Alunos incentivam
hábito da leitura
Três estudantes
de Biblioteconomia assumem desafio de formar círculos de
leitura na Comunidade do Pilar, beneficiando crianças e
adolescentes
Clécio
Vidal
As reportagens de TV, ao mostrarem
ações em benefício das comunidades carentes,
priorizam cenas de crianças sorrindo e vibrando quando
recebem alguma doação. Porém, a relação
existente entre doar e gerar felicidade não é tão
automática assim. Entre estes dois momentos, há
caminhos tortuosos a serem percorridos. Mesmo sabendo disso, três
alunos do curso de Biblioteconomia da UFPE decidiram enfrentar
o desafio de formar um grupo de leitores mirins na Comunidade
do Pilar, antigamente conhecida como “Favela do Rato”.
Os encontros, que acontecem três vezes
por semana, começaram em dezembro do ano passado. Nas reuniões,
os estudantes dramatizam estorinhas para as crianças, debatendo-as
em seguida, além de construir animações de
contos de fadas com elas no computador.
Quando chegaram à Comunidade, os estudantes
Maurício Guenes, Lílian Siqueira e Márcia
Rodrigues logo perceberam que havia um potencial de aprendizagem
desperdiçado na Escola Nossa Senhora do Pilar. “A
biblioteca da escola funciona numa pequena sala, que encontramos
repleta de baratas. Fora isso, havia dezenas de livros novos,
ainda com o plástico, misturados com livros velhos e mofados”,
conta Márcia Rodrigues.
Ela explica que essa situação
reflete a soma da descrença na possibilidade de mudança
- em um ambiente no qual as condições de vida são
precárias - com a falta de conhecimentos sobre estratégias
de organização dos espaços onde vão
se desenvolver atividades educacionais.
Os jovens podiam ter dado seu trabalho por
encerrado no momento em que terminaram de catalogar os livros
da biblioteca, mas resolveram continuar. “Cogitamos a possibilidade
de realizar círculos de leitura com as crianças
da comunidade e fomos desestimulados”, lembra Lílian
Siqueira.
Eles seguiram com o projeto, inspirado no
trabalho realizado pelo Instituto Porto Digital. “Ajudar
não é prestar favores. É, na verdade, encontrar
junto à comunidade formas de ela lidar com suas limitações”,
declara Maurício Guenes. “A maior dificuldade do
nosso trabalho está em fazer a criança incorporar
a leitura aos seus hábitos”, afirma.
O grupo também se deparou com problemas
como a revolta e os traumas das crianças vítimas
de violência doméstica, e da fome. “Encontramos
meninos de 4a série e não sabem ler. Outro problema
é que as crianças vivem presas em casa e aqui não
admitem nenhuma forma de disciplina. Mas apesar disso, já
desenvolvemos uma relação de carinho e respeito
com elas”, destaca Maurício Guenes.
Próximo
passo será a criação de uma biblioteca itinerante
O sonho dos futuros biblioteconomistas é
agora conseguir patrocínio para montar uma biblioteca itinerante
com livros e computadores que seriam levados a diversas comunidades
em um ônibus, algo semelhante ao que é feito pelo
projeto Jovem Cidadão.
Isto porque, ao contrário dos contos
de fadas que os estudantes de Biblioteconomia constroem com as
crianças no computador, a vida dessas crianças não
tem muito encanto. É o caso de Aline (nome fictício),
de nove anos. Ela tem cinco irmãos e sua mãe, grávida
novamente, até pensou em abortar. Aline pediu a mãe
para não fazê-lo, dizendo que cuidaria, ela mesma,
do bebê.
Outro problema que afeta a vida das crianças
da Comunidade do Pilar é o tráfico de drogas. “O
convívio com as drogas é tão comum no dia-a-dia
delas que se reflete até na forma como saúdam as
pessoas. Nos surpreendemos quando alguns garotos vieram nos cumprimentar
com um aperto de mão seguido de um gesto que representava
um trago em um cigarro”, conta Maurício Guenes.
As crianças do Pilar são de
poucas palavras (a não ser quando o assunto é posar
para fotografia), mas o seu apego com os estudantes da UFPE demonstra
que o prazer que têm com as atividades é muito maior
do que expressam seus poucos comentários sobre as reuniões
de leitura: “É bom!”
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