Ano VIII - Nº 108 - Janeiro/2003












 

Discurso da Igreja Universal assimila os valores de mercado

Estudo analisou discursos publicados no jornal da Igreja Universal do Reino de Deus e textos produzidos por bispos da cúpula da instituição

Clécio Vidal

O sociólogo Kleber Fernando Rodrigues analisou, na dissertação “Vida e Vida com abundância”: teologia da prosperidade, sagrado e mercado, como o discurso da Igreja Universal do Reino de Deus assimila valores de mercado, a exemplo da busca pela ascensão social e o estímulo ao consumo. A pesquisa, realizada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE, com base em depoimentos de fiéis e de bispos veiculados no jornal Folha Universal - pertencente à Igreja Universal -, em livros produzidos por Edir Macedo, além da observação em cultos.

De acordo com o pesquisador, o discurso iurdiano (relativo à Igreja Universal) se baseia na idéia de que usufruir os bens de consumo oferecidos pela sociedade capitalista é um sinal da operosidade de Deus na vida do converso iurdiano, idéia que constitui a teologia da prosperidade. Nesse contexto, a fé em Deus é valorizada como meio de obter saúde, riqueza, sucesso e poder terreno.

Na interpretação que a Igreja Universal faz da relação entre Deus e os fiéis, o sacrifício ganha um tom utilitário. O dever religioso de dar o dízimo é resultado da certeza do fiel de que Deus deverá retribuir com prosperidade. O ofertante passa a se sentir no direito de exigir o que Ele prometeu. “Edir Macedo, por exemplo, afirma em seus discursos que o fiel deve exigir de Deus, em suas preces, a prosperidade como um direito do cristão, filho de Deus e co-herdeiro de Jesus: dono por herança, de todas as coisas que existem na face da terra”, explica o sociólogo. O professor diz que são comuns pronunciamentos de pastores do tipo: “Eu determino, Senhor, que a minha vida seja uma vida vitoriosa, uma vida abundante”, ou “Revolte-se com Jesus e exija que Deus o abençoe com uma vida de prosperidade”.

“O imaginário de Cristo contido no discurso iurdiano não é de alguém pobre, mas de um príncipe, filho do grande Rei, dono do ouro e da prata”, completa. Kleber Rodrigues lembra que, entre os católicos, o sacrifício é simbolizado por penitências, caridade e obras; entre os protestantes históricos e pentecostais é representado por ofertas, dízimos e jejuns, entre outros, diferenciando-se, em parte, dos pós-pentecostais da IURD. “O sacrifício, neste caso, sinaliza a submissão do servo diante da autoridade de um Ser Infinito, sem limites e inatingível”, afirma.

A ênfase no ser próspero é verificada até mesmo no modo como são denominados os cultos. “Que recebem nomes como corrente da prosperidade, corrente da vida regalada, corrente das almas aflitas ou simplesmente culto dos empresários”, conta.

O pesquisador afirma que a diversidade de cultos iurdianos, denominada por ele messianismo polissêmico é responsável pelo número crescente de fiéis.“A Universal existe há 25 anos e já tem dois milhões de fiéis, enquanto as outras igrejas protestantes reformadas estão aqui há 150 anos e somam cerca de 4 milhões de membros”, contabiliza.

Preleção adotada pelos iurdianos crê que a vinda de Cristo é iminente

O pós-milenarismo é a versão escatológica (relativa ao final dos tempos) adotada pelo discurso iurdiano. Segundo esta idéia, o reino de Cristo já existe e gradativamente se expande por meio da pregação do Evangelho.

Após o sofrimento pelo qual os homens passaram, o teste da fé que Deus aplicou a seus servos (período chamado pelos protestantes de dispensação), haveria um período de mil anos em que o cristianismo prevaleceria na Terra. Nesse período, Satanás será preso. Seguido ao milênio, vai acontecer violento surto de maldade e um terrível conflito entre Cristo e o Diabo. Nesse momento, Cristo voltará, trazendo a ressurreição de todos os mortos e o julgamento final .

Os integrantes da Universal acreditam que a era de mil anos anterior à volta de Cristo - a qual a humanidade estaria vivendo - é uma época de progresso humano, social, econômico e científico. Daí parte a identificação do capitalismo atual com esse período. “Por conseqüência, incentiva-se a procura da virtude na satisfação do desejo de consumo, uma espécie de ascese intramundana, termo cunhado por Max Weber”, explica o pesquisador.

Dessa forma, a fundamentação dos discursos deixa de ser a espera do advento ou retorno imediato de Cristo. A preparação espiritual do crente para usufruir as bênçãos após a morte é substituída por um novo paradigma da fé. “Ao invés da afirmação de que Cristo Salva, Cura, Batiza com o Espírito Santo e Voltará (a crença no advento), os iurdianos declaram que Cristo Salva, Cura, Batiza e ‘Liberta (pregação de Edir Macedo)”, diz.