Gramático de renome nacional,
Evanildo Bechara afirma que houve uma diminuição
das fontes de cultura da sociedade e que esse fator se reflete
no uso da língua portuguesa
José Carlos Targino
Para que serve a gramática?
Quando se faz essa pergunta, fica-se em dúvida na resposta,
porque sob a denominação de gramática se
pode aludir a coisas bem distintas, já que não há
uma só gramática. Pondo de lado outras acepções,
podemos dizer que a gramática a que geralmente se refere
estuda as tradições lingüísticas consideradas
como sistemas. Ao lado dessa gramática, há a gramática
geral, que é uma parte da lingüística teórica,
que estuda os conceitos e as definições gramaticais.
A gramática que estuda e descreve
o sistema de uma língua particular (português, inglês,
francês etc.) chama-se gramática descritiva, e se
caracteriza por examinar como essa língua particular funciona,
isto é, como é, e não como deveria ser. Já
a gramática normativa, com finalidade didático-pedagógica,
elenca ou reúne as formas eleitas da língua exemplar
que se usa em determinadas situações da vida cultural.
Nunca os brasileiros praticaram
tão erradamente a norma urbana culta quanto nos dias que
correm. Por que isso?
Não conheço estudos que tenham determinado o grau
de cultura ou de incultura com reflexos no uso ou desconhecimento
da norma urbana culta. O que hoje assistimos em matéria
de conhecimento da norma culta se deve a vários fatores,
dos quais o importante, talvez, seja a diminuição
das fontes de cultura da sociedade. Hoje, praticamente, o último
baluarte cultural seja a Escola, degustada em seu valor, vilipendiada
pelos poderes práticos e desprestigiada pela própria
sociedade.
Por outro lado, e como conseqüência,
há o privilegiamento do registro distenso, que aumenta
a distância entre a fala (e a escrita) espontânea
e o texto redigido dentro da tradição culta, em
geral posta em uso na língua literária. O ensino
que utiliza exclusivamente textos não literários
retira do educando a possibilidade de entrar em contacto com formas
e construções mais elaboradas. Já o primeiro
gramático da língua portuguesa, Fernão de
Oliveira, acentuava, em 1936, que a língua é o que
seus falantes fazem dela.
Há quem diga que o mais
importante não é falar certo e, sim, comunicar.
O sr. concorda?
Aí está uma das razões ou motivações
que justifica a situação de que falamos na resposta
anterior. Essa produção 'natural', que nasce do
conhecimento que cada um de nós tem de sua língua,
atende às primeiras necessidades, que, quase sempre, é
suficiente quando falante ou ouvinte estão presentes, porque
aí elementos extra-lingüísticos participam
e garantem a comunicação. A função
da Escola é transformar esse conhecimento intuitivo da
língua numa competência reflexiva.
Para escrever certo, e bem, é
preciso conhecer regras gramaticais?
Escrever certo não significa sempre escrever bem, porque
essas coisas pertencem a saberes diferentes. Escrever certo é
atender a tradição fixada historicamente na comunidade;
escrever bem é escrever com coerência de pensamento
e adequação à organização do
texto. Portanto, há que atender a três saberes: o
elocu-tivo (saber pensar e tratar o tema), o idiomático
(saber expressar na língua) e o expressivo (saber construir
o texto com adequação ao leitor e às circunstâncias).
Como os gramáticos contribuem
para os estudos lingüísticos atuais?
À medida que elaboram os produtos que melhor ajudam a descrição
de uma língua particular (gramática descritiva),
fazem o levantamento adequado dos fatos da língua e não
desprezam a lição da gramática geral ou teórica,
com sua conceituação e definições.
Alega-se que eles, os gramáticos,
nunca se preocupam em fornecer subsídios para uma gramática
atualizada da língua portuguesa. Isso é verdade?
Além de não ser verdadeira a afirmação,
constitui uma injustiça ao trabalho e pesquisa de autores
importantes como Said Ali, Mário Barreto, Souza de Silveira,
Antenor Nascentes, Oiticica, Martinz de Aguiar, Heráclito
Graça, padre Pedro Adrião, Firmino Costa, Epifânio
Dias, José Leite de Vasconcelos, Carolina Michaëlis
de Vasconcelos, Júlio Moreira, Gonçalves Viana,
Rebelo Gonçalves, entre outros, para só falar dos
falecidos.
Há alguma diferença
significativa entre a sua gramática e as dos outros autores?
Escrita mais modernamente, aproveitando a lição
dos teóricos, dos descritivistas e dos filólogos
e gramáticos, a minha gramática se beneficia dessa
modernidade, sem ser modernosa.
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