Ano VIII - Nº 92 - Dezembro/2001










 

"As federais ainda são referência no País"

Para o reitor Mozart Neves Ramos, as universidades federais têm condições acadêmicas de superar o desgaste da paralisação e manterem-se como o "farol de referência de qualidade de ensino superior no País"

Luciana de Souza Leão

Qual é o impacto das greves de professores e de funcionários na imagem das universidades públicas brasileiras?
Uma greve tão prolongada como essa certamente arranha e muito a imagem que vem sendo construída ao longo destes anos pelas universidades federais. Contudo, essa não foi a primeira e nem será a última paralisação. Isto faz parte do processo democrático de discussão, de busca de soluções para problemas que, na mesa de negociação, não puderem ser solucionados pelos sindicatos e pelo Governo. É preciso pensar numa nova estratégia de relação e de funcionamento das próprias universidades para evitar, no futuro, chegar a greves tão prolongadas.

Como as universidades saem destas paralisações?
A história das universidades federais é muito mais longa e importante do que este determinado momento. A força interna intelectual e a capacidade de recuperação estão diretamente vinculadas à qualidade e ao papel social destas universidades, hoje muito elevado junto à sociedade. Foi uma greve nacional e não um movimento localizado em uma ou outra universidade federal, sendo assim, acredito no capital humano existente nestas universidades e no fato de que elas resguardam ainda e mantêm o farol de referência da qualidade do ensino superior do País. Os resultados que tivemos no Provão e na Avaliação da Pós-Graduação, de avaliações realizadas pelo próprio Ministério da Educação, demonstram claramente que as universidades federais representam 70% das dez mais bem avaliadas do País, tanto na graduação quanto na pós-graduação.

Qual foi a participação dos reitores das universidades federais na negociação entre o Governo Federal e os sindicatos, em especial o de professores, para solucionar as greves?
Foi muito importante a participação dos reitores e dos parlamentares na negociação. Por exemplo, em certos momentos, os reitores exerceram um papel estratégico, do ponto de vista de interlocução. É preciso destacar que, no início da greve, no que concerne, principalmente, à situação dos funcionários, os conselhos universitários tomaram uma posição muito importante ao reconhecer os sete anos sem aumento e nenhum tipo de reajuste ou gratificação para os funcionários como sendo uma demanda importante para a qualidade de vida do funcionário e, portanto, do funcionamento da própria universidade.

O sr. acredita que a greve pode afastar possíveis alunos da UFPE por receio de não conseguirem concluir o curso no tempo regular?
Num primeiro momento, todos estamos abalados com esta greve tão prolongada, professores, funcionários, alunos. É natural que um aluno que esteja entrando hoje na Universidade fique um pouco receoso diante da possibilidade de se deparar com uma nova greve e se faça esta pergunta. Mas eu acredito que os estudantes reconhecem que, apesar do momento que a Universidade viveu, ela tem potencial para compensar o ocorrido. Além disso, é uma universidade gratuita, entre aspas, porque é paga pelo conjunto da sociedade e não pelos mantenedores dos seus alunos, que não desembolsam diretamente recursos para que seus filhos tenham uma boa educação. Este também é um diferencial, muito importante para diminuir as desigualdades e democratizar o acesso à universidade.

Como a Universidade está se preparando para o retorno à normalidade?
Este é o desafio depois de uma greve tão prolongada. Trata-se de "reaquecer os motores", reestimular as pessoas às atividades do cotidiano. Estabelecemos, junto com a comunidade, um momento pedagógico, para trabalhar a auto-estima e a motivação de professores, alunos e funcionários, para que, no início de janeiro, tenhamos o começo das aulas em sua plenitude.

O que a UFPE oferece como diferencial em relação a outras instituições de ensino superior?
O sistema federal representa hoje o grande diferencial de qualidade deste sistema de ensino superior. Naturalmente, o que estamos observando é que, no Norte/Nordeste, a Federal de Pernambuco representa hoje um grande elemento de esperança e de referência para a própria sobrevivência do sistema como um todo, seja ele público ou privado. A UFPE é a única entre as dez mais bem avaliadas do País que está sediada no Norte/Nordeste. O diferencial da Universidade, que tem se refletido nas próprias avaliações conduzidas pelo Ministério da Educação, tem sido esta capacidade de formar não só um profissional qualificado para o mercado de trabalho, mas um cidadão qualificado para mudar a própria sociedade, para torná-la mais justa e igualitária, na medida em que a Universidade é capaz não somente de ensinar, de promover a pesquisa, mas também de disponibilizar este conhecimento gerado nas salas de aula, através da extensão universitária, para toda a sociedade.

Este foi um ano difícil para a Universidade. Há conquistas a serem comemoradas?
Uma parte deste ano foi muito difícil: a da greve. Mas tivemos um ano extremamente feliz do ponto de vista de resultados. Na avaliação do Provão, do ensino de graduação, fomos a 8ª universidade, estando entre as dez melhores do País. Na pós-graduação, também ficamos entre as dez melhores do País. Conseguimos obter recursos importantíssimos, por concorrência, por editais, e tivemos os melhores projetos, como foi o caso do Fundo de Infra-Estrutura, de todas as três regiões - Norte, Nordeste e Centro-Oeste - obtendo R$ 7 milhões, que equivalem a 50% do custeio que o Governo Federal nos repassa anualmente. Na área de pesquisa de petróleo, tivemos resultados bastante expressivos e, mais recentemente, nas áreas de gás e energia, conseguimos recursos que vão dar um diferencial ainda maior. Se olharmos a magnitude social da Universidade, nos seus projetos a partir do UFPE para Todos, estamos cada vez nos inserindo nas comunidades e nos municípios, tornando a vida das pessoas mais fácil e de melhor qualidade. Quanto à cooperação internacional, também temos o que comemorar. Esteve na UFPE este ano quase uma centena de reitores e tivemos duas avaliações internacionais importantes, ainda na primeira gestão, que nos levaram a incrementar esse tipo de relação.

Nos últimos anos, o ensino superior privado cresceu muito. O que a UFPE tem feito para enfrentar esta concorrência?
Nós queremos que haja um ensino superior privado de qualidade. Por mais capacidade que a Federal de Pernambuco e as outras instituições públicas tenham para aumentar suas vagas jamais terão condições de absorver esta demanda que, nos próximos três a quatro anos, chegará a seis milhões de matrículas. Mas não concordamos com a expansão desenfreada e sem qualidade no ensino. O que vemos é um certo mercantilismo pela educação, que é um bem fundamental de cidadania para um povo, para a soberania de uma nação. O que se espera é que ocorram parcerias com algumas instituições privadas, que têm projeto pedagógico sério, na prática, e no seu cotidiano.

Mesmo diante da escassez de recursos, a UFPE tem investido em infra-estrutura e ampliado departamentos. Quais são os investimentos mais recentes?
Realizar estes investimentos talvez seja o maior desafio de um reitor de uma universidade pública no País. Mas temos conseguido, com muito êxito, recursos importantes. Este ano, tivemos algo em torno de R$ 3 milhões para a modernização e ampliação de salas de aula. Este dinheiro é muito importante para a Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, que está sendo ampliada, nos próximos meses. Inauguramos este ano novos prédios para os departamentos de Terapia Ocupacional e de Fisioterapia. Tivemos recuperações importantes, como a ampliação no Centro de Ciências Sociais Aplicadas e, na área de Tecnologia, um novo Departamento de Química Fundamental, com 2.000 m2, vai ser inaugurado. É preciso salientar as parcerias com empresas privadas. Uma delas é para o Departamento de Engenharia Eletrônica, o grupo de fotônica, que, em parceria com a Siemens, tem conseguido melhorar seu laboratório, assim como aconteceu no Hospital das Clínicas, cujo Serviço de Nefrologia está sendo modernizado mediante parceria com a Baxter. Não podemos deixar de citar o apoio de alguns parlamentares de Pernambuco, que têm colocado emendas no Orçamento Geral da União para a melhoria da infra-estrutura, das salas de aula e dos laboratórios.

Como a Universidade começa o ano de 2002?
No âmbito mais geral, o maior desafio para as universidades federais é buscar maior autonomia. Esta greve mostrou claramente que não dá mais para trabalhar de uma forma tão centralizada como o Governo vem fazendo com as universidades. Precisamos estabelecer uma autonomia responsável, que permita às universidades funcionarem com maior agilidade e eficiência. Neste sentido, vamos voltar nossa atenção a três aspectos na área meio: no planejamento plurianual, na retomada das avaliações e na organização do capital humano da Universidade.