"O cinema etnográfico é sobretudo um audiovisual de pesquisa em contínua mutação", comenta Jose Ribeiro

O antropólogo, pesquisador do cinema etnográfico e jurado do VI Festival  Internacional do Filme Etnográfico do Recife Jose Ribeiro comenta sobre  expectativas para o VI Fifer e sua experiência com cinema etnográfico.

 

Quais as expectativas para o VI Festival Internacional do Filme     Etnográfico do Recife?
É uma excelente iniciativa por várias razões: o destaque que dá ao filme etnográfico e aos seus realizadores – o filme etnográfico existe e está vivo; a sua integração no processo de formação dos estudantes de antropologia, dos estudantes da arte e dos estudantes universitários em geral – o filme etnográfico é cada vez mais interdisciplinar; as atividades em torno do festival atingem públicos muito diferenciados – desde as crianças das escolas que realizam suas atividades até aos públicos em geral que se podem rever no festival como mosaico de culturas de abertura ao mundo e da representação cinematográfica da cultura, da   interculturalidade, dos processos de mudança.

Manifesto o desejo e até ansiedade de me envolver nas múltiplas e apaixonantes atividades do festival – mostra competitiva, mostras paralelas, outros olhares, Fórum de Debates e na extensão do Festival na minha cidade e no meu País.

Para você, o que torna um filme etnográfico? O que é filme etnográfico?

Sempre uma pergunta difícil que a própria direção do festival reconhece ao atribuir os prêmios na mostra competitiva de Melhor Filme Etnográfico e Melhor Documentário. A primeira dificuldade é esta de distinguir o documentário do filme etnográfico. Uma segunda dificuldade decorre do fato de os mestres do cinema etnográfico, sobretudo Jean Rouch (e os herdeiros de seus ensinamentos), continuamente desconstruirem os gêneros, recusá-los e refazê-los dando origem ao que poderíamos chamar de “cinema-ensaio” ou, como lhe chamou num texto publicado: “cinema do futuro”, um cinema fundamentalmente arte e investigação, um cinema marcado por preocupações epistemológicas, éticas, estéticas e políticas (da representação cinematográficas).

O cinema etnográfico é sobretudo um audiovisual de pesquisa em contínua mutação decorrente de novos paradigmas epistemológicos, da exploração de novas formas, da utilização de novas tecnologias e de novas linguagens, do desenvolvimento de práticas muito diferenciadas e solidificação de boas práticas. Não se trata pois de uma proposta meramente estética, de uma simples subversão das formas, nem de um desvio das normas científica. Resulta de uma atitude crítica e criativa que se vai estratificando com as lições dos grandes e das práticas desenvolvidas por um número cada vez maior de antropólogos, cineastas, pedagogos, uma prática verdadeiramente interdisciplinar e intercultural.

Há alguns princípios em que assenta: a improvisação decorrente da adaptação às situação do trabalho de campo, assente em processos dialógicos que recusam autoridade e linearização de uma voz única, suscetível de juntar o real e o imaginado (realidade e a ficção), preocupado com a questões éticas da exposição e representação da alteridade e da interação entre as culturas dos atores sociais implicados na sua produção ou mesmo dos benefícios (ou malefícios) que o filme etnográfico traga para as pessoas ou as comunidades envolvidas na sua realização. É também um cinema que procura cada vez mais desenvolver métodos colaborativos de realização /produção ou mesmo capaz de dar passos firmes no desenvolvimento de uma antropologia recíproca.

Qual a sua relação com o cinema etnográfico?

Admirador da obra de Jean Rouch desde que, na década de 1970, apresentou seus filmes no Porto, desenvolveu as primeiras experiências de cinema etnográfico em Moçambique e contribuiu para a criação dos Ateliers Varan [uma associação de realizadores audiovisuais de Paris]. Posteriormente na formação em Cinema e na formação em Antropologia Visual. Primeiro como estudante e posteriormente como professor nos cursos de Ciências Sociais e de Documentário e como coordenador do Laboratório de Antropologia Visual do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta de Portugal. No decorrer da formação, do ensino e da investigação, fiz alguns ensaios fílmicos. Atualmente, na colaboração nos Encontros de Cinema de Viana do Castelo [Portugal], no Festival de Filmes do Homem [Portugal], no Festival de Cinema de Avanca [Portuga] e nas respetivas conferências de cinema que acompanham estes festivais. Ainda nas colaborações pontuais com o DIVERSITAS na Universidade de São Paulo e com outras Universidades em Portugal e no Brasil – Curso de Iniciação ao audiovisual de pesquisa e metodologias audiovisuais participativas.

Qual a expectativa enquanto jurado?

Tarefa muito difícil mas estimulante. Difícil por ter de ver e analisar com muito cuidado os filmes da Mostra Competitiva. Ver quais são os critérios estabelecidos para a avaliação dos mesmos. Aferir esses critérios com os procedimentos internacionais – Sociedade Francesa de Antropologia Visual, Associação Americana de Antropologia, Australian Institute of Aboriginal Studies. Estimulante por permitir acesso aos filmes que chegam ao Festival Internacional do Filme Etnográfico do Recife O visionamento e o visionamento repetido, o debate em tornos dos filmes, o encontro com colegas que em outras partes do mundo se dedicam ao desenvolvimento das mesmas práticas ou de práticas semelhantes.

 

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