Travestis buscam
o anonimato e a visibilidade
Mestranda em antropologia realiza
estudo com travestis e mostra que a identidade deles é
caracterizada por um conflito entre a busca pelo anonimato e o
querer ser notado
Clécio Vidal
Pesquisa realizada no Departamento de Antropologia revela que
a identidade dos travestis é caracterizada pela ambigüidade
e pela constante transformação. Segundo a mestranda
Cecília Patrício, essas características,
e não o interesse financeiro, seriam a principal responsável
pelas constantes mudanças de cidade, evidenciadas nos travestis
que também praticam a prostituição.
De acordo com a pesquisadora, a identidade
dos travestis é marcada por um conflito entre a busca pelo
anonimato e, ao mesmo tempo, pela visibilidade. "Durante
o estudo, percebi que travestis saíam pelas ruas vestidos
de mulher, mas também procuravam formas de passar despercebidos,
usando óculos escuros, por exemplo", afirma Cecília.
Sendo assim, para ela, o travesti
não se trata apenas daquele homem que se veste com roupas
femininas e usa cores chamativas, mas do indivíduo que
procura assumir e simultaneamente ocultar sua identidade, mediante
modificações no corpo e no comportamento.
Segundo Cecília Patrício,
a concentração de travestis em espaços restritos
como boates e mesmo em pontos de prostituição, além
da opção pela aparição durante a noite,
confirmam a identidade ambígua dessas pessoas. "O
fato de alguns dos entrevistados terem durante algum tempo deixado
de se travestir e depois voltado a fazê-lo revela o caráter
dinâmico no travestismo", conta a pesquisadora.
Um dos focos da pesquisa, centrada
na cidade de Campina Grande, é a análise da constante
mudança de lugar dos travestis. De acordo com a pesquisadora,
a mobilidade espacial desses indivíduos é explicada
também pelo duplo caráter de sua identidade. O fator
econômico não é o único impulsionador
da procura por cidades sempre maiores, no caso dos que praticam
a prostituição. A principal causa dessa constante
mobilidade é a necessidade que o travesti tem de aparecer
e ser anônimo.
"Os travestis que saem do interior,
onde são completamente discriminados, buscam um lugar onde
possam mostrar-se com menos preconceitos. Mas o desejo de chamar
atenção e ainda permanecer anônimo impulsiona
o travesti a estar sempre se deslocando", esclarece. Antes
de começar a ser vítima do preconceito, ele se muda,
mas a mudança também significa a oportunidade de
aparecer em outros lugares.
De acordo com a pesquisadora, Campina
Grande é uma cidade de grande concentração
de travestis por ser um lugar de passagem obrigatória para
outras localidades na Paraíba (o que aumenta a visibilidade),
além de ser um ponto que facilita o acesso para a capital
do Estado, João Pessoa, e de lá para outras capitais
e até o exterior. "Ao trabalhar num lugar diferente
de onde mora, o travesti tenta conciliar as esferas de vivência
pública e da intimidade", explica Cecília.
Mas o fator econômico pode,
algumas vezes, ser o único responsável por esta
busca simultânea pelo anonimato e pela visibilidade. "Existem
travestis que só o são no momento em que exercem
a prostituição. Eles aproveitam características
femininas que possuem para utilizá-las na prostituição,
mas no restante do tempo se comportam como heterossexuais",
diz a mestranda.
Ela conta que a mudança de
identidade é uma característica tão marcante
do travestismo, que não é incomum o fato de homens
travestis se casarem com mulheres e de travestis que encontram
uma companheira e deixam de travestir-se. A pesquisadora afirma
que, além da constante mudança de lugar, os travestis
estão sempre buscando variar a aparência e também
a profissão. Cecília Patrício define o travesti
como alguém com o desejo de possuir múltiplas identidades.
Glossário
Travesti: homem ou mulher que se
veste e assume características físicas ou psicossociais
atribuídas ao sexo oposto. Estão incluídos
nessa definição aqueles que praticam o homoerotismo.
O travesti também se caracteriza pelo uso de hormônios
no corpo, e do silicone. Ele se distingue do transexual por não
querer fazer a cirurgia da retirada do membro sexual.
Transexual: homem ou mulher
que deseja ser do sexo oposto, submetendo-se à cirurgia
para transformação sexual.
Transformista: Pessoa que,
mudando de traje, disfarça-se rapidamente. Pessoas que
se trajam como o sexo oposto para eventos, festas e shows.
Homossexual: Desejo, afeto
e relaciona-mento de uma pessoa com outra do mesmo sexo. A maioria
dos travestis, transformistas e drag queens fazem parte desse
grupo.
Drag queen: homem que se veste
de mulher, utilizando roupas exóticas e maquiagem carregada,
como diversão ou trabalho. A drag queen trabalha, normalmente,
em bares e casas de espetáculos. O homem não chega
a parecer feminino porque a drag é o exagero da femininilidade.
Eles são vítimas
do preconceito
Christiane Falcão e Carla
Ferri, travestis que já trabalharam em boates no exterior,
atualmente exercem a atividade de cabeleireiro. Sem se prostituir,
as duas afirmam que, ainda assim, são vítimas da
discrimação no Brasil. "Na França, por
exemplo, foi possível assumir plenamente minha identidade.
Lá, a pessoa pode sair até mesmo pintada de tinta
fosforescente, que ninguém mexe com você", revela
Christiane.
Elas consideram sua carreira profissional
consolidada, um dos motivos de serem menos vitimadas pelo preconceito.
Raquel Simpson tem a mesma opinião. "Se o travesti
não se destaca profissionalmente, vai acabar tendo que
se dedicar à prostituição, e, na maioria
das vezes, por conseqüência, ao roubo", declara.
Raquel Simpson ganha a vida animando
festas infantis. Ela diz que só se traveste à noite,
pois há poucas oportunidades de emprego para os travestis.
"Fiz uma opção. Entre estar travestida todo
o tempo e ser marginalizada socialmente, prefiro ter um lugar
na sociedade".
O fato de só se vestir com
roupas femininas durante um período do dia não a
incomoda. Ela conta que só se traveste para mostrar sua
feminilidade aos homens e não por extravagância.
Até mesmo os homossexuais discriminam os travestis. Essa
revelação foi feita por Carla Ferri, que conta o
caso de um amigo seu barrado numa sauna gay.
O preconceito faz com que Christiane
Falcão tenha um número reduzido de amizades. "São
poucas as pessoas em que você pode confiar de verdade. Acho
que a única pessoa que é 100% minha amiga é
minha mãe." Além de não se ligar muito
às pessoas, Christiane Falcão não se prende
aos lugares. "Eu não gosto da mesmice. Tenho uma alma
cigana". Entre as religiões, os travestis preferem
os cultos afro-brasileiros. "Neles somos olhados não
pela nossa aparência, mas pelo nosso interior", declara
Christiane.
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