Ano VIII - Nº 95 - Março/2002












 
A história que surge das escavações

Arqueólogos da UFPE tiveram participação determinante nas escavações para desvendar a história da mais antigas sinagogas das Américas

Clécio Vidal

Após realizar importantes descobertas no local onde funcionou a primeira sinagoga das Américas, no bairro do Recife, arqueólogos da UFPE vão iniciar as buscas do mais antigo cemitério israelita do continente. De acordo com o coordenador das pesquisas, Marcos Albuquerque, o cemitério está localizado, provavelmente, no bairro dos Coelhos. "Se nós encontrarmos lápides, teremos informações seguras a respeito das famílias que aqui viveram e de seu relacionamento com as que fundaram Nova York ", revela Albuquerque. O arqueólogo afirma que trabalhos como esse realizados pela Universidade tornam o Recife uma das cidades das Américas com um maior conhecimento arqueológico de sua antiga malha urbana.

Segundo relatam os historiadores, foram os judeus vindos em fuga da Europa que ergueram a sinagoga. Mais tarde, esses judeus fundaram, nos Estados Unidos, uma colônia que deu origem a Nova York. Com base nos dados arqueológicos obtidos, foi feita uma restauração do templo, aberto para visitas, oficialmente, no último dia 18. "Identificamos o espaço original da sinagoga como ainda as alterações realizadas pela interferência dos padres oratorianos que ocuparam o imóvel após a retirada holandesa", afirma o pesquisador.

PORTA DA TERRA - Mais uma porta do passado se abre nos estudos realizados pela Universidade. Terá início este ano a busca do outro baluarte que compunha a chamada Porta da Terra, portão da muralha de proteção do Recife, erguida no período do governo de Maurício de Nassau, durante o domínio holandês. A Porta da Terra funcionava como acesso a Olinda, e acredita-se que está localizada onde hoje é a Rua do Bom Jesus. Em trabalhos anteriores, os arqueólogos da UFPE encontraram um dos baluartes desta muralha. "Quando encontrarmos o segundo, acharemos a Porta", conta Marcos Albuquerque.

De acordo com Albuquerque, grande parte do que nós conhecemos hoje como Recife Antigo é decorrente de alteração das construções ocorridas a partir de 1913, com influência da arquitetura francesa. A Rua do Bom Jesus é um dos poucos exemplos de que realmente foi o Recife Antigo. Os arqueólogos da Universidade estão estudando a sucessão de construções que foram feitas desde a fundação da cidade. Mais de 100 mil fragmentos de peças de louça de uso cotidiano ( material datado desde os primeiros séculos da colonização até o século XX) foram encontrados até agora.

Quando as pesquisas forem concluídas vai-se saber como era a distribuição das pessoas, por classe social, nas ruas do Recife. "Era utilizada, na cidade, por exemplo, uma cerâmica inglesa chamada Blue Edge. Esta louça teve uma grande difusão no Brasil. Já encontramos do Rio Grande do Sul ao Amazonas. Embora seja uma louça importada da Inglaterra, era muito popular", diz o pesquisador.

ALFÂNDEGA - Outro projeto que está em fase de negociação com a prefeitura é a procura de um arco e de uma ponte holandesa no Pólo da Alfândega. Marcos Albuquerque acredita que a sociedade hoje interpreta de outra forma as descobertas arqueológicas. " Um trecho da muralha do Forte Brum foi achado dentro da Galeria Ranulpho. O dono da galeria, de livre vontade, construiu uma proteção de blindex para o achado, além de colocar iluminação no local. Hoje a própria muralha é uma obra de arte da galeria.

O passado deixa de ser visto como relíquia e passa a ser um elo de integração com o presente", diz Albuquerque. " Na época em que vivemos, de constante transformação e quebra de identidade, a reconstituição do passado nos faz entender as razões de nossa identidade, como ela vai se construindo ao longo do tempo. É uma forma da sociedade se encontrar", declara Marcos Albuquerque.

Pioneirismo na arqueologia histórica

O Departamento de Arqueologia da UFPE é pioneiro na arqueologia histórica. Iniciada em 1965, a diferença desta especialidade com relação aos estudos arqueológicos é que a atenção deixa de estar voltada somente para a pré-história. "O objetivo da arqueologia histórica é auxiliar ao trabalho dos historiadores que normalmente trabalham com documentos, na reconstituição dos costumes de populações do período histórico propriamente dito", explica o arqueólogo Marcos Albuquerque, que foi um dos primeiros arqueólogos do País a trilhar este caminho. Albuquerque analisou os vestígios da Feitoria de Cristovão Jacques, primeiro ponto de desembarque dos europeus em Pernambuco.

A primeira restauração feita no Brasil com base em pesquisas arqueológicas foi a recuperação da Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Olinda, nos anos 70, que contou com a colaboração dos arqueólogos da UFPE. O professor Marcos Albuquerque também foi o primeiro a utilizar a radiologia para a pesquisa arqueológica (radiografia com nível de detalhe), analisando o método de manufatura das cerâmicas dos sítios pré-históricos tupi-guarani de Araripina, no Sertão pernambucano.