Terremotos: como prevê-los?
Embora a ciência já tenha revelado muito sobre as causas do terremoto,
os pesquisadores ainda se ressentem da falta de segurança para
prever a sua ocorrência
Giovani Vasconcelos
Terremotos são fenômenos
naturais que impressionam tanto pela capacidade de destruição
como pela dificuldade de prevê-los, dada a complexidade
dos processos físicos envolvidos. Desde a Antigüidade
– o primeiro instrumento para detecção sísmica
foi inventado pelos chineses no século II –, buscamos
compreender os terremotos e aperfeiçoar nossos métodos
de predição. Nos últimos 15 anos, têm-se
acumulado evidências de que os terremotos exibem características
comuns a vários outros sistemas físicos, tais como
os sistemas caóticos e os fractais. O estudo desses novos
aspectos da física de terremotos transcende o interesse
meramente acadêmico e pode ser de grande importância
prática, como argumentaremos abaixo.
A moderna teoria da origem dos terremotos
assenta-se sobre dois pilares: a teoria tectônica de placas
e a teoria do rebote elástico. Segundo a teoria tectônica,
a crosta terrestre está fragmentada em diversos segmentos
(placas) que se movem lentamente uns em relação
aos outros. Por exemplo, a placa da América do Sul, que
se estende até o meio do Oceano Atlântico, está
se afastando da placa africana a uma taxa de aproximadamente três
centímetros ao ano. Em uma falha geológica, que
corresponde à região de contato entre duas placas
tectônicas, o atrito se opõe ao deslizamento relativo
das placas, tentando mantê-las “coladas” entre
si. Impedida de se mover ao longo da falha, a crosta terrestre
vai se deformando lentamente em virtude de suas propriedades elásticas.
Um terremoto acontece quando a força elástica em
algum ponto da falha supera a força de atrito, provocando
então um deslizamento brusco, o chamado rebote elástico.
(Os tremores sentidos na superfície da terra são
causados por ondas sísmicas, ou seja, vibrações
da crosta terrestre originadas durante o terremoto e que podem
se propagar por milhares de quilômetros.)
A origem tectônica dos terremotos é
confirmada pela observação experimental de que a
grande maioria dos abalos sísmicos acontece, de fato, nas
fronteiras entre placas. Isso explica, por exemplo, por que o
Brasil, que se encontra no centro da placa da América do
Sul, está relativamente livre de terremotos, enquanto o
Chile, por se situar próximo à borda ocidental da
nossa placa, está em uma zona de risco. Terremotos podem
acontecer também em falhas existentes no interior de uma
placa, mas esses são, em geral, de pequena intensidade.
É o caso, por exemplo, dos tremores sentidos em Caruaru
recentemente e em João Câmara (RN), em 1986. Embora
os aspectos gerais da origem dos terremotos sejam bem compreendidos,
os detalhes de como se dão esses deslizamentos ainda precisam
ser mais bem elucidados, e nessa empreitada o estudo de modelos
físicos simples é uma ferramenta bastante útil.
Um modelo simplificado para terremotos consiste
de dois blocos de rocha apoiados um sobre o outro, com o bloco
inferior fixo e o superior ligado por meio de uma mola a um suporte
horizontal que se move lentamente. À medida que o suporte
avança, alonga-se a mola e aumenta, portanto, a força
elástica sobre o bloco superior, até chegarmos a
uma situação em que a força elástica
supera a força de atrito e o bloco começa a deslizar.
Dependendo do tipo de atrito cinético
entre as rochas, o deslizamento resultante pode ser rápido
(terremoto) ou apenas gradativo (creep). Assim, se conhecêssemos
o atrito atuando numa dada falha, poderíamos determinar,
a priori, se essa falha apresentaria atividade sísmica
ou se seria inativa. Infelizmente, determinar o atrito em condições
geológicas não é fácil, de modo que
nesse aspecto nosso modelo é mais de interesse teórico
do que prático.
Recentemente, estudamos uma versão
mais sofisticada do modelo acima, em que o bloco superior está
ligado ao suporte móvel através de duas molas dispostas
perpendicularmente entre si. Nesse caso, a dinâmica do sistema
é muito mais complexa, apresentando um comportamento caótico
em que terremotos acontecem de maneira imprevisível. Concluindo,
a existência de caos em modelos simples de terremotos deve
ser vista como uma forte evidência de que terremotos reais
são, muito provavelmente, fenômenos caóticos.
Esse fato, por si só, tem sérias implicações
práticas, pois limita consideravelmente nossa capacidade
de predição.
Giovani Vasconcelos é professor
do Departamento de Física da UFPE
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