19.04.17

Mulheres sentem mais medo que homens no espaço público do Recife


PDF Imprimir E-mail

Por Ellen Tavares

pesquisa19.04.17Ruas escuras, presença masculina, ausência de vigilância e pouco fluxo de pessoas são alguns fatores determinantes para sensação de insegurança e de vulnerabilidade constante no cotidiano das mulheres no espaço público. Diante dessa situação, o medo acaba tornando-se um limitador do uso da cidade pelo segmento feminino. Muitos dos roteiros e destinos aparentemente naturais escolhidos por elas são, na verdade, estratégias de enfrentamento que adotam para se manterem seguras, criando normas coletivas de horários, bem como locais permitidos ou proibidos em determinadas partes da cidade. 

Por onde andam as mulheres: percursos e medos que limitam a experiência de mulheres no centro do Recife” é a dissertação de mestrado da arquiteta e urbanista Lúcia de Andrade Siqueira, que procurou apresentar a hipótese de que as mulheres sentem mais medo que os homens no espaço público, através de um exercício de investigação empírica no centro da cidade. Quando questionados sobre que sentimentos experimentavam ao caminhar nos bairros do Recife, São José e Santo Antônio, 63% dos 73 entrevistados afirmaram ter medo de andar na área central da capital pernambucana, sendo que, desses, 70% são mulheres e 30%, homens.

Para a pesquisa, Lúcia investigou qual seria o caminho seguro para uma jovem turista saindo do Marco Zero (no bairro do Recife) até a estação central do metrô e buscou compreender as diferentes leituras de mulheres e homens sobre percurso seguro para uma mulher. "Com o levantamento, tornamos visível o invisível para a construção de uma cidade mais igualitária, que leva em conta as diferenças de gênero", afirma. Ao serem colocados diante dessa situação simulada, os entrevistados indicaram 19 locais que deveriam ser evitados pela jovem turista e sete percursos. Três percursos foram indicados por mulheres e homens; dois somente pelas participantes femininas e outros dois pelo grupo masculino.

VIGILANTES | Em suas recomendações sobre os locais que deveriam ser evitados, estão as ruas vazias e sem iluminação. São condutas mais comuns entre as mulheres andar com a bolsa junto ao corpo, não expor objetos de valor e andar depressa. Os resultados da pesquisa ainda indicaram que o caminho que traz sensação de segurança para as mulheres é o que possui muitas pessoas circulando, considerados vigilantes naturais. Esses detalhes surgiram em resposta às questões mais específicas, como "caso não saiba o nome das ruas, identifique referenciais como edifícios, comércios, para que a turista reconheça o seu caminho; que recomendações que você daria em relação a que locais ela deve evitar? por quê?; tipos ou grupos de pessoas com as quais se deve ter cuidado e por quê?”

O estudo aponta que, no bairro do Recife, o movimento intenso é restrito apenas das segundas às sextas-feiras, das 8h às 19h, devido ao funcionamento de escritórios e estabelecimentos comerciais. Fora desse período, o bairro fica deserto e, em função da iluminação deficitária em alguns trechos, aumenta a sensação de insegurança. “Para um espaço público ser considerado seguro é preciso ter infraestrutura, inclusive iluminação mas, acima de tudo, é necessário ter movimento de pessoas e, para isso, precisa ter atrativos que levem essas pessoas para a rua como, por exemplo, sorveteria, igreja, padaria e moradia”, comenta a pesquisadora.

Na dissertação, orientada pela professora Circe Maria Gama Monteiro, e defendida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE (MDU), Lúcia Siqueira afirma que, desde a infância, a mulher é apresentada ao medo e exposta a regras que determinam um controle espacial de suas atividades. "O espaço seguro apresentado para a mulher, transmitido pelos pais e estabelecido pela sociedade, é o espaço privado, a casa. Na cidade, os lugares da mulher são os espaços expandidos do lar, como: supermercado, feira, posto de saúde, escola das crianças", afirma ela.

Ainda segundo o trabalho, a mídia também tem um papel fundamental na forma em que é construída a relação entre medo e espaços específicos da cidade para a mulher. "Filmes, telejornais e jornais trazem sempre a imagem da mulher frágil e sempre vulnerável no espaço público, principalmente em relação aos crimes sexistas", aponta a pesquisadora, que acrescenta: "Como resposta, as mulheres desenvolvem mapas mentais que orientam os caminhos e locais que elas devem ou não evitar, restringindo, assim, o seu acesso à cidade; exercitando diariamente uma espécie de negociação do uso do espaço público". 

O interesse de Lúcia pelo tema da segurança e espaço urbano vem desde a graduação. Quando foi contratada pela Secretaria estadual da Mulher (de Pernambuco) para atuar em ações de capacitação no Programa Mulheres da Paz, começou a refletir sobre a relação de segurança (ou sensação de insegurança), espaço público e mulher. “A partir disso, observo que o acesso à cidade e os percursos escolhidos pelas mulheres no espaço público são diferentes das escolhas masculinas e, em grande parte das ocasiões, o medo era um dos norteadores que determinavam regras de comportamento, lugares e períodos do dia para acessar parte da cidade”, resume a arquiteta e urbanista.

"Segurança vai além de policiamento"


Para a autora do estudo "Por onde andam as mulheres: percursos e medos que limitam a experiência de mulheres no centro do Recife", a arquiteta e urbanista Lúcia de Andrade Siqueira, a sensação de segurança na cidade vai além do policiamento. "A verdadeira sensação de segurança é resultado de uma rede intrínseca de relações sociais potencializadas, seja pela diversidade de usos ou da ambiência favorável de permanência no espaço público que tragam pessoas para a rua", afirma. Outra questão apontada pela pesquisadora diz respeito às localidades de baixa renda, "onde a polícia é um elemento da insegurança pela falta de respeito e violência que tratam os moradores". 

 

Segundo Lúcia Siqueira, o espaço público de uma cidade é moldado pela arquitetura que o cerca e, no momento atual, o constante medo da violência resulta em cidades que possuem ruas "murificadas": uma verdadeira proliferação de condomínios fechados e da indústria de eletrônicos ligados à segurança como elemento da arquitetura das casas e prédios. “Essa busca pela segurança individual traz uma enorme insegurança coletiva. As construções são feitas sem relação com a rua, sem o contato visual e social e, caso ocorra algo com quem está na rua, quem está dentro dos prédios não pode ajudar, o mesmo ao contrário”, destaca Lúcia.

 

E, em defesa da arquitetura e urbanismo, a autora do trabalho define sua atividade como "um instrumento de transformação dessa situação (de insegurança), devendo buscar, como exercício profissional, cidades igualitárias para todas, seja projetando construções que estabeleçam relação com o espaço público, com a rua, seja elaborando projetos urbanos e legislações urbanísticas que elejam o espaço público como elemento fundamental para o bom funcionamento da cidade”. 

 

Mais informações

Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano
(81) 2126.8311
Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.  

Lúcia de Andrade Siqueira
Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.

 

 


Compartilhar

 

5 visitantes online | 2521 visualizações

[ voltar ]