Quarta Zona de Arte

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Quarta Zona de Arte: Prazer, Transformação e Amizade

A Quarta Zona de Arte e nasceu como resposta de alguns artistas jovens a uma ausência de política cultural das artes plástica na década de 1980. O ateliê coletivo se configurou como um espaço de produção, formação, exibição de exposição e difusão dos fazeres da arte contemporânea, localizado no Bairro do Recife, em um casarão eclético de três pavimentos da Rua Marquês de Olinda. À época, no prédio funcionava um armazém no primeiro andar e um bordel no segundo e terceiro, resquícios dos anos de glória do bairro comercial, que, à noite, mantinha vestígios do “centro” da boemia e do comércio sexual da cidade do Recife.

No início, em 1988, os artistas José Paulo e Maurício Castro ocupavam o prédio como espaço de ateliê, mas, aos poucos, convidaram amigos para compor um coletivo. Entre eles, estavam os artistas Humberto Araújo e Fernando Augusto. Depois, vieram Flávio Emanuel, Aurélio Velho e Márcio Almeida, entre tantos nomes de artistas que passaram pela galeria de arte, por cursos e oficinas, por debates sobre as políticas culturais e a situação política do País. Novos encontros e novas afinidades entre os integrantes surgiam, e, evidentemente, com a maior socialização dos gastos, novas ações decolaram. Ainda no aspecto de ampliação e formação de público, a partir do convívio nos cursos, e entre muitos outros artistas jovens que eram convidados para expor nas mostras, um grande número de pessoas que não frequentava o Bairro do Recife passou a visitá-lo, e isso também colaborou para a fruição de uma outra maneira de exibir as artes plásticas, conferindo-lhes nova visualidade poética.

Na ocupação inicial realizaram uma experiência com outros artistas, transformando o espaço em um laboratório de pintura coletiva da Brigada Henfil. A experiência resultou na produção de pinturas de grandes dimensões — grandes formatos —, Painéis Coletivos, que foram expostas em uma mostra no Museu de Arte Contemporânea – MAC, em Olinda, do final de setembro de 1988 até maio de 1989. O exercício da rua era deslocado para o ateliê e, mais uma vez, deslocado para as paredes do museu, numa atividade pictórica fortemente arraigada a uma tradição de pintura e de arte crente na sua capacidade de ser um canal para a manifestação de perplexidades e/ou protestos frente ao real.

O Quarta Zona revela-se ao público e aos patrocinadores de suas realizações imbuído destes pressupostos principais: espaço para arte contemporânea; proposta autônoma e independente; o debate não está fechado nos fazeres e procedimentos da arte, mas quer discutir do ponto de vista da cultura e está antenado com seu tempo: faz arte do seu tempo e abre o espaço para ela. Como um manifesto, a atitude está tomada, e, nesse aspecto, o diálogo é estabelecido com os jovens artistas da época: muitos passaram por exposições na galeria do Quarta Zona de Arte e por seus eventos.

Foram muitas as mostras expositivas realizadas nessa galeria, como, por exemplo, a exposição coletiva 13 Artistas em Tempos de Cólera (1992), com a participação dos artistas Alexandre Nóbrega, Ana Lua, Dantas Suassuna, Fernando Augusto, Flávio Emanuel, Joelson Gomes, José de Mandacaru, José Patrício, José Paulo, Márcio Almeida, Maurício Castro, Maurício Silva e Rinaldo. O título certamente faz uma relação com a ameaça de uma epidemia de cólera no Estado e também uma alusão ao romance O Amor nos Tempos do Cólera (1985), de Gabriel García Márquez.

E vieram outras mostras. Nesse mesmo ano, a exposição Impressões, com os artistas Alexandre Nóbrega, Aurélio Velho, Dantas Suassuna, Fernando Augusto, Flávio Emanuel, Humberto Araújo, Joelson Gomes, José de Mandacaru, José Paulo, Marcelo Silveira, Maurício Castro, Maurício Silva e Rinaldo; e outra, Quarta Dimensão, com a participação de 16 artistas, entre eles os veteranos Luciano Pinheiro e José de Barros. Além da mostra Inútil Útil, em 1993, marcada pela forma mais radical do uso do suporte e pela presença maior do objeto, rompendo com o bidimensional, com a pintura, a gravura e o desenho como formas de representação isolada e como procedimentos da tradição na representação da arte pernambucana. Foram convidados 43 artistas para participar da exposição, resultando numa mostra extremamente aberta a novas interações e socialização da galeria.

Nesse período, tem-se a última grande exposição organizada pelo Quarta Zona e pelo Atelier do Cais. O título, Da Zona ao Cais. Do Cais à Zona, segundo Adriana Dória, jornalista, na época, do Jornal do Commercio, foi inspirado na música do mangueboy Chico Science que tem o refrão: “Da lama ao caos, do caos à lama”. Tratava-se de uma coletiva simultânea, que criava um circuito expositivo entre o Quarta Zona e os recém-criados ateliês. O tema da contaminação — que aqui pode ser lido também como influência nos trabalhos uns dos outros, causada pela prática e convivência nos coletivos, sobretudo da turma do Quarta Zona — aparece como uma preocupação. Daí resultam novos rearranjos de grupos e a formação de novos ateliês, entre outros elementos, como necessidades de isolamentos, casamentos e mudanças do próprio local. Dentre os primeiros fundadores, Castro parte para morar em Barcelona, e José Paulo — juntamente com Rinaldo, Maurício Silva e Cristina Machado, artista que havia participado da Inútil Útil — inicia suas pesquisas com a cerâmica. Nasce um processo de desestruturação da proposta inicial e uma busca por percursos distintos.

O percurso que faz o Quarta Zona desde a sua fundação até o processo de fragmentação, de mudanças e de se desfazer, em 1994, coincide com transformações no campo das artes plásticas nessa nova década: institucionalização da cultura via leis de incentivos; surgimento de instituições vinculadas ao poder econômico privado, sobretudo bancos, e de novas autoridades que legitimam as tendências da arte, os próprios artistas e as exposições, entre outros elementos percebidos no meio artístico da cidade.

Joana D’Arc de Souza Lima