Ano VIII - Nº 105 - Outubro/2002












 

Publicidade Brasileira: a racionalização do caos  

O artigo analisa como os valores culturais brasileiros são agregados à publicidade, de modo que esta continue a persuadir por um maior período de tempo  

* Dacier de Barros e Silva  

O impasse comunicativo criado a partir do desejo do brasileiro de ser consumidor do primeiro mundo e, ao mesmo tempo, reproduzir a lógica do terceiro mundo, demonstra-se que é superado pelo paradigma da ·racionalização do caos· expresso através da forma, por excelência, do homem cordial brasileiro: o ·humor sensual·, uma das características dominantes da publicidade brasileira atual. A eficácia deste paradigma se potencializa ao retornar para a lógica cultural dos espectadores, ofertando jogos de linguagem que servem para mediar situações conflituosas na comunicação cotidiana.  

Para fundamentar como se estrutura a lógica de consumo no paradigma publicitário da ·racionalização do caos·, através da representação do ·humor e sensualidade·, foram analisadas três publicidades que se mantiveram efetivas durante anos seguidos. A do ·moço da Bombril·, que representa os valores típicos do personagem cordial brasileiro, no qual a eficiência do trabalho é substituída pelo riso maroto ou uma sublimação da conquista. A do ·não é uma Brastemp, mas· baseia-se no humor cáustico do terceiro mundismo, fruto do discernimento da qualidade duvidosa da média de bens produzidos e da construção de necessidades de consumo e de valores da sociedade brasileira.  A ·driblar as durezas da vida com Dreher· mostra o conformismo da sociedade brasileira, que ·dribla· as crueldades sociais com Dreher. Estas peças publicitárias, que receberam ampla aceitação dos consumidores, do mercado e da crítica publicitária, são concebidas como representações sociológicas e estéticas exemplares da valorização do anti-herói, porém dinâmicas enquanto bens simbólicos de consumo na contemporaneidade brasileira.  

O paradigma publicitário da ·racionalização do caos· pode ser esquematizado da seguinte forma: o problema é que a sociedade e o mercado brasileiro são um caos, a marca/produto são agregados aos signos da racionalidade produtiva, aos valores da sociedade americana, e a solução é o surgimento da marca brasileira como ·uma bolha de qualidade do primeiro mundo para você·. Tenta-se mostrar que um produto é melhor que os outros por suas características ·de primeiro mundo·.  

Uma possibilidade de obter eficácia publicitária é o de adotar o paradigma da ·racionalização do caos·, ao apresentar pautas comportamentais que emulem valores do primeiro mundo, que racionalizem o consumidor na obtenção de vantagens nas representações caóticas da sociedade brasileira. A utilização ·do homem cordial brasileiro· é uma tentativa de intensificar o princípio da realidade, sem reprimir o princípio do prazer. Uma resposta canhestra, porém, mercadologicamente produtiva é a de racionalizar e potencializar a obtenção de ganhos através das oportunidades oriundas da situação de abismo social do terceiro mundo.  

O riso e a sensualidade podem revelar como esconder as cadeias que prendem, limitam e oprimem. Depende da ótica pela qual eles são expressos e enfocados. Sendo levado a analisar no futuro a pergunta: Quais ganhos são possíveis ao rir e sexualizar a ordem e o caos?  

* Dacier Barros e Silva é doutor em Sociologia e professor de comunicação