Elo entre o narcotráfico e o Estado
A relação entre o Estado e o narcotráfico
é alvo de pesquisa do cientista político Adriano
Oliveira, que analisa, também, o crime organizado
Clécio Vidal
Por que o senhor considera
o narcotráfico e o terrorismo os grandes males do mundo
na atualidade?
O narcotráfico está relacionado à substituição
das leis pelo exercício de poder arbitrário dos
traficantes. Além disso, vale-se do próprio sistema
legal e administrativo para mascarar atividades ilegais, como
acontece no caso da lavagem de dinheiro conseguido com drogas,
a qual depende de ações como falsificar notas fiscais,
por exemplo. Os operadores do tráfico, por meio do oferecimento
de benefícios pessoais, que não precisam ser dinheiro
vivo, “capturam” indivíduos das instituições
estatais. Dessa forma, investigações, prisões,
oferecimentos de denúncias e julgamentos deixam de ser
feitos. Já o terrorismo é um mal invisível,
difícil de ser detectado, pois se baseia em ações
individuais e descentralizadas tanto com relação
a quem o pratica quanto a quem é vítima. Geralmente
impulsionado por valores fundamentalistas, o terrorismo não
escolhe lugar ou tempo para agir, e também não faz
distinção entre as pessoas que serão atacadas.
Existe alguma semelhança
na organização dos narcotraficantes e de grupos
terroristas?
O crime organizado é mais estruturado que o terrorismo.
Os terroristas agem individualmente, movidos, geralmente, por
um motivo religioso ou contra a dominação econômica
de algum país, como foi o caso dos terroristas afegãos
que atacaram os Estados Unidos. Já os narcotraficantes
se organizam em torno de uma burocracia, caracterizada pela divisão
de funções e a busca do lucro, alcançado,
no entanto, por meio de atividades ilícitas. Porém,
para a estrutura do crime organizado se manter, ela busca sustentação
no poder político, tanto na esfera do poder judiciário
quanto na do poder executivo. Não existe crime organizado
no mundo sem a conivência de agentes públicos e de
agentes econômicos. Processos como a lavagem de dinheiro,
que consiste em dar uma aparência de legalidade ao dinheiro
obtido por meios ilegais, dependem da conivência de membros
do Estado ou da utilização de “laranjas”.
Nesse caso, os narcotraficantes compram bens com o dinheiro “sujo”
e colocam esses bens no nome de outras pessoas, desviando a atenção
das autoridades. Esses laranjas são, em grande parte das
vezes, coagidos a colaborar com os traficantes.
Como se dá essa conivência
entre o Estado e os contraventores?
O patrimonialismo e o estado clientelista são característicos
do País. O poder do Estado é “capturado”
pelos traficantes, por meio do oferecimento de dinheiro ou da
troca de favores pessoais. O agente público prefere agir
em nome do interesse privado (patrimonial), em detrimento do interesse
da comunidade.
Se o Estado favorece as ações
dos narcotraficantes, por que os cientistas sociais afirmam que
o narcotráfico é um estado paralelo?
Essa questão está relacionada à ausência
do Estado como provedor dos bens públicos. Em ambientes
de degradação socioeconômica, como os morros
do Rio de Janeiro, a ação estatal é substituída
pela dos traficantes. Porém, nesse caso, o poder exercido
tem características despóticas, ou seja, os traficantes
prestam assistência à comunidade, mas ditam as leis
que devem ser respeitadas. A formação paralela do
poder do narcotráfico tem como principal combustível
os sonhos dos jovens. Movidos por seus desejos, decidem colaborar
com o narcotráfico, realizando atividades que se inserem
numa organização burocrática e hierárquica.
De acordo com o sucesso desses trabalhos, o indivíduo pode
alcançar posições de mais status no sistema
de tráfico, optando pelo abandono da legalidade. Deve ficar
claro que o narcotráfico está restrito ao morro.
Quais as diferenças
do crime organizado em diferentes países, a exemplo da
Colômbia e da Itália?
No Brasil e na Itália, por razões culturais, existe
um maior atrelamento do Estado com o narcotráfico. Na Colômbia,
o narcotráfico é a forma de sustentação
dos grupos que se opõem ao governo, rivalizando com ele
pelo controle político.
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