Ano VIII - Nº 109 - Fevereiro/2003











 
Alunos incentivam hábito da leitura

Três estudantes de Biblioteconomia assumem desafio de formar círculos de leitura na Comunidade do Pilar, beneficiando crianças e adolescentes

Clécio Vidal

As reportagens de TV, ao mostrarem ações em benefício das comunidades carentes, priorizam cenas de crianças sorrindo e vibrando quando recebem alguma doação. Porém, a relação existente entre doar e gerar felicidade não é tão automática assim. Entre estes dois momentos, há caminhos tortuosos a serem percorridos. Mesmo sabendo disso, três alunos do curso de Biblioteconomia da UFPE decidiram enfrentar o desafio de formar um grupo de leitores mirins na Comunidade do Pilar, antigamente conhecida como “Favela do Rato”.

Os encontros, que acontecem três vezes por semana, começaram em dezembro do ano passado. Nas reuniões, os estudantes dramatizam estorinhas para as crianças, debatendo-as em seguida, além de construir animações de contos de fadas com elas no computador.

Quando chegaram à Comunidade, os estudantes Maurício Guenes, Lílian Siqueira e Márcia Rodrigues logo perceberam que havia um potencial de aprendizagem desperdiçado na Escola Nossa Senhora do Pilar. “A biblioteca da escola funciona numa pequena sala, que encontramos repleta de baratas. Fora isso, havia dezenas de livros novos, ainda com o plástico, misturados com livros velhos e mofados”, conta Márcia Rodrigues.

Ela explica que essa situação reflete a soma da descrença na possibilidade de mudança - em um ambiente no qual as condições de vida são precárias - com a falta de conhecimentos sobre estratégias de organização dos espaços onde vão se desenvolver atividades educacionais.

Os jovens podiam ter dado seu trabalho por encerrado no momento em que terminaram de catalogar os livros da biblioteca, mas resolveram continuar. “Cogitamos a possibilidade de realizar círculos de leitura com as crianças da comunidade e fomos desestimulados”, lembra Lílian Siqueira.

Eles seguiram com o projeto, inspirado no trabalho realizado pelo Instituto Porto Digital. “Ajudar não é prestar favores. É, na verdade, encontrar junto à comunidade formas de ela lidar com suas limitações”, declara Maurício Guenes. “A maior dificuldade do nosso trabalho está em fazer a criança incorporar a leitura aos seus hábitos”, afirma.

O grupo também se deparou com problemas como a revolta e os traumas das crianças vítimas de violência doméstica, e da fome. “Encontramos meninos de 4a série e não sabem ler. Outro problema é que as crianças vivem presas em casa e aqui não admitem nenhuma forma de disciplina. Mas apesar disso, já desenvolvemos uma relação de carinho e respeito com elas”, destaca Maurício Guenes.

Próximo passo será a criação de uma biblioteca itinerante

O sonho dos futuros biblioteconomistas é agora conseguir patrocínio para montar uma biblioteca itinerante com livros e computadores que seriam levados a diversas comunidades em um ônibus, algo semelhante ao que é feito pelo projeto Jovem Cidadão.

Isto porque, ao contrário dos contos de fadas que os estudantes de Biblioteconomia constroem com as crianças no computador, a vida dessas crianças não tem muito encanto. É o caso de Aline (nome fictício), de nove anos. Ela tem cinco irmãos e sua mãe, grávida novamente, até pensou em abortar. Aline pediu a mãe para não fazê-lo, dizendo que cuidaria, ela mesma, do bebê.

Outro problema que afeta a vida das crianças da Comunidade do Pilar é o tráfico de drogas. “O convívio com as drogas é tão comum no dia-a-dia delas que se reflete até na forma como saúdam as pessoas. Nos surpreendemos quando alguns garotos vieram nos cumprimentar com um aperto de mão seguido de um gesto que representava um trago em um cigarro”, conta Maurício Guenes.

As crianças do Pilar são de poucas palavras (a não ser quando o assunto é posar para fotografia), mas o seu apego com os estudantes da UFPE demonstra que o prazer que têm com as atividades é muito maior do que expressam seus poucos comentários sobre as reuniões de leitura: “É bom!”