Ano VIII - Nº 90 - Outubro/2001












 

Mulheres impulsionam a economia do semi-árido

Pesquisa realizada em Arcoverde aponta as mulheres como agentes de preservação da qualidade de vida e dos recursos naturais do semi-árido

Clécio Vidal

A produção de subsistência do Semi-Árido de Pernambuco é um exemplo de modernização da economia. Esta afirmação parece contraditória quando a idéia de modernização é relacionada a palavras como mercado e globalização. Mas esta aparente contradição foi explicada na dissertação de mestrado Organização das Mulheres e Estratégia de Sobrevivência no Semi-Árido Nordestino, da pesquisadora Hersília Cadengue, do Departamento de Serviço Social. O estudo, feito sob a orientação da professora Vitória Gehlen, verificou que a produção das famílias do semi-árido, destinada ao auto-sustento, não se deve a sua ineficiência na economia de mercado. Ao contrário, tem se revelado uma estratégia de garantia da qualidade de vida e de preservação dos recursos naturais.

O objeto de estudo da pesquisadora foi a comunidade de Caraíbas, em Arcoverde. A pesquisa revela que a mulher é o agente aglutinador das práticas econômicas da comunidade. O Clube de Mães, uma organização tipicamente feminina, deu origem a uma instituição responsável pela administração da produção agrícola de Caraíbas.

De acordo com Hersília Cadengue, as mulheres do semi-árido, envolvidas cotidianamente com a sobrevivência das suas famílias, estabelecem relações de solidariedade mútua e convertem a comunidade no espaço ampliado do trabalho doméstico, coletivizando as carências e necessidades. "É o direito de sobreviver e de subsistir que está sendo reivindicado pelas mulheres, em nome das suas famílias nas comunidades rurais, devido às pressões do desenvolvimento, que lhes impossibilita alimentar-se, vestir-se e prover a moradia de suas famílias", declara a pesquisadora.

Em busca deste direito, as mulheres de Caraíbas organizaram a Associação de Desenvolvimento de Caraíbas, responsável pelas negociações referentes ao programa Cédula da Terra, que financia lotes de terra para o pequeno produtor rural. "Tudo que conseguimos foi com a luta das próprias mulheres, inicialmente sozinhas. Somente com os primeiros resultados é que os homens começaram a se envolver com os movimentos de reivindicação e passaram a negociar com os agentes de crédito e representantes dos governos", declara a líder do Clube de Mães, Severina Gomes.

O processo associativo da comunidade das Caraíbas teve origem num Clube de Mães (que continua existindo até hoje), fundado em 1973, com a participação de, aproximadamente, 50 mulheres que desenvolviam atividades artesanais e reivindicavam melhores condições de acesso à saúde, principalmente das gestantes. O passo seguinte do grupo foi a reivindicação de um ambulatório médico para a comunidade, mantido pela prefeitura, uma escola municipal e um centro comunitário, onde funciona uma padaria comunitária, financiada pela Igreja Holandesa.

Hoje, o clube possui 106 sócias e desenvolve atividades sociais, a fitoterapia e uma horta comunitária. Foi desse grupo de mulheres que surgiu a preocupação com uma agricultura menos nociva ao meio ambiente e que tivesse menor custo, uma pequena produção destinada à família. "As mulheres de Arcoverde são responsáveis pela articulação entre os setores privado, público e unidades familiares que praticam a agricultura de subsistência", declara Hersília Cadengue.

Preservação de recursos naturais é prioridade

A pesquisadora explica que subsistência não significa somente sustento, mas também manutenção. Ao optar pela economia de subsistência, a mulher cuida dos recursos naturais, de modo a prover o contínuo sustento. Esta forma de agir é, segundo ela, um avanço, pois representa o desenvolvimento sustentável, que une a produção à preservação dos recursos naturais. Mesmo assim, há dados municipais que mencionam que cerca de 50% dos moradores da cidade não têm renda. "Renda não é sinônimo de dinheiro, mas sim o resultado da relação consumo-produção, relação esta que também está presente na economia de subsistência. Dizer que metade de uma cidade não possui renda é negar a participação destas pessoas na constituição da economia", afirma a pesquisadora.

O cuidado na gestão dos recursos necessários à produção de subsistência para suas famílias é um dos fatores que facilitam a organização das mulheres. Segundo Hersília Cadengue, elas têm que alcançar isso em um ambiente complexo, em constante mudança e freqüentemente hostil. Essa pode ser uma das razões pelas quais elas vêm se tornando líderes nas lutas e nas organizações comunitárias por acesso aos serviços coletivos, provisão de subsistência e gestão ambiental.

Embora mais de 50% da produção agrícola sejam desenvolvidos com a participação das mulheres produtoras rurais, grande parte do treinamento e da tecnologia para melhorar a agricultura é dada ao homem. O Governo Federal é considerado lento na promoção do exercício do direito à terra, um recurso básico essencial para a independência econômica e a prosperidade das mulheres dentro dos programas de desenvolvimento agrícola, de acordo com a pesquisadora.