Ano VIII - Nº 101 - Junho/2002












 

Identificada a neuroesquistossomose

A partir de análise comparativa entre portadores e não-portadores da esquistossomose, pesquisa identifica conseqüências neurológicas em pacientes afetados

Louisiana Lima

A esquistossomose pode afetar profundamente o nosso sistema nervoso, causando um déficit cognitivo, quando atinge o encéfalo, ou paralisia, quando afeta a medula. Isso ocorre quando o parasita alcança também as células do sistema nervoso. A confirmação da chamada neuroesquistossomose deve-se a uma pesquisa feita pela neurologista Keyla Fontes para a sua tese de doutorado no Centro de Ciências da Saúde (CCS) e Centro de Ciências Biológicas (CCB), da UFPE.

A constatação decorreu da avaliação de jovens tratados de esquistossomose mansônica hepatoesplênica na infância (forma grave da doença que atinge o fígado e o baço, com indicação de tratamento clínico e cirúrgico). A doença é causada por um verme denominado Schistosoma mansoni, que tem a água como meio de transmissão. O parasita apresenta um ciclo vital duplo: no homem, em cujos vasos sangüíneos vive sua fase adulta, e em caramujos, onde se apresenta na sua fase larvar.

A presença de queixas nos jovens esquistossomóticos relacionadas ao encéfalo, como dificuldade de aprendizagem e cefaléia, muito mais freqüentes que na população em geral, determinou a avaliação neurológica e cognitiva dos pacientes. Também se avaliou o metabolismo dos lipídios, componentes básicos do sistema nervoso. O resultado da pesquisa demonstrou que os jovens pacientes submetidos a tratamento clínico e cirúrgico de esquistossomose mansônica hepatoesplênica na infância apresentavam significativo déficit de cognição com diferença média de 6 anos entre sua idade cronológica e idade mental, enquanto o metabolismo lipídico demonstrava tendência à normalização.

A comparação com o grupo de controle (pessoas da mesma origem socioeconômica e de área endêmica e que não têm a doença) mostrou que os não-portadores de esquistossomose também tinham uma baixa cognitiva, mas, no caso deles, devido à subnutrição.

Para comprovar a neuroesquistossomose como causa do comprometimento intelectual do paciente, foi feito um exame cefalorraquidiano, incluindo testes imunológicos, com resultados positivos significativos. A neuroesquistossomose pode ocorrer no encéfalo e na medula espinhal. Quando a doença atinge a medula espinhal é amplamente sintomática, o paciente apresenta paralisias evidentes e, por isso, é diagnosticada com relativa facilidade. Já as alterações cognitivas decorrentes da forma encefálica da doença não eram consideradas porque os sintomas eram atribuídos à desnutrição, comum em pessoas com baixa condição socioeconômica. Ocorre uma superposição que se tornou evidente ao serem comparados os grupos de pacientes e de controle.

Segundo Keyla Fontes, a grande importância da pesquisa foi detectar que existem alterações decorrentes da esquistossomose no encéfalo. "É importante ressaltar que esse déficit cognitivo, seqüela da doença, se apresenta em grau moderado ou leve - não é intenso como a síndrome de Down, por exemplo - mas pode limitar gravemente a futura inserção profissional do paciente".

Técnicas ajudam tratamento

A esplenectomia - retirada do baço - é aplicada pelo professor Carlos Brandt, do Mestrado em Cirurgia do CCS, em pacientes esquistossomóticos. Porém, como o baço é um órgão que produz células para o sistema imunológico, os pacientes cirurgiados morriam pouco depois de se recuperarem. Sendo assim, o professor Brandt aplicou uma técnica que consiste em recolocar no organismo fragmentos de baço, que acabam fazendo praticamente a função do órgão inteiro, o que se chama de hipereplenose. O resultado da cirurgia é que a sobrevida desses pacientes pode chegar a até dez anos.

Já o professor César Augusto Leal, do Departamento de Bioquímica, avaliou a atividade da enzima LCAT, que participa do metabolismo dos lipídios, em pacientes cirurgiados. Na esquistossomose, essa enzima tem a sua atividade deficiente, o que acarreta um comprometimento de todo o metabolismo lipídico, ocasionando uma alteração nos níveis de colesterol e triglicerídeos, por exemplo. O professor César agora está trabalhando na produção de um teste à base de anticorpos contra a LCAT que servirá não apenas para diagnosticar a esquistossomose, como também para verificar o estágio da doença.