Ano VIII - Nº 104 - Setembro/2002














 

Terremotos: como prevê-los?

Embora a ciência já tenha revelado muito sobre as causas do terremoto, os pesquisadores ainda se ressentem da falta de segurança para prever a sua ocorrência

Giovani Vasconcelos

Terremotos são fenômenos naturais que impressionam tanto pela capacidade de destruição como pela dificuldade de prevê-los, dada a complexidade dos processos físicos envolvidos. Desde a Antigüidade – o primeiro instrumento para detecção sísmica foi inventado pelos chineses no século II –, buscamos compreender os terremotos e aperfeiçoar nossos métodos de predição. Nos últimos 15 anos, têm-se acumulado evidências de que os terremotos exibem características comuns a vários outros sistemas físicos, tais como os sistemas caóticos e os fractais. O estudo desses novos aspectos da física de terremotos transcende o interesse meramente acadêmico e pode ser de grande importância prática, como argumentaremos abaixo.

A moderna teoria da origem dos terremotos assenta-se sobre dois pilares: a teoria tectônica de placas e a teoria do rebote elástico. Segundo a teoria tectônica, a crosta terrestre está fragmentada em diversos segmentos (placas) que se movem lentamente uns em relação aos outros. Por exemplo, a placa da América do Sul, que se estende até o meio do Oceano Atlântico, está se afastando da placa africana a uma taxa de aproximadamente três centímetros ao ano. Em uma falha geológica, que corresponde à região de contato entre duas placas tectônicas, o atrito se opõe ao deslizamento relativo das placas, tentando mantê-las “coladas” entre si. Impedida de se mover ao longo da falha, a crosta terrestre vai se deformando lentamente em virtude de suas propriedades elásticas. Um terremoto acontece quando a força elástica em algum ponto da falha supera a força de atrito, provocando então um deslizamento brusco, o chamado rebote elástico. (Os tremores sentidos na superfície da terra são causados por ondas sísmicas, ou seja, vibrações da crosta terrestre originadas durante o terremoto e que podem se propagar por milhares de quilômetros.)

A origem tectônica dos terremotos é confirmada pela observação experimental de que a grande maioria dos abalos sísmicos acontece, de fato, nas fronteiras entre placas. Isso explica, por exemplo, por que o Brasil, que se encontra no centro da placa da América do Sul, está relativamente livre de terremotos, enquanto o Chile, por se situar próximo à borda ocidental da nossa placa, está em uma zona de risco. Terremotos podem acontecer também em falhas existentes no interior de uma placa, mas esses são, em geral, de pequena intensidade. É o caso, por exemplo, dos tremores sentidos em Caruaru recentemente e em João Câmara (RN), em 1986. Embora os aspectos gerais da origem dos terremotos sejam bem compreendidos, os detalhes de como se dão esses deslizamentos ainda precisam ser mais bem elucidados, e nessa empreitada o estudo de modelos físicos simples é uma ferramenta bastante útil.

Um modelo simplificado para terremotos consiste de dois blocos de rocha apoiados um sobre o outro, com o bloco inferior fixo e o superior ligado por meio de uma mola a um suporte horizontal que se move lentamente. À medida que o suporte avança, alonga-se a mola e aumenta, portanto, a força elástica sobre o bloco superior, até chegarmos a uma situação em que a força elástica supera a força de atrito e o bloco começa a deslizar.

Dependendo do tipo de atrito cinético entre as rochas, o deslizamento resultante pode ser rápido (terremoto) ou apenas gradativo (creep). Assim, se conhecêssemos o atrito atuando numa dada falha, poderíamos determinar, a priori, se essa falha apresentaria atividade sísmica ou se seria inativa. Infelizmente, determinar o atrito em condições geológicas não é fácil, de modo que nesse aspecto nosso modelo é mais de interesse teórico do que prático.

Recentemente, estudamos uma versão mais sofisticada do modelo acima, em que o bloco superior está ligado ao suporte móvel através de duas molas dispostas perpendicularmente entre si. Nesse caso, a dinâmica do sistema é muito mais complexa, apresentando um comportamento caótico em que terremotos acontecem de maneira imprevisível. Concluindo, a existência de caos em modelos simples de terremotos deve ser vista como uma forte evidência de que terremotos reais são, muito provavelmente, fenômenos caóticos. Esse fato, por si só, tem sérias implicações práticas, pois limita consideravelmente nossa capacidade de predição.

Giovani Vasconcelos é professor do Departamento de Física da UFPE