Ano VIII - Nº 94 - Fevereiro/2002












 

Código Civil teve poucas alterações

Professor da Faculdade de Direito que participou da reformulação do Código Civil Brasileiro avalia que mudanças não justificam supressão do antigo código

Silvio Neves Baptista *

O novo Código Civil Brasileiro entrará em vigor a partir de 10 de janeiro de 2003, mantendo basicamente a mesma estrutura do Código de 1916. A exemplo do código vigente, o novo Código Civil está dividido em duas partes, uma geral e outra especial. A Parte Geral contém três Livros: I - Pessoas; II - Bens; e III - Fatos Jurídicos. A Parte Especial traz cinco Livros: I - Direito das Obrigações; II - Direito de Empresa; III - Direito das Coisas; IV - Direito de Família; e V - Direito das Sucessões, além de um Livro Complementar, regulando as Disposições Finais e Transitórias.
Ao contrário do que tem sido amplamente divulgado, as modificações introduzidas pelo novo Código Civil foram em número relativamente reduzido ou, pelo menos, numa proporção que não justificaria a supressão do Código vigente. A maior inovação do novo código foi, sem dúvida, a reunificação do direito obrigacional, tal como fizera a reforma do código italiano de 1942, revogando o Código Comercial e consolidando na lei civil as normas gerais e especiais do direito das obrigações, inclusive toda a matéria relativa aos contratos civis e mercantis, aos títulos de crédito e ao direito empresarial e societário. Com isso, restou ao direito comercial um campo extremamente limitado.


Na Parte Geral, as principais alterações foram a cessação da menoridade aos 18 anos; a regulamentação específica dos direitos da personalidade; a inserção do estado de perigo e da lesão entre os defeitos do ato jurídico e a disciplina em separado dos prazos prescricionais e de decadência.
Na Parte Especial, o Código introduziu o livro do Direito de Empresa e fez alterações em todas as demais subdivisões especiais. No Livro do Direito das Obrigações, além da reunificação do direito obrigacional, o novo código tipificou seis contratos que não constaram do código de 1916: o estimatório, a comissão, a agência e distribuição, a corretagem e o transporte. Cuidou também das normas gerais da responsabilidade civil, depois de haver estabelecido as regras especiais da responsabilidade negocial, deixando no Livro do Direito de Empresa a disciplina própria da responsabilidade empresarial, sem a menor sistematização.
Quanto ao Direito das Coisas, o novo código retirou a enfiteuse do rol dos direitos reais, proibindo a sua constituição, ressalvadas apenas as enfiteuses de terrenos de marinha; introduziu o direito de superfície e o direito de promitente comprador de imóvel. Em que pe-se a sua propalada "modernidade", o novo Código manteve, inexplicavelmente, o anacrônico instituto da anticrese.


Foi no Direito de Família que se verificou o maior número de alterações, uma vez que o projeto transformado em código teve de incorporar ao texto primitivo todas as inovações introduzidas não só pela Constituição Federal de 1988, como pelas leis ordinárias editadas posteriormente a ela. Desse modo, foram inseridas no novo Código Civil as disciplinas normativas referentes à extensão do conceito de família aos grupos formados pela união estável e família monoparental; à igualdade dos direitos e deveres do marido e da mulher; e à completa equiparação dos filhos, inclusive dos adotados.
Afora essas inserções originadas do texto constitucional e de leis ordinárias que lhe seguiram, o novo Código Civil fez as seguintes alterações no Livro do Direito de Família e, entre outras de menor importância, fixou em 16 anos a idade mínima para o casamento, tanto para os homens como para as mulheres; trouxe para o texto do código as regras concernentes ao casamento religioso, antes regido pela Lei dos Registros Públicos; tratou separadamente os impedimentos matrimoniais e as causas suspensivas do matrimônio; aboliu o regime dotal, incluiu o regime de participação final dos aqüestos, e admitiu a mudança do regime de bens entre os cônjuges.


Por outro lado, deslocou da parte geral para a especial a matéria concernente ao bem de família, retrocedendo em relação aos benefícios sociais concedidos pela Lei nº 8.009/90. É que enquanto essa lei considera impenhorável o imóvel residencial próprio do casal, independentemente de qualquer formalidade, o novo código volta a exigir os mesmos requisitos para a constituição do bem de família constantes do Código de 1916, e que haviam sido derrogados pela citada lei desde 1990. Assim, a partir da vigência do novo Código, somente serão impenhoráveis os imóveis residenciais que tenham sido instituídos como bem de família através de escritura pública e registrada no Registro de Imóveis, e desde que não ultrapassem um terço do patrimônio líquido do instituidor.
Por fim, no tocante ao Direito das Sucessões, as principais modificações inseridas pelo Código ora sancionado consistiram na alteração da ordem de vocação hereditária, concorrendo o cônjuge com o descendente e o ascendente; na incorporação das regras de sucessão do convivente da união estável; na inclusão do cônjuge como herdeiro necessário e na criação do testamento aeronáutico.
* Sílvio Neves Baptista é mestre em Direito