Ano VIII - Nº 95 - Março/2002












 

Gramático de renome nacional, Evanildo Bechara afirma que houve uma diminuição das fontes de cultura da sociedade e que esse fator se reflete no uso da língua portuguesa

José Carlos Targino

Para que serve a gramática?
Quando se faz essa pergunta, fica-se em dúvida na resposta, porque sob a denominação de gramática se pode aludir a coisas bem distintas, já que não há uma só gramática. Pondo de lado outras acepções, podemos dizer que a gramática a que geralmente se refere estuda as tradições lingüísticas consideradas como sistemas. Ao lado dessa gramática, há a gramática geral, que é uma parte da lingüística teórica, que estuda os conceitos e as definições gramaticais.

A gramática que estuda e descreve o sistema de uma língua particular (português, inglês, francês etc.) chama-se gramática descritiva, e se caracteriza por examinar como essa língua particular funciona, isto é, como é, e não como deveria ser. Já a gramática normativa, com finalidade didático-pedagógica, elenca ou reúne as formas eleitas da língua exemplar que se usa em determinadas situações da vida cultural.

Nunca os brasileiros praticaram tão erradamente a norma urbana culta quanto nos dias que correm. Por que isso?
Não conheço estudos que tenham determinado o grau de cultura ou de incultura com reflexos no uso ou desconhecimento da norma urbana culta. O que hoje assistimos em matéria de conhecimento da norma culta se deve a vários fatores, dos quais o importante, talvez, seja a diminuição das fontes de cultura da sociedade. Hoje, praticamente, o último baluarte cultural seja a Escola, degustada em seu valor, vilipendiada pelos poderes práticos e desprestigiada pela própria sociedade.

Por outro lado, e como conseqüência, há o privilegiamento do registro distenso, que aumenta a distância entre a fala (e a escrita) espontânea e o texto redigido dentro da tradição culta, em geral posta em uso na língua literária. O ensino que utiliza exclusivamente textos não literários retira do educando a possibilidade de entrar em contacto com formas e construções mais elaboradas. Já o primeiro gramático da língua portuguesa, Fernão de Oliveira, acentuava, em 1936, que a língua é o que seus falantes fazem dela.

Há quem diga que o mais importante não é falar certo e, sim, comunicar. O sr. concorda?
Aí está uma das razões ou motivações que justifica a situação de que falamos na resposta anterior. Essa produção 'natural', que nasce do conhecimento que cada um de nós tem de sua língua, atende às primeiras necessidades, que, quase sempre, é suficiente quando falante ou ouvinte estão presentes, porque aí elementos extra-lingüísticos participam e garantem a comunicação. A função da Escola é transformar esse conhecimento intuitivo da língua numa competência reflexiva.

Para escrever certo, e bem, é preciso conhecer regras gramaticais?
Escrever certo não significa sempre escrever bem, porque essas coisas pertencem a saberes diferentes. Escrever certo é atender a tradição fixada historicamente na comunidade; escrever bem é escrever com coerência de pensamento e adequação à organização do texto. Portanto, há que atender a três saberes: o elocu-tivo (saber pensar e tratar o tema), o idiomático (saber expressar na língua) e o expressivo (saber construir o texto com adequação ao leitor e às circunstâncias).

Como os gramáticos contribuem para os estudos lingüísticos atuais?
À medida que elaboram os produtos que melhor ajudam a descrição de uma língua particular (gramática descritiva), fazem o levantamento adequado dos fatos da língua e não desprezam a lição da gramática geral ou teórica, com sua conceituação e definições.

Alega-se que eles, os gramáticos, nunca se preocupam em fornecer subsídios para uma gramática atualizada da língua portuguesa. Isso é verdade?
Além de não ser verdadeira a afirmação, constitui uma injustiça ao trabalho e pesquisa de autores importantes como Said Ali, Mário Barreto, Souza de Silveira, Antenor Nascentes, Oiticica, Martinz de Aguiar, Heráclito Graça, padre Pedro Adrião, Firmino Costa, Epifânio Dias, José Leite de Vasconcelos, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Júlio Moreira, Gonçalves Viana, Rebelo Gonçalves, entre outros, para só falar dos falecidos.

Há alguma diferença significativa entre a sua gramática e as dos outros autores?
Escrita mais modernamente, aproveitando a lição dos teóricos, dos descritivistas e dos filólogos e gramáticos, a minha gramática se beneficia dessa modernidade, sem ser modernosa.