Identificada a
neuroesquistossomose
A partir de análise comparativa
entre portadores e não-portadores da esquistossomose, pesquisa
identifica conseqüências neurológicas em pacientes
afetados
Louisiana Lima
A esquistossomose pode afetar profundamente
o nosso sistema nervoso, causando um déficit cognitivo,
quando atinge o encéfalo, ou paralisia, quando afeta a
medula. Isso ocorre quando o parasita alcança também
as células do sistema nervoso. A confirmação
da chamada neuroesquistossomose deve-se a uma pesquisa feita pela
neurologista Keyla Fontes para a sua tese de doutorado no Centro
de Ciências da Saúde (CCS) e Centro de Ciências
Biológicas (CCB), da UFPE.
A constatação decorreu
da avaliação de jovens tratados de esquistossomose
mansônica hepatoesplênica na infância (forma
grave da doença que atinge o fígado e o baço,
com indicação de tratamento clínico e cirúrgico).
A doença é causada por um verme denominado Schistosoma
mansoni, que tem a água como meio de transmissão.
O parasita apresenta um ciclo vital duplo: no homem, em cujos
vasos sangüíneos vive sua fase adulta, e em caramujos,
onde se apresenta na sua fase larvar.
A presença de queixas nos
jovens esquistossomóticos relacionadas ao encéfalo,
como dificuldade de aprendizagem e cefaléia, muito mais
freqüentes que na população em geral, determinou
a avaliação neurológica e cognitiva dos pacientes.
Também se avaliou o metabolismo dos lipídios, componentes
básicos do sistema nervoso. O resultado da pesquisa demonstrou
que os jovens pacientes submetidos a tratamento clínico
e cirúrgico de esquistossomose mansônica hepatoesplênica
na infância apresentavam significativo déficit de
cognição com diferença média de 6
anos entre sua idade cronológica e idade mental, enquanto
o metabolismo lipídico demonstrava tendência à
normalização.
A comparação com o
grupo de controle (pessoas da mesma origem socioeconômica
e de área endêmica e que não têm a doença)
mostrou que os não-portadores de esquistossomose também
tinham uma baixa cognitiva, mas, no caso deles, devido à
subnutrição.
Para comprovar a neuroesquistossomose
como causa do comprometimento intelectual do paciente, foi feito
um exame cefalorraquidiano, incluindo testes imunológicos,
com resultados positivos significativos. A neuroesquistossomose
pode ocorrer no encéfalo e na medula espinhal. Quando a
doença atinge a medula espinhal é amplamente sintomática,
o paciente apresenta paralisias evidentes e, por isso, é
diagnosticada com relativa facilidade. Já as alterações
cognitivas decorrentes da forma encefálica da doença
não eram consideradas porque os sintomas eram atribuídos
à desnutrição, comum em pessoas com baixa
condição socioeconômica. Ocorre uma superposição
que se tornou evidente ao serem comparados os grupos de pacientes
e de controle.
Segundo Keyla Fontes, a grande importância
da pesquisa foi detectar que existem alterações
decorrentes da esquistossomose no encéfalo. "É
importante ressaltar que esse déficit cognitivo, seqüela
da doença, se apresenta em grau moderado ou leve - não
é intenso como a síndrome de Down, por exemplo -
mas pode limitar gravemente a futura inserção profissional
do paciente".
Técnicas
ajudam tratamento
A esplenectomia - retirada do baço
- é aplicada pelo professor Carlos Brandt, do Mestrado
em Cirurgia do CCS, em pacientes esquistossomóticos. Porém,
como o baço é um órgão que produz
células para o sistema imunológico, os pacientes
cirurgiados morriam pouco depois de se recuperarem. Sendo assim,
o professor Brandt aplicou uma técnica que consiste em
recolocar no organismo fragmentos de baço, que acabam fazendo
praticamente a função do órgão inteiro,
o que se chama de hipereplenose. O resultado da cirurgia é
que a sobrevida desses pacientes pode chegar a até dez
anos.
Já o professor César
Augusto Leal, do Departamento de Bioquímica, avaliou a
atividade da enzima LCAT, que participa do metabolismo dos lipídios,
em pacientes cirurgiados. Na esquistossomose, essa enzima tem
a sua atividade deficiente, o que acarreta um comprometimento
de todo o metabolismo lipídico, ocasionando uma alteração
nos níveis de colesterol e triglicerídeos, por exemplo.
O professor César agora está trabalhando na produção
de um teste à base de anticorpos contra a LCAT que servirá
não apenas para diagnosticar a esquistossomose, como também
para verificar o estágio da doença.
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