Ano VIII - Nº 104 - Setembro/2002












 

Pesquisa identifica alto índice de depressão entre médicos residentes

O percentual desses profissionais que atuam nos hospitais da UFPE e da UPE e que se encontram em estado de depressão é maior do que o verificado entre a população em geral

Clécio Vidal

Ao avaliar a freqüência de sintomas de depressão entre médicos residentes e as fontes de tensão relacionadas ao surgimento desses sintomas, a pesquisadora Taciana Ascendina, do Departamento de Psicologia da UFPE, verificou que 18,7% dos entrevistados têm suspeita de depressão. O índice é superior à porcentagem de 15% encontrada em pesquisas com a população em geral. O estudo, orientado pelo professor e psiquiatra Everton Botelho, analisou as condições emocionais de 150 médicos do Hospital das Clínicas da UFPE e do Hospital Oswaldo Cruz, da UPE.

As principais fontes de tensão, identificadas entre os residentes afetados pela depressão, foram o contato com os pacientes (25,9%), a comunicação de notícias dolorosas como anúncio de morte ou de doenças graves (22%) e o convívio com pacientes em estado terminal (21%). “Em nossa investigação, o índice de suspeitos de depressão cresceu de 12,9% para 25,4%, ao analisarmos médicos do primeiro e do segundo ano de residência. Essa informação contraria registros anteriores que afirmam uma tendência a normalização dos estados emocionais, após o primeiro ano de residência”, revela a psicóloga.

De acordo com Taciana Ascendina, a sobrecarga de trabalho diário dos residentes afetados pela depressão é significativamente maior. “Enquanto os não-afetados trabalham dez horas por dia, em média, os afetados trabalham 12 horas.”

A análise foi realizada com base na coleta de dados sociobiodemográficos (sexo, idade e número de filhos) e de informações obtidas ao se aplicar a versão de um questionário, desenvolvido por pesquisadores de Londres, utilizando a Escala de Hamilton. Esse questionário, que pode ser auto-aplicado, possui 18 itens referentes a sintomas de humor – como ansiedade, irritação ou indiferença afetiva – e sintomas físicos como perda acentuada de peso, diminuição da libido, insônia e hipersônia (excesso de sono).

A marcação de cada um destes tópicos correspondeu a uma pontuação. Uma soma de pontos superior a dez confirmava a suspeita de depressão. Outras variáveis presentes no questionário disseram respeito a fatores cognitivos como idéias de suicídio, além daqueles relativos ao rendimento das atividades, a exemplo da dificuldade de concentração e da diminuição da memória.

Depressão pode levar ao consumo de drogas

A pesquisadora Taciana Ascendina, autora do estudo sobre depressão entre os médicos residentes, ressalta como principal importância da pesquisa o alerta para a existência de transtornos psiquiátricos entre os médicos. “Pesquisas realizadas em universos mais abrangentes apontam uma taxa de 50% de residentes com distúrbios emocionais, sendo 28% deles atingidos pela depressão. Esses problemas podem levar ao abuso de álcool e de outros tipos de drogas”, afirma Taciana Ascendina.

A psicóloga chama a atenção para o preconceito que ronda o senso comum a respeito da depressão. “Existe uma idéia de que ‘depressão’ conota fracasso ou inaptidão, o que leva o médico a negar que está deprimido, tratando sintomas como o cansaço, a insônia e a perda de apetite, sem considerar, minimamente, a possibilidade de estarem deprimidos. A situação se agrava porque os médicos, muitas vezes, se acham inatingíveis”, alerta. Segundo ela, a depressão é uma doença como outra qualquer e pode atingir qualquer pessoa. Aliás, atesta a pesquisadora, a tendência é de que o índice de depressivos cresça consideravelmente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que a depressão será a segunda moléstia de maior incidência, perdendo somente para os problemas cardíacos.

Algumas medidas preventivas da depressão, na opinião da pesquisadora, podem ser a flexibilização dos plantões, com 36 horas e 12 horas de descanso, acompanhamento durante a mudança de especialidades no período da residência e a conscientização para os riscos que envolvem a atividade médica.