Brigada Henfil

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Com foco nas artes visuais, a Brigada Jarbas Barbosa e a Henfil, criadas em 1986 e 1988 respectivamente no Recife, contaram, em seus núcleos fundadores, com a participação dos artistas José Paulo e Maurício Castro. Depois, outros artistas se integraram a elas como era a prática desses agrupamentos, muitas vezes efêmeros e ocasionais. Falando retrospectivamente sobre essas brigadas e seus fundadores, ambos viam na articulação desse movimento uma maneira de exercitar a pintura fora do ambiente universitário e dos cursos livres de produção pictórica, que, naquele momento, eram extremamente acadêmicos. As brigadas ofereciam a possibilidade de fazer pinturas em grandes dimensões (uma escola experimental), com forte recorrência das questões e demandas políticas solicitadas pelo contexto da época.

Em 1988, a Brigada Henfil surgiu pintando murais de rua para o candidato Humberto Costa, do Partido dos Trabalhadores, transformando regiões geográficas da cidade do Recife num grande laboratório experimental de pintura. A Brigada Henfil promoveu a interação pública entre arte e espectador e teve uma participação importante na campanha política naquele ano, ocupando espaços e pintando faixas, cartazes e muros.

Embora permanecesse a ideia do fazer coletivo, esses murais deixam entrever a identidade individual de cada artista que integra a Brigada Henfil. O momento pedia que se revelassem as alteridades estéticas e se reconhecessem as singularidades, porque esses artistas jovens já vinham conquistando alguma visibilidade pela presença de seus trabalhos nos salões anuais e em exposições organizadas pelos coletivos que fundavam, e a imprensa local começava a dar destaque a suas ações. Então, agindo conjuntamente em ações públicas referentes ao pleito eleitoral, discutindo política e apostando em novas legendas partidárias para o enfrentamento das velhas oligarquias locais, os brigadistas da Henfil faziam um exercício pictórico em que afirmavam suas identidades — coletiva e individual.

Muitos murais tinham seu processo de amadurecimento feito previamente em ateliê.  Citamos o mural pintado nos muros da Escola Parque em 1989 — Setúbal, no Recife. Depois de dezenas de estudos, inclusive em função da sua dimensão — tinha 50 m x 2,10 m —, foi elaborado um layout em escala e dividido por metro. E foi nesse trabalho mural que estiveram mais presentes as recorrências poéticas individuais de cada artista. A cada artista foi destinado um espaço do muro e ficou claro e bem demarcado o que era a pintura de cada um dos participantes.

Outra particularidade da Henfil era a forma de narrar as questões políticas. Sem ser explicitada, a mensagem política não era lida facilmente. O painel no muro da Escola Parque era uma imensa plataforma de pintura em grandes dimensões, uma galeria a céu aberto, uma poética pictórica bastante singular, marcando diferenças que se punham na pauta da pintura feita no Recife.

A produção da Brigada Henfil nesse momento revela uma autonomia do gesto e da identidade artística dos participantes. O espaço em branco era desafiador também no sentido de imprimir uma poética de autoria artística. O muro pintado dizia não só de uma política vista e vivida de maneira diferente daquela feita no início da década de 1980, mas também da própria pintura produzida, de seus elementos narrativos, das gestualidades impressas, dos cromatismos vibrantes e do expressionismo decalcado de um imaginário constituído por jovens mais maduros como artistas.

Das experiências de rua, da pintura em grande formato e de um amadurecimento na produção pictórica e na autonomia dos repertórios individuais, os brigadistas da Henfil deslocaram-se para o espaço do Museu de Arte Contemporânea – MAC, em Olinda, apresentando 12 painéis, Painéis Coletivos, no período de setembro de 1988 até maio de 1989. Esse deslocamento marcou a instituição que os recebeu, fortalecendo uma política pública de exibição menos formal e antenada com o seu tempo, valorizando poéticas e práticas de artistas jovens que estavam, naquele momento, respondendo a demandas políticas/sociais e redimensionando o próprio meio das artes. Essa mostra ampliou o debate sobre a pintura mural coletiva no meio artístico e as reflexões sobre grandes formatos, que nessa década era um forte elemento da produção artística pictórica em âmbito nacional e internacional — basta citar a Bienal da Grande Tela, curada pela crítica de arte Sheila Leiner — e, ainda, acabava por contaminar os organizadores do Salão de Arte de Pernambuco, que inserem no evento a categoria de arte-mural coletiva, ampliando tradições e deslocando sentidos e práticas.

“A Brigada tem lutado para tornar-se um grupo de arte mural. Nesse sentido, criamos um laboratório de pintura coletiva com o objetivo de proporcionar uma troca de experiências estéticas entre os participantes, como também estudar, de forma aprofundada, técnicas de pintura, dinâmica de criação e execução de grupo, possibilitando, inclusive, uma prática artística para aqueles que estão se iniciando no muralismo. A exposição apresentada é o resultado desta experiência [...]. Um trabalho artístico que é um ponto de partida para futuras intervenções nas ruas, bem como uma contribuição, que se some às outras que existem, no movimento muralista pernambucano.” (Texto do convite da exposição da Brigada Henfil, 1988.)

Joana D’Arc de Souza Lima