada, dez para ser concluída e se transformou no maior símbolo e motivo de brigas políticas das últimas gestões municipais.

É importante ressaltar, entretanto, que o corredor ainda funciona bem para aliviar a entrada e a saída da Zona Sul (quem não recorda daqueles congestionamentos quilométricos que seguiam pelo Cais José Estelita, à noite, ou pela Avenida Conselheiro Aguiar, de dia?). Motoristas que hoje estão ficando retidos na altura da Rua Tomé Gibson ou da Ponte Encanta Moça, no Pina, antes da Via Mangue ficavam no Parque Dona Lindu, no fim de Boa Viagem.

 

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