Filósofo afirma que
o mundo está doente
O filósofo Vincenzo di Matteo
diz que o Ocidente apostou no poder da razão, não na sua garantia.
Para ele, apesar de tudo, a Filosofia não morre, apenas se transforma
José Carlos Targino
Os acontecimentos de 11 de setembro
e os seus desdobramentos dão a impressão de que
a insânia continua dominando o mundo. No entanto, a partir
de Sócrates, a humanidade sempre conviveu com a idéia
de que os atos humanos poderiam ser norteados pela razão.
Como o Sr. vê a questão?
Já dizia Nietzsche que não existem fatos, existem
interpretações. Sem dúvida, há varias
leituras que poderíamos realizar acerca dos últimos
acontecimentos, mas duas parecem consensuais. Primeiro: toda guerra
é a trágica expressão do fracasso da razão
em mediar o conflito. Segundo, sua primeira vítima é
a verdade. Poderíamos concluir que é a barbárie
o horizonte dentro do qual se desenrolam a história da
humanidade e nossas pequenas histórias individuais? A tradição
filosófica ocidental parece responder que não ao
apostar no poder da razão, da verdade, da justiça,
da liberdade, da consciência e da responsabilidade. Trata-se,
porém, de uma aposta, não de uma garantia, especialmente
em curto prazo, considerando que existem outros fatores que interferem
poderosamente na vida dos homens.
Uma vez que as ações
humanas não costumam ser ditadas pela racionalidade, cabe
a indagação: a razão fracassou ou o homem
é um animal condenado à demência?
Digamos que uma certa concepção de razão
fracassou e que a demência não é um destino,
mas uma das possibilidades do Homo sapiensdemens. De fato, o projeto
civilizatório da modernidade alimentado pela crença
que a razão nos libertaria da servidão da ignorância,
da religião, da tirania política fracassou ou está
em profunda crise. O espírito do século das luzes
tinha como objetivo livrar os homens do medo e da tirania e fazer
deles senhores, mas, como se expressam Horkeimer e Adorno, "completamente
iluminada, a terra resplandece sob o signo do infortúnio
triunfal". Não era necessário o trágico
espetáculo dos eventos do dia 11 de setembro para concluirmos,
perplexos, que o mundo está doente e gravemente doente
a despeito de avanços gigantescos na área da tecnociência.
A primeira grande doença decorre precisamente do fato de
que a chamada razão instrumental progrediu muito mais rapidamente
do que uma razão determinadora dos fins. Houve um aumento
da produção dos bens materiais e simbólicos,
mas concomitantemente uma crise e até desaparecimento dos
referenciais éticos judaico-cristãos. Crise religiosa,
crise da ideologia igualitária com o desmoronamento do
chamado socialismo real e crise da própria razão
em poder instituir uma nova ordenação normativa
de realização pessoal e comunitária. A segunda
é que, se de fato houve um avanço das democracias,
elas não conseguiram ainda tornar de fato de todos o que
proclamam direito de cada um. Há uma violência, institucionalizada
ou não, inter e intranacional, social e interpessoal que
se materializa sob inúmeras formas: exploração
econômica, exclusão social, discriminação
de todas as matizes e até tortura. Essas experiências
de violência geram dois sentimentos igualmente deletérios
para a saúde social e pessoal: a revolta alucinada do terrorismo
ou a depressão decorrente de um sentimento de impotência.
Em resumo, já temos praticamente uma economia e tecnologia
globalizadas, movidas por um pragmatismo cínico que regula
as relações internacionais, nacionais, sociais e
pessoais, visto que um certo relativismo, quanto não niilismo
ético, não tem força para animar nossa cultura,
marcada ao mesmo tempo por um hedonismo narcísico e uma
sociedade depressiva que busca a saída numa crescente psiquiatrização
biológica das doenças do espírito.
Platão preconiza, na República,
que só os reis-filósofos reuniriam em si as condições
necessárias ao exercício dos negócios do
Estado. O Sr. acredita que a humanidade seria melhor se os filósofos,
e não os políticos tradicionais, governassem o mundo?
A resposta, infelizmente, não é necessariamente
'sim'. Não pode ser dada de antemão. É possível
até discordar de Platão, como fez outro grande filósofo,
E. Kant, sugerindo que "não se deve esperar que os
reis filosofem ou se tornem filósofos, nem menos desejar
isso, pois a posse da força corrompe inevitavelmente o
livre juízo da razão". A função
social do filósofo não é tanto administrar
o poder político, mas ser a consciência crítica
dele.
Enfim, como conciliar a filosofia
com a realidade dos nossos dias?
Espremida entre as superpotências de um saber mais antigo,
o religioso, e um saber mais novo, o científico, a Filosofia
parece que não consegue se apresentar aos homens de hoje
com as certezas consoladoras da fé ou da objetividade e
eficácia pragmática da ciência e da técnica,
nem possui o fascínio e a sedução da arte.
Proclama-se a morte da Filosofia. Como matá-la, porém,
sem filosofar, sem contrapor-lhe uma outra concepção
de Filosofia? A Filosofia se transforma, não morre, pelo
menos até quando houver homens que, como Sócrates,
acreditem: "Uma vida sem investigação não
merece ser vivida".
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