05.04.17

A Segunda Guerra Mundial nas ondas da Rádio Clube de Pernambuco


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Por Douglas Fernandes

pesquisa05.04.17Era o ano de 1941, a Segunda Guerra Mundial entrava no seu terceiro ano, o Brasil até então mantinha posição de neutralidade em relação ao conflito, mantendo relações diplomáticas e comerciais com os Aliados, capitaneados pelos Estados Unidos e com o Eixo, liderado pela Alemanha nazista. Os brasileiros viviam o regime do Estado Novo (1937-1945), com censura aos meios de comunicação e perseguição aos opositores; a Presidência da República estava nas mãos de Getúlio Vargas. Após o afundamento de embarcações brasileiras por submarinos alemães, o Brasil deixa a posição de neutralidade e declara guerra ao Eixo. Nesse contexto, a Rádio Clube de Pernambuco, a PRA8, passa a ter um papel importante na cobertura do conflito mundial.

“A partir do momento em que o Brasil entra no conflito mundial ao lado dos Aliados, a censura dos Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda de Pernambuco (DEIP) intensifica-se cada vez mais, pois havia preocupação das autoridades em manter sigilo sobre as operações envolvendo tropas brasileiras e norte-americanas, movimento de tropas e embarcações no Porto do Recife e, também o cuidado com a espionagem do Eixo que já atuava no Recife”, afirma o historiador Armando Augusto Siqueira.

Autor da dissertação “Guerra, censura e americanização pelas ondas do rádio: um estudo sobre a Rádio Clube de Pernambuco na época da Segunda Guerra Mundial (1941-1944)”, Siqueira coloca luz na atuação de “uma das mais antigas emissoras do Brasil e que teve grande atuação durante a Segunda Guerra no Recife, período em que a emissora consolidou-se como uma das principais rádios no Brasil”, segundo a pesquisa. O trabalho, defendido no Programa de Pós-Graduação em História da UFPE, ressalta a necessidade dos EUA de criarem uma imagem negativa dos países do Eixo e difundir os valores e estilo de vida norte-americanos para os aliados brasileiros. A orientação foi do professor José Bento Rosa da Silva.

Em 1943, um navio petroleiro norte-americano foi consumido pelo fogo durante um carregamento de combustível no Porto do Recife. Aparentemente sem nenhuma relação com o conflito bélico que se estendia pelo mundo, o incêndio, que começou no cais de um armazém portuário, foi censurado na cobertura da Rádio Clube de Pernambuco e nos demais veículos de comunicação pernambucanos. O caso é emblemático por demonstrar o controle dos Departamentos de Imprensa e Propaganda sobre tudo o que era veiculado na imprensa em relação aos Aliados em plena Segunda Guerra Mundial. 

Segundo o historiador, “a Rádio Clube, assim como a imprensa pernambucana, foi amordaçada pelas autoridades, sendo obrigada a limitar-se a divulgar uma nota oficial de esclarecimento elaborada pelo Governo do Estado e pelos comandos naval e militar acerca do acontecido. Nesse caso, houve uma tentativa de eliminar quaisquer comentários e apreciações que viessem a causar suspeitas de sabotagem ou ação de elementos do Eixo no ocorrido, procurando-se manter certo sigilo mediante a criação de uma versão oficial do fato ocorrido”.

Quanto às representações dos Aliados e do Eixo na programação da Rádio, alemães, italianos e japoneses passaram a ser caracterizados como vilões, inimigos e ameaçadores da liberdade dos brasileiros nas crônicas e radionovelas veiculadas pela emissora pernambucana. “Antes de 1942, os valores do Eixo eram exaltados como modelo de nação, mas com a declaração de guerra do Brasil à Alemanha, houve a censura sobre estes valores que, a partir de então, passaram a ter uma conotação negativa e perderam espaço na programação da PRA8", revela o estudo. Tanto que, "no universo ficcional das radionovelas, eles estavam sempre prontos a roubar planos, contrabandear mercadorias e transmitir informações através da espionagem”, aponta Siqueira. 

Em contrapartida, segundo revela a dissertação, os Aliados (norte-americanos, franceses, ingleses, etc.) eram tidos como heróis diante das adversidades, exaltando-se valores como a coragem e a bravura frente aos inimigos. "Eram aqueles que lutavam no front como defensores da liberdade, cumpridores das suas obrigações de cidadãos. Eram tratados como soldados na luta da humanidade pela democracia”, complementa o historiador.

TENSÃO | Com a representação negativa dos cidadãos dos países do Eixo nos meios de comunicação, não é difícil imaginar que alemães, italianos e japoneses vivendo no Brasil, especificamente no Recife, enfrentavam um clima de tensão. “Esses estrangeiros residentes no Brasil passaram a ser tratados como suspeitos de serem traidores e colaboradores do Eixo”, destaca o autor. Então, a Rádio Clube de Pernambuco foi utilizada pelo Governo de Pernambuco, comandado pelo Interventor Agamenon Magalhães, nomeado pelo presidente Getúlio Vargas, na tentativa de acalmar os ânimos da população recifense que atacava propriedades ligadas aos países do Eixo.

Sendo assim, dentre os registros radiofônicos da PRA8 apurados na pesquisa, durante a programação da emissora foram lidas notas de repúdio aos ataques feitos pelos recifenses aos estabelecimentos de alemães, japoneses e italianos, residindo na capital pernambucana, além de notas de esclarecimentos. “A Rádio Clube foi um instrumento importante para dar espaço e voz ao Interventor Agamenon Magalhães no sentido de eliminar os conflitos e tensões e buscando o consenso entre os diversos grupos sociais”, ressalta Siqueira.

Nos Estados Unidos, eram produzidos programas de rádio em português e enviados para as emissoras brasileiras transmitirem, incluindo a Rádio Clube. “O americanismo propagado por estes programas de rádio (assim como os filmes do cinema americano) foi útil e eficaz no sentido de suplantar outros ismos, ou seja, os paradigmas estrangeiros como o germanismo ou qualquer outro padrão nacional pautado no nacionalismo que viesse a se contrapor ao american way of life na sociedade brasileira, trazendo esse modelo de vida como paradigma ideal a ser seguido, em oposição aos valores do Eixo, vendendo-se as ideias de progresso, dinamismo, consumo e liberdade”, afirma o historiador.

CENSURA | Umas das formas de monitoramento do Estado Novo (1937-1945), instaurado pelo presidente Getúlio Vargas, sobre as rádios se deu através da designação de investigadores para atuarem nas emissoras. Todavia, a censura à PRA 8 não se resumiu a essa intervenção. A Rádio Clube de Pernambuco passou a ser alvo constante do controle do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) a nível federal e do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP-PE), órgão do governo de Agamenon Magalhães responsável pela censura à imprensa e a Rádio Clube. “A emissora concentrou suas atividades na publicidade e na divulgação de notas doutrinárias, comunicados, reportagens e notícias uma vez que a emissora constituiu-se como um dos principais veículos de informação na capital pernambucana, irradiando sua programação em ondas curtas também para outras regiões do país e para o exterior”, destaca o autor.

O DIP enviava documentos contendo listas de assuntos a serem proibidos de serem noticiados e comentados pelas emissoras. “Contudo, vale lembrar que esta censura não foi tão eficaz, uma vez que o DEIP (que era o órgão responsável pela censura à imprensa e o rádio na Interventoria de Agamenon Magalhães) não tinha uma estrutura tão desenvolvida e não contava com um grande número de funcionários para fazer cumprir suas determinações. Em alguns momentos, as notícias de guerra foram constantes na programação da Rádio Clube”, ressalta.

AGÊNCIA | Ainda de acordo com a pesquisa, o Office of the Coordinator for Inter-American Affairs (OCIAA), uma agência governamental especializada na coordenação das relações comerciais e culturais entre os Estados Unidos e os países da América Latina, foi criado pelo governo dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. O plano para eliminar a influência do Eixo na América Latina consistia num projeto de penetração cultural sistemática na região, promovendo ações de intercâmbio cultural, técnico-científico e o estreitamento das relações econômicas entre os Estados Unidos e os países latino-americanos, principalmente o Brasil. 

“A intenção era combater a presença propagandística ítalo-germânica, encantando e seduzindo os latino-americanos através da difusão de imagens positivas da sociedade estadunidense e seus respectivos valores veiculados principalmente nos filmes hollywoodianos. A Divisão de Rádio deste órgão produziu programas traduzidos em português para serem irradiados nas emissoras brasileiras, como os programas Marcha da Guerra e Marcha do Tempo, que foram introduzidos na programação da Rádio Clube durante a Segunda Guerra”, explica o autor.
 
Mais informações

Programa de Pós-Graduação em História
(81) 2126.8292
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Armando Augusto Siqueira
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