"As federais ainda
são referência no País"
Para o reitor Mozart Neves Ramos,
as universidades federais têm condições acadêmicas de superar
o desgaste da paralisação e manterem-se como o "farol de referência
de qualidade de ensino superior no País"
Luciana de Souza Leão
Qual é o impacto das greves
de professores e de funcionários na imagem das universidades
públicas brasileiras?
Uma greve tão prolongada como essa certamente arranha e
muito a imagem que vem sendo construída ao longo destes
anos pelas universidades federais. Contudo, essa não foi
a primeira e nem será a última paralisação.
Isto faz parte do processo democrático de discussão,
de busca de soluções para problemas que, na mesa
de negociação, não puderem ser solucionados
pelos sindicatos e pelo Governo. É preciso pensar numa
nova estratégia de relação e de funcionamento
das próprias universidades para evitar, no futuro, chegar
a greves tão prolongadas.
Como as universidades saem destas
paralisações?
A história das universidades federais é muito mais
longa e importante do que este determinado momento. A força
interna intelectual e a capacidade de recuperação
estão diretamente vinculadas à qualidade e ao papel
social destas universidades, hoje muito elevado junto à
sociedade. Foi uma greve nacional e não um movimento localizado
em uma ou outra universidade federal, sendo assim, acredito no
capital humano existente nestas universidades e no fato de que
elas resguardam ainda e mantêm o farol de referência
da qualidade do ensino superior do País. Os resultados
que tivemos no Provão e na Avaliação da Pós-Graduação,
de avaliações realizadas pelo próprio Ministério
da Educação, demonstram claramente que as universidades
federais representam 70% das dez mais bem avaliadas do País,
tanto na graduação quanto na pós-graduação.
Qual foi a participação
dos reitores das universidades federais na negociação
entre o Governo Federal e os sindicatos, em especial o de professores,
para solucionar as greves?
Foi muito importante a participação dos reitores
e dos parlamentares na negociação. Por exemplo,
em certos momentos, os reitores exerceram um papel estratégico,
do ponto de vista de interlocução. É preciso
destacar que, no início da greve, no que concerne, principalmente,
à situação dos funcionários, os conselhos
universitários tomaram uma posição muito
importante ao reconhecer os sete anos sem aumento e nenhum tipo
de reajuste ou gratificação para os funcionários
como sendo uma demanda importante para a qualidade de vida do
funcionário e, portanto, do funcionamento da própria
universidade.
O sr. acredita que a greve pode
afastar possíveis alunos da UFPE por receio de não
conseguirem concluir o curso no tempo regular?
Num primeiro momento, todos estamos abalados com esta greve tão
prolongada, professores, funcionários, alunos. É
natural que um aluno que esteja entrando hoje na Universidade
fique um pouco receoso diante da possibilidade de se deparar com
uma nova greve e se faça esta pergunta. Mas eu acredito
que os estudantes reconhecem que, apesar do momento que a Universidade
viveu, ela tem potencial para compensar o ocorrido. Além
disso, é uma universidade gratuita, entre aspas, porque
é paga pelo conjunto da sociedade e não pelos mantenedores
dos seus alunos, que não desembolsam diretamente recursos
para que seus filhos tenham uma boa educação. Este
também é um diferencial, muito importante para diminuir
as desigualdades e democratizar o acesso à universidade.
Como a Universidade está
se preparando para o retorno à normalidade?
Este é o desafio depois de uma greve tão prolongada.
Trata-se de "reaquecer os motores", reestimular as pessoas
às atividades do cotidiano. Estabelecemos, junto com a
comunidade, um momento pedagógico, para trabalhar a auto-estima
e a motivação de professores, alunos e funcionários,
para que, no início de janeiro, tenhamos o começo
das aulas em sua plenitude.
O que a UFPE oferece como diferencial
em relação a outras instituições de
ensino superior?
O sistema federal representa hoje o grande diferencial de qualidade
deste sistema de ensino superior. Naturalmente, o que estamos
observando é que, no Norte/Nordeste, a Federal de Pernambuco
representa hoje um grande elemento de esperança e de referência
para a própria sobrevivência do sistema como um todo,
seja ele público ou privado. A UFPE é a única
entre as dez mais bem avaliadas do País que está
sediada no Norte/Nordeste. O diferencial da Universidade, que
tem se refletido nas próprias avaliações
conduzidas pelo Ministério da Educação, tem
sido esta capacidade de formar não só um profissional
qualificado para o mercado de trabalho, mas um cidadão
qualificado para mudar a própria sociedade, para torná-la
mais justa e igualitária, na medida em que a Universidade
é capaz não somente de ensinar, de promover a pesquisa,
mas também de disponibilizar este conhecimento gerado nas
salas de aula, através da extensão universitária,
para toda a sociedade.
Este foi um ano difícil
para a Universidade. Há conquistas a serem comemoradas?
Uma parte deste ano foi muito difícil: a da greve. Mas
tivemos um ano extremamente feliz do ponto de vista de resultados.
Na avaliação do Provão, do ensino de graduação,
fomos a 8ª universidade, estando entre as dez melhores do
País. Na pós-graduação, também
ficamos entre as dez melhores do País. Conseguimos obter
recursos importantíssimos, por concorrência, por
editais, e tivemos os melhores projetos, como foi o caso do Fundo
de Infra-Estrutura, de todas as três regiões - Norte,
Nordeste e Centro-Oeste - obtendo R$ 7 milhões, que equivalem
a 50% do custeio que o Governo Federal nos repassa anualmente.
Na área de pesquisa de petróleo, tivemos resultados
bastante expressivos e, mais recentemente, nas áreas de
gás e energia, conseguimos recursos que vão dar
um diferencial ainda maior. Se olharmos a magnitude social da
Universidade, nos seus projetos a partir do UFPE para Todos, estamos
cada vez nos inserindo nas comunidades e nos municípios,
tornando a vida das pessoas mais fácil e de melhor qualidade.
Quanto à cooperação internacional, também
temos o que comemorar. Esteve na UFPE este ano quase uma centena
de reitores e tivemos duas avaliações internacionais
importantes, ainda na primeira gestão, que nos levaram
a incrementar esse tipo de relação.
Nos últimos anos, o ensino
superior privado cresceu muito. O que a UFPE tem feito para enfrentar
esta concorrência?
Nós queremos que haja um ensino superior privado de qualidade.
Por mais capacidade que a Federal de Pernambuco e as outras instituições
públicas tenham para aumentar suas vagas jamais terão
condições de absorver esta demanda que, nos próximos
três a quatro anos, chegará a seis milhões
de matrículas. Mas não concordamos com a expansão
desenfreada e sem qualidade no ensino. O que vemos é um
certo mercantilismo pela educação, que é
um bem fundamental de cidadania para um povo, para a soberania
de uma nação. O que se espera é que ocorram
parcerias com algumas instituições privadas, que
têm projeto pedagógico sério, na prática,
e no seu cotidiano.
Mesmo diante da escassez de recursos,
a UFPE tem investido em infra-estrutura e ampliado departamentos.
Quais são os investimentos mais recentes?
Realizar estes investimentos talvez seja o maior desafio de um
reitor de uma universidade pública no País. Mas
temos conseguido, com muito êxito, recursos importantes.
Este ano, tivemos algo em torno de R$ 3 milhões para a
modernização e ampliação de salas
de aula. Este dinheiro é muito importante para a Biblioteca
do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, que está
sendo ampliada, nos próximos meses. Inauguramos este ano
novos prédios para os departamentos de Terapia Ocupacional
e de Fisioterapia. Tivemos recuperações importantes,
como a ampliação no Centro de Ciências Sociais
Aplicadas e, na área de Tecnologia, um novo Departamento
de Química Fundamental, com 2.000 m2, vai ser inaugurado.
É preciso salientar as parcerias com empresas privadas.
Uma delas é para o Departamento de Engenharia Eletrônica,
o grupo de fotônica, que, em parceria com a Siemens, tem
conseguido melhorar seu laboratório, assim como aconteceu
no Hospital das Clínicas, cujo Serviço de Nefrologia
está sendo modernizado mediante parceria com a Baxter.
Não podemos deixar de citar o apoio de alguns parlamentares
de Pernambuco, que têm colocado emendas no Orçamento
Geral da União para a melhoria da infra-estrutura, das
salas de aula e dos laboratórios.
Como a Universidade começa
o ano de 2002?
No âmbito mais geral, o maior desafio para as universidades
federais é buscar maior autonomia. Esta greve mostrou claramente
que não dá mais para trabalhar de uma forma tão
centralizada como o Governo vem fazendo com as universidades.
Precisamos estabelecer uma autonomia responsável, que permita
às universidades funcionarem com maior agilidade e eficiência.
Neste sentido, vamos voltar nossa atenção a três
aspectos na área meio: no planejamento plurianual, na retomada
das avaliações e na organização do
capital humano da Universidade.
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