Mulheres impulsionam
a economia do semi-árido
Pesquisa realizada em Arcoverde
aponta as mulheres como agentes de preservação da
qualidade de vida e dos recursos naturais do semi-árido
Clécio Vidal
A produção
de subsistência do Semi-Árido de Pernambuco é
um exemplo de modernização da economia. Esta afirmação
parece contraditória quando a idéia de modernização
é relacionada a palavras como mercado e globalização.
Mas esta aparente contradição foi explicada na dissertação
de mestrado Organização das Mulheres e Estratégia
de Sobrevivência no Semi-Árido Nordestino, da pesquisadora
Hersília Cadengue, do Departamento de Serviço Social.
O estudo, feito sob a orientação da professora Vitória
Gehlen, verificou que a produção das famílias
do semi-árido, destinada ao auto-sustento, não se
deve a sua ineficiência na economia de mercado. Ao contrário,
tem se revelado uma estratégia de garantia da qualidade
de vida e de preservação dos recursos naturais.
O objeto de estudo da pesquisadora
foi a comunidade de Caraíbas, em Arcoverde. A pesquisa
revela que a mulher é o agente aglutinador das práticas
econômicas da comunidade. O Clube de Mães, uma organização
tipicamente feminina, deu origem a uma instituição
responsável pela administração da produção
agrícola de Caraíbas.
De acordo com Hersília Cadengue,
as mulheres do semi-árido, envolvidas cotidianamente com
a sobrevivência das suas famílias, estabelecem relações
de solidariedade mútua e convertem a comunidade no espaço
ampliado do trabalho doméstico, coletivizando as carências
e necessidades. "É o direito de sobreviver e de subsistir
que está sendo reivindicado pelas mulheres, em nome das
suas famílias nas comunidades rurais, devido às
pressões do desenvolvimento, que lhes impossibilita alimentar-se,
vestir-se e prover a moradia de suas famílias", declara
a pesquisadora.
Em busca deste direito, as mulheres
de Caraíbas organizaram a Associação de Desenvolvimento
de Caraíbas, responsável pelas negociações
referentes ao programa Cédula da Terra, que financia lotes
de terra para o pequeno produtor rural. "Tudo que conseguimos
foi com a luta das próprias mulheres, inicialmente sozinhas.
Somente com os primeiros resultados é que os homens começaram
a se envolver com os movimentos de reivindicação
e passaram a negociar com os agentes de crédito e representantes
dos governos", declara a líder do Clube de Mães,
Severina Gomes.
O processo associativo da comunidade
das Caraíbas teve origem num Clube de Mães (que
continua existindo até hoje), fundado em 1973, com a participação
de, aproximadamente, 50 mulheres que desenvolviam atividades artesanais
e reivindicavam melhores condições de acesso à
saúde, principalmente das gestantes. O passo seguinte do
grupo foi a reivindicação de um ambulatório
médico para a comunidade, mantido pela prefeitura, uma
escola municipal e um centro comunitário, onde funciona
uma padaria comunitária, financiada pela Igreja Holandesa.
Hoje, o clube possui 106 sócias
e desenvolve atividades sociais, a fitoterapia e uma horta comunitária.
Foi desse grupo de mulheres que surgiu a preocupação
com uma agricultura menos nociva ao meio ambiente e que tivesse
menor custo, uma pequena produção destinada à
família. "As mulheres de Arcoverde são responsáveis
pela articulação entre os setores privado, público
e unidades familiares que praticam a agricultura de subsistência",
declara Hersília Cadengue.
Preservação
de recursos naturais é prioridade
A pesquisadora explica que subsistência
não significa somente sustento, mas também manutenção.
Ao optar pela economia de subsistência, a mulher cuida dos
recursos naturais, de modo a prover o contínuo sustento.
Esta forma de agir é, segundo ela, um avanço, pois
representa o desenvolvimento sustentável, que une a produção
à preservação dos recursos naturais. Mesmo
assim, há dados municipais que mencionam que cerca de 50%
dos moradores da cidade não têm renda. "Renda
não é sinônimo de dinheiro, mas sim o resultado
da relação consumo-produção, relação
esta que também está presente na economia de subsistência.
Dizer que metade de uma cidade não possui renda é
negar a participação destas pessoas na constituição
da economia", afirma a pesquisadora.
O cuidado na gestão dos recursos
necessários à produção de subsistência
para suas famílias é um dos fatores que facilitam
a organização das mulheres. Segundo Hersília
Cadengue, elas têm que alcançar isso em um ambiente
complexo, em constante mudança e freqüentemente hostil.
Essa pode ser uma das razões pelas quais elas vêm
se tornando líderes nas lutas e nas organizações
comunitárias por acesso aos serviços coletivos,
provisão de subsistência e gestão ambiental.
Embora mais de 50% da produção
agrícola sejam desenvolvidos com a participação
das mulheres produtoras rurais, grande parte do treinamento e
da tecnologia para melhorar a agricultura é dada ao homem.
O Governo Federal é considerado lento na promoção
do exercício do direito à terra, um recurso básico
essencial para a independência econômica e a prosperidade
das mulheres dentro dos programas de desenvolvimento agrícola,
de acordo com a pesquisadora.
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