Ano VIII - Nº 110 - Março-Abril/2003














 

Elo entre o narcotráfico e o Estado

A relação entre o Estado e o narcotráfico é alvo de pesquisa do cientista político Adriano Oliveira, que analisa, também, o crime organizado

Clécio Vidal

Por que o senhor considera o narcotráfico e o terrorismo os grandes males do mundo na atualidade?
O narcotráfico está relacionado à substituição das leis pelo exercício de poder arbitrário dos traficantes. Além disso, vale-se do próprio sistema legal e administrativo para mascarar atividades ilegais, como acontece no caso da lavagem de dinheiro conseguido com drogas, a qual depende de ações como falsificar notas fiscais, por exemplo. Os operadores do tráfico, por meio do oferecimento de benefícios pessoais, que não precisam ser dinheiro vivo, “capturam” indivíduos das instituições estatais. Dessa forma, investigações, prisões, oferecimentos de denúncias e julgamentos deixam de ser feitos. Já o terrorismo é um mal invisível, difícil de ser detectado, pois se baseia em ações individuais e descentralizadas tanto com relação a quem o pratica quanto a quem é vítima. Geralmente impulsionado por valores fundamentalistas, o terrorismo não escolhe lugar ou tempo para agir, e também não faz distinção entre as pessoas que serão atacadas.

Existe alguma semelhança na organização dos narcotraficantes e de grupos terroristas?
O crime organizado é mais estruturado que o terrorismo. Os terroristas agem individualmente, movidos, geralmente, por um motivo religioso ou contra a dominação econômica de algum país, como foi o caso dos terroristas afegãos que atacaram os Estados Unidos. Já os narcotraficantes se organizam em torno de uma burocracia, caracterizada pela divisão de funções e a busca do lucro, alcançado, no entanto, por meio de atividades ilícitas. Porém, para a estrutura do crime organizado se manter, ela busca sustentação no poder político, tanto na esfera do poder judiciário quanto na do poder executivo. Não existe crime organizado no mundo sem a conivência de agentes públicos e de agentes econômicos. Processos como a lavagem de dinheiro, que consiste em dar uma aparência de legalidade ao dinheiro obtido por meios ilegais, dependem da conivência de membros do Estado ou da utilização de “laranjas”. Nesse caso, os narcotraficantes compram bens com o dinheiro “sujo” e colocam esses bens no nome de outras pessoas, desviando a atenção das autoridades. Esses laranjas são, em grande parte das vezes, coagidos a colaborar com os traficantes.

Como se dá essa conivência entre o Estado e os contraventores?
O patrimonialismo e o estado clientelista são característicos do País. O poder do Estado é “capturado” pelos traficantes, por meio do oferecimento de dinheiro ou da troca de favores pessoais. O agente público prefere agir em nome do interesse privado (patrimonial), em detrimento do interesse da comunidade.

Se o Estado favorece as ações dos narcotraficantes, por que os cientistas sociais afirmam que o narcotráfico é um estado paralelo?
Essa questão está relacionada à ausência do Estado como provedor dos bens públicos. Em ambientes de degradação socioeconômica, como os morros do Rio de Janeiro, a ação estatal é substituída pela dos traficantes. Porém, nesse caso, o poder exercido tem características despóticas, ou seja, os traficantes prestam assistência à comunidade, mas ditam as leis que devem ser respeitadas. A formação paralela do poder do narcotráfico tem como principal combustível os sonhos dos jovens. Movidos por seus desejos, decidem colaborar com o narcotráfico, realizando atividades que se inserem numa organização burocrática e hierárquica. De acordo com o sucesso desses trabalhos, o indivíduo pode alcançar posições de mais status no sistema de tráfico, optando pelo abandono da legalidade. Deve ficar claro que o narcotráfico está restrito ao morro.

Quais as diferenças do crime organizado em diferentes países, a exemplo da Colômbia e da Itália?
No Brasil e na Itália, por razões culturais, existe um maior atrelamento do Estado com o narcotráfico. Na Colômbia, o narcotráfico é a forma de sustentação dos grupos que se opõem ao governo, rivalizando com ele pelo controle político.