Ano VIII - Nº 90 - Outubro/2001












 

"Os EUA precisam rever isolacionismo"

O cientista político e professor da UFPE Jorge Zaverucha faz uma séria advertência, ao dizer que o terrorismo suicida veio para ficar

José Carlos Targino

Tem surgido na imprensa brasileira a idéia de que é inevitável, após os ataques terroristas a Nova York, o estabelecimento de uma nova ordem mundial. Na sua opinião, que ordem seria essa?
Os recentes ataques terroristas não alterarão em grande escala o balanço de poder mundial. Os EUA continuaram a ser o país hegemônico tanto militarmente quanto economicamente. Contudo, o presidente George W. Bush deverá aposentar suas pretensões isolacionistas, ou seja, as de criar um Muro de Berlim às avessas. Aprendeu que necessitou de apoio mundial para formar uma coalizão anti-Bin Laden. Deverá ser mais cooperativo com outros países até mesmo por gratidão. Vide o caso do Paquistão. Acertou um empréstimo do FMI e suspendeu as sanções motivadas tanto pelo golpe de estado militar quanto pela autonomia paquistanesa na elaboração de seu programa nuclear.

Os terroristas pareciam estar atrás de um lucro simbólico, pois o ataque aconteceu na cidade-símbolo do capitalismo e contra edifícios que fazem parte do imaginário mundial. A quem eles pretendiam mostrar esse "show"?
Os fundamentalistas islâmicos sonham com um "grande Afeganistão" do Iraque ao Mar Vermelho. Quem obstacula esta pretensão são os EUA e Israel. Daí Bin Laden afirmar estar "contra a campanha da cruzada de judeus e cristãos, liderada pelo maior cruzado (George W. Bush) sob a bandeira da cruz". A luta política, sob o manto da religião, é também contra os mulçumanos não fundamentalistas. Em 1982, o então presidente sírio, Haffez Assad, que era um muçulmano alawita, enfrentou os fundamentalistas que queriam apeá-lo do poder. Arrasou a cidade de Hama, a quarta maior do país, e a transformou em um grande estacionamento. A Anistia Internacional estima que morreram, no mínimo, 10 mil pessoas. Egito, Argélia e Tunísia também se depararam com ameaças dos fundamentalistas. Esta foi uma das razões pela qual eles fugiram para o Afeganistão e o Vale do Beeka no Líbano, lugares onde o Estado é praticamente inexistente.

Os americanos (principalmente a população novaiorquina) estão apavorados com a possibilidade de novos ataques. Na sua opinião, os Estados Unidos ficaram vulneráveis ou não é possível evitar ataques terroristas?
O grande receio de todos nós é não saber que tipos de armas não convencionais estão nas mãos dos terroristas. O medo da população nova-iorquina é tanto, e isto é uma vitória do terror, que já levou muitos deles a comprarem máscaras antigás.O terrorismo suicida veio para ficar. Os terroristas atuam, por ironia da história, através de redes globalizadas. Por isso mesmo, é mais difícil combatê-los. Note que não é o governo do Afeganistão que está sendo primordialmente responsabilizado do ocorrido, mas um saudita chamado Bin Laden. Alguém sabe o nome do presidente do Afeganistão?

O historiador Giovanni Arrighi, professor da Universidade Johns Hopkins, afirma que, se os Estados Unidos estão perdendo a hegemonia, é porque não foram cumpridas as promessas de industrialização e desenvolvimento dentro do modelo que propuseram ao mundo. Isso é verdade?
Não encontro evidência empírica para a afirmação dos EUA estarem perdendo a hegemonia. Nenhum dos atacantes apresentou alguma proposta contra-hegemônica ao modelo capitalista-liberal americano. Se os americanos forem sábios constatarão que o tipo de mercado que patrocinam não é bom nem para eles nem para o resto do mundo. Imaginar que dividir o mercado global entre os países mais avançados e os aviltados pode trazer paz entre povos é falso. Fundamentalismo nesta escala não surge em países democráticos e com bom nível de qualidade de vida da população. Os países árabes que os EUA apóiam, contudo, são regimes (semi) ditatoriais com elevada concentração de renda.

Teme-se que o ataque possa reforçar ainda mais a repressão aos protestos contra a ordem capitalista em particular e a globalização em geral. O que o sr. acha disso?
É preciso diferenciar os ataques terroristas ao WTC das manifestações antiglobalizantes. Estas são de cunho ideológico de matriz esquerdista e, pelo menos até agora, não pugnam pela morte de inocentes. Tanto é que a última vítima das manifestações em Gênova foi fulminada por um agente do Estado. Já Bin Laden é um milionário que em vez de usar sua prosperidade para beneficiar seus seguidores, prefere financiar ações de autodestruição.