Ano VIII - Nº 110 - Março-Abril/2003












 

Pesquisa analisa caráter simbólico de Win Wenders

Um cinema que reflete o olhar dos anjos, ao falar sobre as misérias humanas e que ilustra o movimento incessante dos acontecimentos no mundo globalizado por meio de imagens lentas e em preto e branco. Esse caráter simbólico e contraditório permeia toda a obra do cineasta Win Wenders, autor de clássicos como Buena Vista Social Club e Asas do Desejo, foi objeto de estudo da pesquisadora Isabel Duarte, professora do Departamento de Comunicação Social da UFPE. Isabel também analisou como o roteiro e as estratégias de filmagem e fotografia dos filmes de Wenders refletem a raiva e, ao mesmo tempo, o entusiasmo diante de avanços como a Internet e a tecnologia eletrônica aplicada às imagens.

Os filmes de Wenders surgem, no fim dos anos 70, para acabar com a estagnação do cinema alemão do pós-guerra, período em que a maior parte dos filmes vistos na Alemanha eram importados do gênero pornô. “Mas Win Wenders sabe que é apenas uma mosca perturbadora da ordem social contemporânea, na qual cultura se torna sinônimo de mercadoria e expressa esse sentimento por meio das falas de seus personagens”, explica. No filme O Estado das Coisas (1980), por exemplo,uma das personagens comenta ironicamente que “a reflexão é imprópria para o consumo, nesses tempos de McDonald’s”.

Apesar de ser um crítico feroz do Capitalismo, o cineasta alemão deixa passar nos seus filmes “uma certa euforia com as regalias proporcionadas pela sociedade de consumo e com o potencial das novas tecnologias, responsáveis, dentre outros fenômenos, pelo encurtamento das distâncias”.

Essa crise de identidade e de representação marca toda a filmografia wenderiana. “Os personagens de Win Wenders são consumidores entusiásticos de jogos eletrônicos, coca-cola e rock, mas também enfrentam terrível solidão e vazio existencial”, enfatiza. O movimento lento da câmera, filmando imagens de personagens localizados em diversos lugares do mundo, é uma tentativa, conforme a professora, de representar esse “falso movimento”.

OLHAR DO ANJO - Uma das alegorias que mais fascina Win Wenders é a do anjo, utilizado para representar a capacidade que o cinema tem de fazer visível o que nossos olhos não enxergam naturalmente. “Para Wenders, assim como para o filósofo Walter Benjamin, a imagem-câmera flagra o movimento secreto das coisas, tendo, portanto, o poder de revelação”, analisa.

“Wenders considera a história como a narrativa dos vencidos, um movimento inevitável em direção à catástrofe”. Outra forma de camuflar a desgraça da humanidade seria tratar o passado como algo que morreu. O cineasta verifica isso na sociedade alemã que tenta esquecer o Nazismo. “Em seus filmes, o autor ressalta a influência marcante do Nazismo mesmo depois de tanto tempo. A identidade fragmentária dos personagens (marginais, nômades, artistas, desempregados) reflete também o trauma dos alemães com relação ao fascismo na Alemanha. Livres de vínculos afetivos, sociais ou institucionais, esses personagens acreditam estar distantes do fantasma do totalitarismo”, conclui a professora.