Ano VIII - Nº 100 - Maio/2002












 

Consciência gramatical começa cedo

Quanto mais estimulados a refletir sobre a língua, antes mesmo da fase da alfabetização, melhor será o rendimento da criança na elaboração, leitura e compreensão de textos

Clécio Vidal

As crianças podem ampliar a consciência gramatical antes mesmo de aprender a ler e a escrever. Essa é a idéia defendida pela psicóloga Kátia Leal, na tese Efeitos do Estímulo da Consciência Gramatical sobre as Habilidades de Leitura e Escrita, defendida recentemente no Doutorado em Psicologia Cognitiva, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco. A pesquisa, realizada com 60 crianças de cinco anos de idade, em média, no início da alfabetização, demonstra que, se o estímulo dessa consciência ocorrer cedo, a aprendizagem de ortografia e de interpretação de textos ficará mais fácil.

De acordo com Kátia Leal, consciência gramatical é uma habilidade metalingüística e, como tal, envolve fazer da língua objeto de reflexão. "É exercer controle intencional sobre a estrutura e funções da língua, interpretando como elas refletem a estrutura da realidade", explica. "O estímulo dessa consciência pode ser feito, de maneira sistemática, antes de as crianças aprenderem a ler e a escrever", afirma a pesquisadora.

CIRCO - Mesmo sem ter um conhecimento formal das classes de palavras, as crianças, à medida que ampliam essa consciência, segundo a psicóloga, aprendem a empregar desinências verbais, sufixos e pronomes. "O importante não é classificar as palavras, mas reconhecer a função e o posicionamento delas na frase", afirma a psicóloga.

Uma das atividades que a pesquisadora utilizou para estimular a consciência gramatical foi trabalhar com a transformação das frases de um texto referente ao circo. Foi pedido às crianças para imaginar uma situação em que o circo era invadido por extraterrestres que o transformavam completamente. Uma das coisas feitas pelos extraterrestres foi mudar o sexo dos animais, dos artistas, ou seja, alterar o gênero de tudo que havia no circo. "Os homens viravam mulheres, por exemplo. Perguntávamos então como ficaria o texto, o que precisaria ser modificado, por exemplo, na frase: Os trapezistas estão aqui. Ao solucionar o problema, as crianças identificavam a função e a posição dos artigos na frase e sua relação com outras palavras", explica.

As crianças mais sensíveis à organização gramatical da língua fazem melhor uso do contexto como base para a leitura de uma palavra desconhecida ou de difícil decodificação, atentando para as particularidades da ortografia da língua. "Na frase O cantor cantou uma linda canção, por exemplo, foneticamente as palavras cantor e cantou são muito semelhantes, mas o fato de uma ser substantivo e outra verbo indica como deverá ser a escrita de suas terminações ("or" para o substantivo e "ou" para o verbo).

A professora comenta que os professores, normalmente, ao ensinar a ler, focalizam a decodificação dos símbolos lingüísticos pelas crianças e a fluência da leitura. Com a metodologia tradicional, as crianças aprendem a identificar os 'elementos do circo', mas não entendem o que o faz ser um circo", conclui.

Kátia Melo comparou a performance em leitura, compreensão de leitura, ortografia e produção de textos das turmas em que aplicou as atividades de estímulo da consciência gramatical com outras em que os jogos não foram utilizados. Nas primeiras atividades, o índice de erros ortográficos foi bem menor, além de as crianças terem tido desempenho significativamente melhor em compreensão de textos, bem como produzirem textos mais elaborados e coesos. "A aprendizagem da leitura e da escrita é um processo complexo e desafiador, que exige a atenção das crianças para aspectos da língua aos quais elas não precisavam dar importância até o momento de começar a aprendizagem", acrescenta.

Segundo a psicóloga, os resultados alcançados permitem afirmar a possibilidade de uma ação pedagógica que desperte a sensibilidade do estudante para a funcionalidade da língua, muito antes do ensino formal da gramática.

Foram observados, durante a pesquisa, alunos das escolas Fazer Crescer e Vera Cruz.