Fusão de DuPont e Dow Chemical cria líder global de agrotóxicos e sementes

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NOVA YORK/RIO/SÃO PAULO/BRASÍLIA – Cosméticos, autopeças, defensivos agrícolas. Duas centenárias empresas americanas que estão no coração da cadeia produtiva desses e de outros setores tão presentes no dia a dia das pessoas anunciaram ontem a fusão entre suas operações. A união da Dow Chemical e da DuPont criará um conglomerado de US$ 130 bilhões em valor de mercado e um líder mundial na produção de agrotóxicos e sementes, desbancando a americana Monsanto do pódio. Na avaliação de alguns analistas, a operação resultará em maior concentração de mercado, com risco de aumento de preços para os produtores rurais, especialmente no Brasil, onde as duas empresas têm forte atuação no segmento agrícola.

A empresa resultante da fusão se chamará DowDuPont, terá receita de US$ 84 bilhões e manterá uma dupla sede, nos estados americanos de Delaware e Michigan, que hoje abrigam os escritórios centrais de DuPont e Dow, respectivamente. As duas são gigantes do setor químico e não entregam o produto final ao consumidor. Produzem bens intermediários que são matérias-primas para outras indústrias, atuando de forma complementar em algumas áreas e sobrepondo-se em outras, como no setor agrícola.

info-dowdupont‘VAI APROFUNDAR O OLIGOPÓLIO’

Um dos pontos fortes da Dow é a produção das chamadas resinas, originadas a partir do petróleo ou do gás natural e que são usadas na indústria de plásticos para fabricar embalagens, brinquedos, peças de automóveis etc. A DuPont tem presença mais significativa nas fases posteriores da cadeia produtiva, em que os químicos são usados na indústria de beleza (ácidos para tratamento de pele, por exemplo) ou no setor têxtil (fibras para colete à prova de balas).

— A fusão mostra que há uma tendência de as empresas caminharem na direção que a DuPont tomou de forma mais acelerada, especialmente por causa das restrições ao uso do carbono (que está na base dos combustíveis fósseis da petroquímica). A Dow ainda tem ativos relevantes na petroquímica. Acredito que empresas como a americana Exxon (que produz petróleo) vão acabar intensificando seu papel na petroquímica, liberando atuais players desse setor para fases mais avançadas da cadeia produtiva — avalia João Zuñeda, sócio da consultoria MaxiQuim.

A fusão não envolve dinheiro, apenas troca de ações. Os acionistas da DuPont vão receber 1,282 ação da Dow para cada papel em sua posse. Já os acionistas da Dow vão receber apenas uma ação da DuPont para cada papel. Após a transação, os acionistas de cada empresa ficarão com cerca de 50% da nova companhia. Os papéis da Dow caíram ontem 2,80% na Bolsa de Nova York, a US$ 53,37, e os da DuPont recuaram 1,57%, a US$ 31,32.

A expectativa é que haja um corte de custos de US$ 3 bilhões com sinergias e que a fusão seja concluída no segundo semestre de 2016. Entre 18 e 24 meses depois, a companhia será separada em três empresas independentes, que atuarão nos segmentos agrícola (defensivos e sementes), de materiais científicos (que inclui revestimento e soluções para sistemas automotivos) e de produtos especiais (voltados para higiene pessoal, nutrição, eletrônicos, entre outros).

Hoje, a DuPont ocupa o quarto lugar no ranking global do setor agrícola em faturamento. A Dow vem em seguida, no quinto lugar. Juntas (US$ 19 bilhões, com base em dados de 2014), elas ultrapassarão a Monsanto (US$ 16 bilhões), a suíça Syngenta (US$ 14 bilhões) e a alemã Bayer (US$ 12 bilhões). Procurada, a Monsanto não comentou a fusão.

— Vai aprofundar o oligopólio. Com menos concorrência, será aberta uma brecha para aumento de preços. As duas empresas vão cortar custos com sinergias, mas não reduzirão suas margens de lucro — disse Reginaldo Minaré, consultor de tecnologia da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

No segmento de materiais especiais, as empresas assumirão a vice-liderança mundial, posto já ocupado hoje pela Dow. A DuPont tem menor relevância nessa área, ocupando atualmente a 11ª posição. A dianteira será mantida pela alemã Basf. No ramo de produtos especiais, as empresas disseram que ficarão entre as líderes, mas não informaram a posição no ranking global.

ANALISTAS: CADE NÃO DEVE SE OPOR

Não está claro como a fusão será feita no Brasil. Juntas, as duas empresas teriam 5.731 funcionários, 25 fábricas e receita de US$ 5,5 bilhões, superando a rival Basf, que registrou faturamento de € 4 bilhões, ou US$ 4,3 bilhões, na América do Sul — a empresa não revela receita por país. A Basf não comentou a operação. No mundo, DuPont e Dow têm 107 mil empregados, e há perspectiva de cortes.

“Certamente haverá demissões. Não sabemos detalhes ainda”, disse ao jornal britânico “Financial Times” o presidente executivo da DuPont, Edward Breen.

Breen será o presidente executivo na DowDuPont. Seu equivalente na Dow, Andrew Liveris, assumirá a presidência do Conselho de Administração da nova empresa. Cada companhia vai indicar oito dos 16 integrantes do conselho.

Segundo o jornal americano “Wall Street Journal”, não há garantia de que as autoridades antitruste darão aval para a fusão. No Brasil, a avaliação de especialistas é que não deve haver oposição por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

— Se julgarmos pelo que ocorreu com o setor de fertilizantes, que é ainda mais concentrado (Monsanto, Yara e Bunge), não acredito que o Cade vá se opor à operação — disse Minaré, da CNA.

Procurado, o Cade informou que não comentaria a operação até que o edital do ato de concentração seja publicado no Diário Oficial. A análise vai depender de como a operação será apresentada no mercado brasileiro: se a fusão será total ou parcial e se as próprias empresas vão sugerir algum tipo de desinvestimento para garantir a aprovação do negócio.

Para Pascal Juéry, membro do comitê executivo da concorrente Solvay, a união de Dow e DuPont é uma “tendência no mercado mundial”. A Abiquim, que reúne as empresas do setor químico no Brasil não se manifestou.

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